Em 2019, cinco artistas visuais do Ceará tiveram suas trajetórias profissionais e pessoais reveladas na produção audiovisual "Arte Circunstância". Disponibilizado na plataforma O POVO+ em agosto de 2023, o projeto conta com cinco episódios que acompanham as histórias, obras e pensamentos de Zé Tarcísio, Simone Barreto, Rodrigo Lopes, Cláudia Sampaio e Sérgio Gurgel, nomes de destaque da linguagem no Estado.
Já disponível na íntegra no OP+, a produção — que tem direção de Delano Gurgel Queiroz e produção assinada por Giovanna Campos — relata os passos e caminhos percorridos pelos personagens à época em que cada episódio foi gravado. Após cinco anos da realização de "Arte Circunstância", o Vida&Arte conversou com quatro dos artistas participantes da série para saber de seus próximos passos e do futuro de suas construções artísticas no atual momento de suas trajetórias de vida e de obra.
Claudia Sampaio
Atuando desde a década de 1990 como artista visual, Claudia Sampaio fez da própria casa uma galeria de arte, onde objetos pessoais e materiais encontrados ao longo de suas vivências são obras a serem expostas.
"[A casa] é uma instalação, intervenção e uma performance. Utilizo esses objetos e os ressignifico. É pensando mais na questão do resíduo como arte, ou seja, arte-residual e aproveitando essas 'sobras' tecnológicas", explica a artista que também se apropria da estrutura, paredes e móveis da casa para promover essa pesquisa e prática da memória.
Cláudia detalha uma de suas mais recentes exposições, realizada no Museu de Arte Contemporânea, do Dragão do Mar, onde apresentou a série "Paisagens Possíveis". Idealizada em meados de 2020, durante a pandemia, a mostra conta com fragmentos de objetos que sofreram danos durante sua existência, um trabalho de "rememória".
"Tento repensar minhas práticas em direção às estruturas imaginâmicas e expansivas. As criações vão sendo pensadas a partir das minhas inquietações e incursões que me levaram à produção desses trabalhos", inicia. "É uma nova pesquisa, mas ainda tendo a memória afetiva como base e referência de tudo", explica, listando que possui trabalhos expostos no MAC e na Pinacoteca do Ceará.
Cláudia revela querer aumentar as "proposições artísticas" na própria casa e reflete sobre novas tecnologias e materiais para compor as produções. "O registro do passado é carregado de simbolismos. O que me interessa são as formas que essas memórias reverberam como matéria e potencial artístico no contínuo processo de construção de território e de rememoração".
Também arte-educadora, Cláudia teve a mais recente exposição, "Arqueologia poética: fragmentos", apresentada na Casa de Cultura de Sobral em julho deste ano. De acordo com a artista, o propósito da obra é fazer com que os espectadores encontrem objetos diversos durante uma escavação de blocos de gesso. "O que eu pretendo com essa série é criar um novo espaço de fluxo no cubo branco, com recortes das minhas experimentações. Uma poética da memória tecida por vivências e percepções que são ressignificadas a partir do entrelaçamento entre o passado e o presente".
A professora ainda revela que atualmente é diretora de Arte e Cultura do "Projeto Pirambu Innovation", curso em parceria com o Museu da Imagem e do Som (MIS) que acontece na Casa do Saber, localizada no bairro Pirambu.
Rodrigo Lopes
Criador das produções visuais "Mãe", "Pai" e "Prima", no qual utiliza fotografias de álbuns de família, Rodrigo Lopes determina o objeto de trabalho como um "fragmento de tempo" que aborda questões sociais, políticas, raciais e geracionais. "Acredito que o álbum de família funciona como um 'arquivo branco', ou seja, um arquivo que, no contexto brasileiro, é marcado pelo trauma colonial. Um arquivo em que há a possibilidade de eternizar memórias para futuras gerações", explica.
Com pesquisa iniciada em 2018, o artista segue com a prática que utiliza arquivos fotográficos familiares para questionar sobre pertencimento e memória. Rodrigo foi um dos selecionados para o I Edital de Pesquisa e Criação da Pinacoteca do Ceará, o qual buscou fomentar pesquisas a partir do acervo do equipamento localizado no Centro de Fortaleza.
"O que há em comum entre as imagens que compõem o acervo de uma instituição de arte e as 'nossas imagens'? Essa era a pergunta central do meu projeto", diz. Com o "Cartografia de Memórias", o educador realizou oficinas e mediações públicas a partir do mapeamento das obras de arte.
Para o futuro na pesquisa que cataloga retratos pessoais, Rodrigo Lopes revela que deu início a uma nova etapa do objeto de estudo: "Durante esses anos, eu me dediquei a investigar essa dimensão traumática do álbum, do arquivo, da memória. (...) Agora o meu interesse está na felicidade. O desafio da pesquisa, talvez, trata-se daquilo que nunca deixou de estar entre nós: a possibilidade de ser feliz apesar da violência inevitável".
