O Museu do Ceará recebeu 40 mil visitantes entre 2018 e abril de 2019, de acordo com informações divulgadas ao Vida&Arte pela Secretaria da Cultura do Ceará (Secult - CE). Os dados dimensionam o último ano de completo funcionamento da primeira instituição museológica oficial do Estado. Desde então, obras de restauro estrutural prolongam o afastamento entre cidadãos e a secular edificação do Palacete Senador Alencar, situado no Centro de Fortaleza, sem previsão para reabertura até o momento
O local abrigava um acervo com mais de 13 mil peças, entre moedas, itens de vestuário, artefatos indígenas, peças arqueológicas, bandeiras, armas e imagens. Foi recinto para exposições sobre personalidades como o historiador Capistrano de Abreu (1853 - 1927), com objetos pessoais do cearense; e Frei Tito, em memorial que reuniu artefatos pessoais da família, a exemplo de fotografias e documentos. Também não há como deixar de mencionar a presença do Bode Ioiô, caprino eleito vereador nas eleições de 1922, cuja imagem se encontrava empalhada em sala do Museu.
A mencionada reforma emergencial foi determinada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e objetivava a "melhoria da estrutura e da segurança do bem cultural", com previsão de 120 dias de duração e custo inicial por volta de R$410 mil. Em nota compartilhada no mês de abril, a Secult explica que o atraso foi influenciado pela falta de avanço das tratativas com a Caixa Econômica Federal para o financiamento da obra. O processo corre em fase de liberação de licitação e foi encaminhado para a Superintendência de Obras Públicas do Ceará (SOP), responsável pela elaboração do termo de referência e orçamento, "para dar sequência ao restauro e à modernização do museu, com recursos próprios do tesouro estadual".
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O trâmite, também vinculado à Coordenadoria do Patrimônio Cultural e Memória (Copam), agora envolve cerca de R$4 milhões. O montante, segundo a pasta, é destinado à melhoria da construção predial e também à modernização do órgão. "A referida obra de restauro possibilitará a conservação e preservação do Palacete Senador Alencar, como também modernizará o prédio, adequando o mesmo às atuais orientações para garantir a acessibilidade em museus e atualizará os espaços dos circuitos expositivos da referida instituição", desenvolveu no texto.
O Palacete, consequentemente, se distancia do cenário cultural neste tempo em que balança entre reparações e remodelações. Em meio às inaugurações e reestruturações de equipamentos culturais que se alastram pelo Estado, os pontos de referência de tamanha instituição museológica perdem alcance, embora continuem acessíveis para fins de pesquisa e em atividades de formatos on-line, enquanto não é possível reabrir as portas aos visitantes.
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Memória
O tempo pelo qual corre a reforma pode trazer agravantes que tangenciam as questões físicas: com o equipamento fechado por anos, muitas pessoas de gerações mais novas sequer sabem onde o Museu do Ceará está situado ou têm proporção da trajetória da instituição, que se estende por mais de 90 anos. O contexto do surgimento da iniciativa remete a um período no qual se buscava fortalecer instrumentos de identidade nacional. "No caso dos museus históricos, eles tiveram, em muitos casos, o Museu Paulista e o Museu Histórico Nacional como 'modelos' a partir de 1922, ano do centenário da independência do Brasil", rememora a historiadora Cristina Holanda, gestora do Museu do Ceará entre 2008 e 2013 e atual diretora do Museu Ferroviário do Ceará.
O equipamento tratado nesta matéria foi criado por decreto em 1932 e abriu as portas em 1933 como Museu Histórico do Ceará (MHC). As peças, majoritariamente adquiridas por compras e doações particulares e de instituições públicas, ocupavam duas salas do recém-criado Arquivo Público do Estado. A entidade foi incorporada à Secult - CE em 1967 e, em 1971, o professor Osmírio Barreto tomou a frente da superintendência. "Três gestões foram bem estudadas em dissertações e teses: Eusébio de Sousa, Raimundo Girão e Osmírio Barreto. Cada um com suas particularidades, tiveram em comum o uso de práticas expositivas que nos remetem à tradição dos antiquários; discursos em prol do nacionalismo; a folclorização da cultura popular; e a compreensão do Museu como instituição educativa voltada para a formação de patriotas", aponta.
O equipamento embarca em mais um processo de renovação a partir de 1990, quando é transferido para o Palacete Senador Alencar e recebe o título de Museu do Ceará. A nova nomeação pretendia integrar distintos preceitos à instituição, como diversidade tipológica do acervo e formação interdisciplinar, com a presença de historiadores, antropólogos, museólogos, arquitetos, restauradores, arqueólogos e paleontólogos na equipa técnica. "Considerando os novos debates acerca da estrutura e função social dos museus, em especial os de História, percebem-se mudanças acentuadas na configuração do Museu do Ceará, sobretudo com a criação de exposições de longa duração: "Momento Ceará Terra da Luz ou Ceará Moleque: Que História é Essa? (1998-2008)"; e a fundação de um núcleo educativo fundamentada em premissas da História Social e do legado de Paulo Freire, com o desenvolvimento da metodologia do "objeto gerador" nas mediações. Foi o tempo de organização de sua reserva técnica; da Associação de Amigos (única sobrevivente entre tantas outras do mesmo período), inúmeros seminários, cursos, palestras, oficinas, saraus, teatro", direciona Cristina.