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Donos de bares e boates em Fortaleza refletem sobre desafios: "Nós por nós"
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Donos de bares e boates em Fortaleza refletem sobre desafios: "Nós por nós"

Empreendedores relatam desafios para manutenção de atividades na Capital; dificuldades vão de impostos à falta de segurança
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Deixa comigo bar é point do reggae na Capital
 (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Deixa comigo bar é point do reggae na Capital

“Para manter um espaço hoje em dia tem que ter muita força de vontade. Tem que querer muito. Em um bar independente, temos que nos reinventar todos os dias”. O diagnóstico é feito por Vládia Soares, gestora do Deixe Comigo Bar, localizado na rua Castro Alves, bairro Joaquim Távora.

Ela se junta a outros gestores ouvidos pelo Vida&Arte que elencaram dificuldades enfrentadas por empreendedores para manutenção de estabelecimentos em Fortaleza. Uma delas é a falta de apoio dos órgãos públicos para bares independentes, além da quantidade de impostos cobrados dos comerciantes. O assunto voltou à tona após o anúncio de encerramento de atividades do Gandaia Club e do Bar Serpentina.

“Somos nós por nós. Temos que dar nosso melhor, nos reinventarmos diariamente, porque acredito ser isso que faz o rolê acontecer e gerar fluxo para as portas estarem sempre abertas”, aponta. Ela lembra da atmosfera da noite fortalezense na rua do Deixe Comigo Bar quando o espaço foi aberto, em 2017.

Ela caracteriza a Castro Alves da época como “quase um Fortal” devido ao movimento na rua, com a presença de estabelecimentos como Toca do Plácido, Abaeté e Biroska do Ítalo. A frequência diminuiu, principalmente após a pandemia. Para Vládia, permanecer com o Deixe Comigo Bar foi um ato de resistência.

A gestora cita locais como o bar The Lights, sediado atualmente na avenida da Universidade, no bairro Benfica. Ele foi criado por Thalia Freitas há nove anos. O contexto do surgimento do The Lights era o “final do auge” das boates em 2015 e com muitas calouradas na Universidade Federal do Ceará (UFC).

Houve, assim, uma “movimentação em relação a festas públicas independentes” que aconteciam em pequenos espaços, ruas ou praças. A rua Instituto do Ceará foi a primeira “casa” do The Lights e o bar se tornou referência nesse movimento. Ao longo desses anos, os desafios foram vários, mas os principais se tornaram repetidos: a falta de segurança e falta de parceria entre órgãos públicos.

“Fortaleza é uma cidade cheia de talentos e gente com vontade de fazer seus projetos chegarem nas pessoas. Através do meu bar, fizemos festivais, ocupações/intervenções artísticas, promovíamos aulões no meio da rua aos domingos, jogos de carimba, apresentações teatrais e nunca obtivemos apoio dos nossos gestores. Fortaleza é uma cidade maravilhosa, mas infelizmente não veem a nossa movimentação e parece que não acreditam no potencial que espaços como o meu tem para o estímulo sociocultural”, afirma Vládia.

Há três anos, o The Lights funciona em um ambiente privado, com segurança e limite de público. Essa foi a maneira encontrada por Thalia “para continuar e ter retorno com o investimento ao longo desses anos”.

“Para manter um espaço maior, é necessário mais recurso, mas repassar isso ao consumidor é difícil, pois precisamos agradar. Então, às sextas temos entrada gratuita, promoções de bebidas e DJs variados; sábado, promoções de bebida e, no domingo, a gente promove eventos que acontecem cedo e terminam cedo também”, ressalta.

Daniel Meireles, CEO do Grupo Austin (que abriga empreendimentos como o Austin Pub, no Meireles, e a boate Living, na Aldeota) aponta que Fortaleza “tem um potencial turístico que ajuda os estabelecimentos”. O clima de “cidade festeira”, como caracteriza, já existiu quando o Austin Pub surgiu, em 2014.

Em sua avaliação, um dos motivos possíveis para fechamentos recentes de casas de Fortaleza foram dívidas que, agravadas pela pandemia, não conseguiram ser “equalizadas” mesmo depois de dois anos. Ele percebe que o mercado tem se reinventado e a clientela está mais plural.

“Acho que o público de Fortaleza cresceu e se diversificou ao longo dos anos. O desafio do empresário é entender que público quer, de fato, atingir, e acompanhar essas novas tendências que o público de Fortaleza vem trazendo”, define.

Outro desafio é a insegurança: “Sem dúvida, um dos grandes desafios que a noite de Fortaleza têm hoje — aliás, não só aqui, mas no Brasil — é a falta de segurança. Esse é um obstáculo a mais: convencer as pessoas a saírem de casa”.

Inevitavelmente, o tema da falta de segurança atravessa outros estabelecimentos que trabalham com grande público em Fortaleza, a exemplo da Budega do Raul, na Cidade dos Funcionários. Responsável pelo bar e restaurante, Raul Castro cita a importância de se ter segurança na Cidade para que os clientes se sintam confortáveis em visitar as casas que funcionam majoritariamente à noite.

Além disso, são imperativos fatores como a cobrança “abusiva” de impostos, burocracia para documentação e a “falta de incentivo” por parte do poder público. “Serviços de alimentos e bebidas, ou seja, bares e restaurantes, são responsáveis não apenas por empregos diretos, mas indiretos. Não há incentivos nem do Estado, nem da Prefeitura para que novos negócios se mantenham”, explica.

A Budega do Raul foi criada em 2012, em uma época na qual “os bairros começaram a ser independentes de polos gastronômicos como a Varjota”. De lá para cá, Raul percebeu o enfraquecimento do comércio de rua “com a imensa demanda de shoppings atualmente”, o que levou grandes empresas a migrarem para esses locais — assim, comércios de rua como no Centro ficaram “abandonados”. (Miguel Araújo)

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