"Chico da Silva é um artista, mas ao mesmo tempo é um coletivo". A definição é sobre o acreano radicado no Ceará, filho de uma migrante cearense e um indígena peruano, um dos principais nomes da arte do Estado e fundador de um ateliê coletivo no Pirambu dos anos 1960. As trajetórias dele e de Garcia, Ivan, Babá, Claudionor e Chica da Silva, artistas do grupo, são o fio condutor da exposição "Chico da Silva e a Escola do Pirambu", que abre neste sábado, 15, às 17 horas, na Pinacoteca do Ceará.
Quem dá conta do caráter plural do artista é o paulistano Thierry Freitas, que juntamente com Flávia Muluc assina a curadoria da exposição. Fruto de uma parceria entre as Pinacotecas de São Paulo e do Ceará, "Chico da Silva e a Escola do Pirambu" chega à capital cearense menos de dois meses depois do término da passagem da mostra pela instituição paulista.
No total, a exposição traz 148 obras que vêm de acervos públicos e particulares. O recorte vai dos anos 1940 — quando Chico inicia na pintura à guache após estímulo do suíço radicado no Ceará Jean-Pierre Chabloz —, passa pelos anos 1960 — período no qual o artista trabalha no recém-criado Museu de Arte da UFC e funda a Escola do Pirambu — e alcança, até, os anos 2020.
"Alguns trabalhos são de 1985 em diante, quando o Chico já morreu, e são feitos por outros realizadores, os artistas da Escola do Pirambu, e servem para exemplificar como a potencialidade desse trabalho é tão enorme que continua para além da vida do artista", explica Thierry. A obra mais recente em cartaz é de 2022, assinada por Garcia, o remanescente do grupo.
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A Escola do Pirambu, descreve o curador, "é um fenômeno que ocorre de maneira orgânica". Em 1963, a produção colorida e fantástica que Chico fazia na própria casa chama a atenção de crianças e adolescentes da vizinhança, o que estabelece uma espécie de oficina no local.
"O que acontece na Escola do Pirambu é muito singular, porque, apesar deles utilizarem figuras como dragões, serpentes e grandes pássaros — que vêm do Chico —, fazem trabalhos ao seu estilo", aponta Thierry.
A experiência do coletivo, ao passo que adiantou práticas de formação e trabalho em conjunto, foi mal compreendida por mídia e pares das artes visuais à época. Questionamentos sobre autoria das obras, por exemplo, eram comuns ao longo dos anos, inclusive porque a repercussão da experiência coletiva fez surgirem ateliês que se "inspiravam" na estética do grupo.
"Isso fez com que a profusão de trabalhos assinados pelo artista ou pessoas que se diziam o artista gerasse um interesse sobre questões de autoria, o que era um Chico falso e um verdadeiro, e claro que a polêmica sempre vende muito mais. Isso acabou eclipsando a produção do Chico e da Escola do Pirambu por um bom tempo", segue.
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O grupo chegou a realizar, em resposta, a obra-performance "Homens Trabalhando" (1977) no Salão de Abril. Na ocasião, Garcia, Ivan, Babá, Claudionor e Chica da Silva, trajando roupas com os respectivos nomes, produziram um painel como forma de mostrar as habilidades artísticas.
O trabalho, provisoriamente guardado na UFC após a produção, permaneceu na instituição por mais de 40 anos apesar de não ter sido cedido à Universidade. O imbróglio foi resolvido em 1º de junho deste ano, com a instituição oficialmente incorporando-o ao acervo, com garantia de recompensas a Garcia e herdeiros dos outros artistas.
A obra iria compor a exposição da Pinacoteca, mas o necessário restauro ainda não foi concluído. A ocasião, porém, contará com exibição do registro em super-8 da performance. O material — doado pelo artista Hélio Rôla que, à época, foi quem sugeriu a ação —, foi digitalizado e tratado pelo Museu da Imagem e do Som do Ceará.
"Rever as obras do Chico da Silva aqui tem uma outra característica. Se, na Pinacoteca de São Paulo, (a exposição) foi apresentada pela primeira vez para muitos e foi reencontro para alguns, aqui há um mergulho afetivo, uma possibilidade de uma valorização e uma valoração da obra construída de fauna e flora fantásticos", afirma Rian Fontenele, diretor da Pinacoteca.
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"Para muito além da possibilidade das relações institucionais e do intercâmbio entre coleções privadas e públicas, se faz um caminho de fruição e difusão, em que nos colocamos como equipamento nacional, que tem a responsabilidade de levar e de trazer a potência da arte cearense para o nosso Estado, mas de fazê-lo um museu nacional com a parceria desses outros equipamentos", completa o gestor.
De SP a CE
Em São Paulo, a exposição se chamava "Chico da Silva e o Ateliê do Pirambu", tinha 124 obras e curadoria de Thierry Freitas. No CE, usa-se o termo "Escola do Pirambu", de maior ocorrência no Estado, são 148 obras e à curadoria se soma Flávia Muluc, socióloga da arte e pesquisadora de arte cearense.
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