Além de trabalhar com a arte e a pesquisa, Rodrigo também atua como designer. O educador relembra a participação na pesquisa da exposição "Dos Brasis: arte e pensamento negro", projeto artístico destinado à produção de artistas negros realizada no Brasil em meados de 2022.
Na época, o material desenvolvido por Rodrigo, Bruna Vitorino, Elidayana Alexandrino e Jéssica Hypolito foi concebido após pesquisas por todas as regiões do Brasil. "Ele reúne obras e textos que discutem noções de memória, história, tempo, imagem e território. Além de produzir o conteúdo, também fui o designer do material. É uma experiência muito gratificante!", diz, detalhando que o projeto ainda não possui previsão de lançamento.
Simone Barreto
Em 2020, Simone Barreto apresentou "Hoje Não Bordarei Flores", que consistia, a partir de trabalhos manuais com bordado, em uma denúncia e uma homenagem às vítimas de feminicídio no Ceará. Temática iniciada a partir de rodas de bordado com outras mulheres, a partilha do tema foi abordada pela artista para que as participantes das oficinas conversassem sobre cuidado e proteção.
"As pessoas esperam que o bordado seja umas florzinhas, um cachorrinho, patinho… Essa afirmação 'hoje não bordarei flores' foi porque a gente está falando de um tema importantíssimo para a sobrevivência das mulheres. Entendo como um processo de educação, mediação de saber e trocas", explica.
Para a artista-educadora, a mediação de oficinas é um momento de reflexão, discussão e partilha. "Fiz há pouco tempo uma oficina de auto-retrato bordado com uma turma da Pedagogia da Universidade Federal do Ceará. Ela também é onde a gente realiza um exercício de se olhar, de se entender e de se perceber", relembra, afirmando que está prevista nova sessão de auto-retrato bordado ainda em 2023.
Tendo se dedicado ao uso da aquarela nas produções artísticas, a artista revela trabalhar em um nova série de criações nomeada "Brasa no seio", que aborda relatos de mulheres da indústria têxtil e as condições deste ambiente de trabalho. "Como esse corpo reage dentro dessas condições de trabalho? São vários trechos de relatos e faço uma série de aquarelas que ilustram os textos. A aquarela está sempre presente, mas há alguns momentos que ela surge mais".
No âmbito da pesquisa, a educadora está concluindo o mestrado em Ensino e Relações Étnico-Raciais, a partir da narrativa de costureiras, seus modos de ensino e aprendizados da costura.
"Eu pretendo fazer uma publicação ainda com essa temática. Tem relatos das costureiras, tem relatos meus, além de desenhos e costuras. Então é algo também que vai além das exposições, é esse outro suporte que é a publicação. Nisso eu estou pensando em um livro-caderno que vai apresentar um pouco do meu objeto de estudo", detalha.
Sérgio Gurgel
Atuando em diversos formatos de criação artística, Sérgio Gurgel não delimita uma principal área de produção e reforça a ideia de que as artes se entrelaçam ao tentar reproduzir a ideia de espaço e tempo. "Na verdade, todas as formas de captação dessa realidade, dessa vivência que eu tenho, se tornam possíveis e também promotoras. Promovem a ação em outras superfícies. Às vezes uma pintura me desperta uma fotografia. Às vezes a fotografia me desperta uma pintura e a pintura parte para o vídeo. Às vezes uma entrevista se torna um som", lista.
As primeiras proposições artísticas se deram a partir da observação do envelhecimento da avó e da tia. O artista visual, então, usa a passagem do tempo e seus efeitos, nos humanos ou em materiais inanimados, para sua arte. "Os materiais chegam até a mim de forma inusitada, às vezes recebo presentes, encontro na rua já despejado no lixo, compro em antiquários, lojas de usados...", revela, detalhando que possui facilidade com objetos mais antigos pela maior qualidade do material.
Nas criações a partir de objetos rejeitados devido ao desgaste do tempo, o artista comenta haver uma analogia com o "tempo de vida útil" dos humanos. "Na nossa sociedade as pessoas são objetificadas. É como se fosse impossível fazer uma dança com pessoas idosas, porque elas não tem mais a movimentação de uma jovem. Na verdade isso é um preconceito. Porém, existe uma nova forma de se movimentar e uma nova forma de se expressar", conta.
Tendo participado de exposições por inúmeros locais, como Londres, São Paulo, Rio de Janeiro, Sérgio Gurgel tem, atualmente, obras que podem ser visitadas na Pinacoteca do Ceará. Sem previsão de novas exposições, o artista segue em criação artística e revela estar desenvolvendo um novo trabalho focado em histórias de terror de cidades do interior.
"Parto de uma coletânea de histórias de fantasmas, do que se conta nos alpendres, velórios, à noite. Não só no sentido de pôr medo, mas limites, e essas restrições alimentam o desejo das pessoas. Histórias fantasmagóricas e lendas possuem várias camadas", diz. A mostra ainda não possui previsão de estreia.