Agosto de 2001, seis portugueses, uma barraca de praia, dinheiro, prostituição e o convite de um “amigo” compatriota. Esse é o cenário de um crime brutal que ficou conhecido como a "Chacina dos Portugueses".
O caso, que marcou a história recente de Fortaleza e ganhou destaque na imprensa internacional, será retratado no documentário "Enterrados Vivos", filme que estreia nesta segunda, 27, na plataforma do O POVO+.
Os empresários Joaquim Silva Mendes, Joaquim Manuel Pestana da Costa, Joaquim Fernandes, Manuel Joaquim Barros, Vítor Manuel Martins e António Correia Rodrigues foram torturados, espancados, agredidos a pauladas, estrangulados, baleados, asfixiados e enterrados vivos no chão da cozinha da barraca de praia Vela Latina, que, ao final do crime, teve seu piso selado com cimento.
A produção do Núcleo de Audiovisual do Grupo de Comunicação O POVO, que tem direção conjunta de Demitri Túlio, Luana Sampaio e Arthur Gadelha, vai explorar a história do crime e as motivações envolvidas para a execução dos assassinatos. Além de abordar a temática do turismo sexual e como ele influenciou a vinda dos portugueses – evidenciando ainda a permanência dessa prática em Fortaleza.
A montagem do projeto durou seis meses de pesquisa e cerca de quatro para execução. Fortaleza é uma personagem principal da história, pois o filme mostra como a população, mídia e as autoridades reagiram aos acontecimentos à época e o que mudou na sociedade após 22 anos do ocorrido.
Arthur Gadelha detalha que o enredo possui dois pólos distintos -o crime e o turismo sexual- e incorpora passado, presente e uma reflexão sobre o futuro.
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"Como são dois pontos muito complexos, tínhamos muita preocupação na pré-produção, como é que a gente conta isso sem parecer que um justifica o outro? Porque são dois crimes completamente irrelacionáveis. Pensamos até em ser uma série em que cada episódio aborda um assunto, só que não tinha como separar, porque a vinda dos portugueses para Fortaleza foi por conta da exploração sexual. Então são duas histórias que se cruzam e o filme olha para esse passado, em como a cidade reagiu na época, no começo do século 21. E também traz uma reflexão sobre hoje, e quem assistir vai descobrir o que é", explica Arthur.
O realizador audiovisual também aborda os desafios de produção e pós para colocar uma história tão real e detalhar cada acontecimento em um documentário.
"Foi um processo bem legal, inclusive. Como é recente, conseguimos ouvir muitas pessoas que participaram ativamente de estar lá. O próprio Demitri estava no momento de desenterrar os corpos, temos pouca imagem, mas muito arquivo de jornal. E os relatos são tão físicos que você consegue "ver", quando ele fala do cheiro e imaginar. Então a maneira como a gente conta isso é muito verbal, mas como todo mundo viveu aquilo não é um relato de ouvir falar 'eu estava lá'", declara o diretor.
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Luís Miguel Militão Guerreiro, Manoel Lourenço Cavalcante, Leonardo Sousa dos Santos, Raimundo Martins da Silva Filho e José Jurandir Pereira Ferreira foram condenados a mais de 100 anos de prisão, mas como a lei brasileira prevê pena máxima de 30 anos, eles devem sair da cadeia dentro desse prazo limite.
E esse é um dos questionamentos do documentário, de acordo com Arthur, que também menciona que quem assistir vai se surpreender com o final contado.
"As pessoas que cometeram o crime estão vivas. É curioso o próprio Militão não dar depoimento pro filme, o que mandou matar. Então você imagina isso, a gente narrando e as pessoas estão aí. Isso é um segredo do filme, temos uma imagem sobre isso, "e aí eles vão sair ou não vão, merecem sair ou não?", é um ponto de discussão do documentário", detalha.
Entre os personagens, "Enterrados Vivos" traz depoimentos do delegado federal Cláudio Joventino, dos jornalistas Demitri Túlio, Suzete Nocrato, Cláudio Ribeiro, Luiz Henrique Campos e Juliana Matos Brito; além do médico legista Francisco Simão.
O editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, Demitri Túlio, assinou algumas matérias na época do ocorrido e faz um paralelo sobre o aumento da criminalidade no estado após quase três décadas da chacina.
"Naquela época, não era algo comum ver seis pessoas, turistas, mortas num episódio só. É muita tragédia junto, é uma narrativa de ficção, mas é real. O assunto foi capa de jornal quase todos os dias. Hoje com o aumento da criminalidade e facções, isso banalizou, tanto que já não é mais manchete de jornais", reflete.
O jornalista ainda reforça que o documentário não irá focar na vida dos portugueses precisamente, mas, sim, no crime que ocorreu, as consequências e como a notícia repercutiu no Brasil e na Europa.
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"A reflexão que a gente faz dessa narrativa é que não é um filme sobre os portugueses. Eles vão ser citados, lógico, foram as vítimas. Mas vamos abordar a chacina, o porquê aconteceu, como se deu, como afetou a cidade, repercussão e o que isso desencadeou até hoje. E também o turismo sexual, fazendo a conexão dessas duas histórias e construindo a narrativa", detalha o jornalista.
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A expectativa dos diretores é que o filme traga uma reflexão sobre as mudanças que ocorreram na sociedade nos últimos anos e o impacto que o crime causou.
"É um filme que a gente traz dois blocos de passado e presente. E eu espero que esse presente cause uma reflexão sobre como mudamos ou não na sociedade", finaliza Arthur Gadelha.
Produções Audiovisual OP
O filme mantém a sequência de criações originais do O POVO+, que tem no currículo obras como "Memórias do medo", "Voo 168: A Tragédia da Aratanha", "Mainha: Com a Morte nos Olhos", "Guerra Sem Fim", "Clarices", "Chico da Matilde: Um dragão vivo", entre outros que podem ser acessados na plataforma do O POVO+.
Ficha Técnica
Enterrados Vivos
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