"Em 1930, a Favela da Moça Bonita era um grande lamaçal. Suas terras não valiam um vintém, porém sua gente era mais valiosa do que todo o ouro do mundo. Tal como a lavadeira dona Rosária e o operário seu Avelino, pais de Elza Gomes da Conceição e outras dez crianças".
Enquanto o trecho acima ajuda a caracterizar o início da trajetória de uma das cantoras mais importantes do Brasil, ilustrações mostram quatro crianças deitadas em um quarto, dormindo, iluminadas pela luz do luar e acompanhadas de um pequeno cachorro. Para muitas crianças, esse será o primeiro contato com a obra de Elza Soares.
Quando isso acontecer, será cumprido o objetivo da biografia "Elza: A Voz do Milênio", com texto da historiadora, poeta, professora e tradutora paulista, mas radicada no Ceará, Nina Rizzi, e desenhos do ilustrador e designer Edson Ikê. O livro apresenta a história de Elza Soares com linguagem para o público infantil e foi lançado pela VR Editora em agosto.
Com fatos, curiosidades e dados biográficos da artista, a obra retrata acontecimentos marcantes de sua vida, como a infância pobre, diversos lutos parentais, casamento precoce aos 12 anos, sequestro da filha, casamento com Mané Garrincha e programas de calouros e em orquestras.
De acordo com os autores, o desejo do livro é não apenas apresentar a trajetória de superação de Elza Soares, que faleceu em janeiro de 2022, mas dar às crianças "a oportunidade de entrarem em contato com diversas perspectivas do legado" deixado por ela, como a luta pela igualdade racial e uma sociedade sem discriminação.
O livro começou a ser escrito em 2022 e exigiu cerca de um ano de pesquisa por parte da autora, Nina Rizzi. Ela se debruçou em livros, depoimentos, entrevistas, postagens em redes sociais, shows e artigos sobre Elza Soares. "O processo de pesquisa foi muito mais longo que o de escrita. Eu ia pesquisando e anotando, e se fosse para escrever sobre tudo daria um livro de 500 páginas", recorda a historiadora.
Com uma história tão densa, como foi adaptar a trajetória da cantora não só para o público infantil, mas de forma reduzida? Como Nina Rizzi já tem experiência de sala de aula com crianças, foi possível resgatar essa experiência para levá-la à escrita. Ela rechaça a ideia de que as crianças não são capazes de assimilar temas mais profundos.
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"Acho que nós, adultos, temos muito mais dificuldade para falar com as crianças sobre temas difíceis que aparecem. Na história da Elza, por exemplo, ela perdeu filho por desnutrição, enfrentou racismo e violência doméstica. Quanto antes as crianças tiverem acesso a essas discussões, tanto melhor conseguirão lidar com isso na juventude e mesmo na vida adulta", reflete.
Para iniciar o livro, a autora recorreu aos questionamentos: "O que a criança mais gosta de fazer? Qual é o ponto principal de aprendizado delas?". Então, chegou à resposta: a brincadeira. Assim ela começa a história falando sobre a infância de Elza na Favela da Moça Bonita, contando o que a então garota fazia, como soltar pipa e jogar amarelinha. A partir disso, é construída a história da obra.
Na avaliação da escritora, esse é um livro que não é direcionado apenas a crianças pequenas. Para Nina Rizzi, a obra pode ser compartilhada pelo público infantil com adolescentes e pessoas adultas, de forma a aproximar ainda mais os brasileiros da carreira e da trajetória de uma das cantoras mais importantes do Brasil.
"Esse livro aproxima as crianças mais cedo não só da história da música brasileira, mas da história de uma cantora, mulher preta, que viveu em pobreza por muito tempo, e isso também é a história do País", aponta.
O que as ilustrações contam
As mensagens transmitidas pelo livro "Elza: A Voz do Milênio" ganham ainda mais impacto a partir das ilustrações criadas para a obra. Os desenhos são assinados pelo ilustrador e designer Edson Ikê.
Ele relata ter se voltado a um desenho mais dinâmico e com acenos às animações das décadas de 1930, 1940 e 1950, "período da vida criativa da Elza", em sua avaliação. Ikê também enveredou por pesquisas na Biblioteca do Museu Histórico Nacional.
"A história da Elza é triste, então tentei traduzir isso de forma poética, mais leve, tentando mostrar para a criança aquela realidade, mas com certa poesia. Minha busca foi exatamente essa: dialogar com as crianças nessa perspectiva", conta.
Sobre os temas espinhosos no livro, ele pontua: "O livro conta sobre o período da ditadura militar, por exemplo. Eu penso que as crianças devem ter essa consciência, até para não repetirmos os erros que cometemos", destaca o designer.
Saiba mais
Na parte final do livro, há uma seção dedicada àqueles que desejam se aprofundar na obra de Elza Soares, com indicações de livros sobre a artista (como "Elza", de Zeca Camargo), documentários (como "My Name is Now", de Elizabeth Martins), filmes (a exemplo de "O Puritano da Rua Augusta", de Amacio Mazzaropi) e a série "Elza & Mané: Amor em linhas tortas", disponível no Globoplay.
Elza: A Voz do Milênio
de Nina Rizzi e Edson Ikê. VR Editora. 48 páginas
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