O fotógrafo, antropólogo e pesquisador cearense Jean dos Anjos, autor da mostra "Festa, Baia, Gira, Cura", defende a manutenção da frase "Exu te ama", exposta em painel no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. A posição é uma resposta a críticas feitas por uma deputada, que alegou que a frase "agredia a religiosidade do povo cristão" e que fez um requerimento para remover a inscrição da parede. Segundo o artista, essa é uma "questão totalmente sem fundamento".
A exposição está em cartaz no Museu da Cultura Cearense (MCC) desde 30 de setembro e reúne extenso acervo sobre a história das festas da Umbanda e do Candomblé no Ceará. O trabalho inaugura os festejos de 40 anos do terreiro de Umbanda e Candomblé Cabana do Preto Velho da Mata Escura | Ilé Àse Ojú Oya, localizado no bairro Bom Jardim, em Fortaleza.
"Exu te ama", portanto, é uma das partes desta exposição. Entretanto, a frase foi criticada pela deputada estadual Dra. Silvana (PL), que apresentou o requerimento nº 11999/2023 na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) no último dia 11. O texto pede que seja enviado um ofício à secretária da Cultura do Ceará, Luisa Cela, para remoção do trecho.
Para a deputada Dra. Silvana, a inscrição é um gesto agressivo aos valores cristãos. "A título de exercício democrático do direito religioso, a inscrição, paradoxalmente, configura uma iniciativa agressiva aos valores de uma maioria cristã que tolera a existência de minorias defensoras de credos notoriamente pautados por devoções esdrúxulas (sic)".
Ainda no texto do requerimento, ela afirma que "esses credos estão sempre agredindo a religiosidade do povo cristão e, cavalgando um discurso do politicamente correto, desejam é (sic) exterminar a religião cristã, afastando-a dos locais públicos". Ao final, a deputada solicita que a frase seja retirada imediatamente ou que sejam colocadas "inscrições de todas as igrejas cristãs".
Festa, Baia, Gira, Cura
Ação é "totalmente sem fundamento", defende fotógrafo
Diante do requerimento apresentado, Jean dos Anjos considera a iniciativa uma ação "totalmente sem fundamento" e que não é passível de debate. Ele rebate uma afirmação dada pela parlamentar ao jornal Opinião de que o problema que ocasionou o requerimento seria a parede ter sido pintada, pois "não é para utilizar a parede do equipamento público".
O fotógrafo pontua que antes do painel "Exu te Ama" já havia uma outra arte na parede e também ressalta que o Dragão do Mar já fez outras exposições sobre arte sacra. "Eu frequento o Dragão do Mar, sou consumidor de arte e cultura daqui do Ceará, e existem exposições sobre religiosidades há muitos anos", enfatiza ao O POVO.
Com isso, analisa como "infrutífero" o debate e que a atitude da deputada com o requerimento denota uma prática racista. Para ele, a parlamentar também desejou confundir seu público ao falar sobre estado laico e dizer que "a maioria (da população brasileira) é cristã".
"A gente está falando de minorias sociais, de uma exposição de Umbanda e Candomblé. São povos que sofreram - e sofrem - perseguições desde o 'descobrimento' do Brasil. Essa fala (da deputada) é para confundir as pessoas e seguidores que são pessoas fanáticas, que não entendem de arte, cultura e muito menos de democracia", discorre.
Ele indica que tem visto muitos comentários positivos sobre a exposição e que há um sentimento de representatividade em muitos visitantes ao se depararem com o conteúdo da mostra.
"Muitos povos de terreiro estão indo ao Dragão do Mar para ver a exposição, as pessoas estão se reconhecendo nela, porque a gente tem um cenário de muita violência com os povos de terreiro. Essa mostra abre para a visibilidade da cultura de terreiro que há no Ceará. Existe uma questão muito séria que é a negação da presença de negros e indígenas no Estado", explica.
O POVO tentou entrar em contato com a deputada Dra. Silvana em três oportunidades. Foram realizadas duas ligações telefônicas e uma mensagem foi enviada pelo aplicativo WhatsApp. Não houve retorno dos contatos até a publicação desta matéria.
Mais sobre "Festa, Baia, Gira, Cura"
Com entrada gratuita, a exposição "Festa, Baia, Gira, Cura" segue sendo exibida no Museu da Cultura Cearense. O material disponibilizado é fruto de ampla pesquisa e produção artística de Jean dos Anjos ao longo de mais de 20 anos. A curadoria é feita por Marília Oliveira e Rafael Escócio, e reúne acervo de fotos, documentos, imagens, esculturas e intervenções artísticas da história das festas da Umbanda e do Candomblé no Ceará.
A mostra também inaugura os festejos de 40 anos do terreiro de Umbanda e Candomblé Cabana do Preto Velho da Mata Escura | Ilé Àse Ojú Oya, no bairro Bom Jardim. Entre as obras expostas estão fotografias e materialidades das festas e rituais do terreiro, com enfoque especial para a festa da Rainha Pombagira Sete Encruzilhadas e Exú.
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