"O pop tem o diferencial de parecer um gênero inofensivo, mas, quando você menos espera, ele te pega fazendo você refletir sobre algum assunto", reflete Camaleoa, cantora cearense, sobre a influência da música pop na cultura e comunicação do mundo.
O apontamento veio após "brat" receber o título de palavra do ano pelo dicionário britânico Collins. A nomeação aconteceu após o nome ter sido ressignificado e ganhado valor otimista com o lançamento do sexto álbum de estúdio da cantora Charli XCX.
Mesmo que antes "brat" fosse usado para ofender, como sinônimo de "pirralha" ou "criança mal-educada", o seu uso ganhou, em 2024, grandes proporções com um significado moderno e positivo, usado para identificar pessoas confiantes, teimosas, que fazem as coisas à sua maneira.
"Fui pelo meu próprio caminho e consegui. Sou a sua referência favorita, bebê", exemplifica a letra da música "365", do álbum "brat".
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Segundo o próprio dicionário, uma pessoa "brat" é "caracterizada por uma atitude confiante, independente e hedonista".
Em convergência, a britânica Charli XCX definiu o termo no dia do lançamento do álbum homônimo:
"O termo brat descreve uma menina que é um pouco bagunçada, que gosta de festa e, talvez, diz algumas coisas meio bobas de vez em quando, que se sente como si mesma, mas de vez em quando tem uma crise nervosa"Charli XCX, cantora
O especialista em Linguística e doutor em literatura Lúcio Flávio Gondim destaca que as tendências da cultura pop conseguem potencializar sua difusão por meio das redes sociais.
"A influência na língua é direta, o que sempre ocorreu em diferentes gerações, mas que agora se acirra. A linguagem virtual não poderia não comandar as transformações também linguísticas do nosso tempo, já que comanda tudo ou quase tudo", diz.
Segundo o especialista, variações linguísticas são comuns porque a língua é fluida e constante. "Nos bancos universitários, variantes sociais, de região e até de gênero são comuns de serem investigadas em sua interferência na língua, mas certamente o alfabetismo digital hoje deve ser considerado. Essa força não tem volta", situa.
Para Camaleoa, a música pop tem o poder de colocar elementos ordinários do cotidiano em destaque: "Se um artista falar de algo comum com um olhar dele, vira um grande 'hype' e todo mundo vai querer fazer", reflete.
O sucesso de "brat" chegou também às eleições norte-americanas, quando a candidata à presidência pelo Partido Democrata, Kamala Harris, publicou em seu perfil do X (antigo Twitter) a frase "Kamala is brat". Tal postura foi celebrada pelos seus eleitores e fez com que a política adotasse a música "365" em sua campanha.
Em junho deste ano, o disco de Charli XCX chegou ao top 1 de músicas mais ouvidas no Reino Unido, e 3º lugar nos Estados Unidos. As músicas de "brat" foram ainda lançadas na versão remix com participação de artistas referência no pop, como Billie Eilish, Lorde, Ariana Grande, Troye Sivan, Tinashe e Robyn.
"Eu já percebi um padrão de pegar coisas banais e transformar em extraordinárias, justamente por serem coisas que a gente tem acesso diariamente, mas que tem uma estética pop. Até quem não é do pop pode ter uma comunicação pop, porque ele é um estado de espírito, um comportamento", argumenta.
De acordo com ela, a influência do pop não se dá apenas por artistas estrangeiros: "O que aconteceu com o 'brat' é só um reflexo do que a gente já tem até no nosso País. Uma referência boa é a Anitta, que fez com que o funk, que era uma parte marginalizada da nossa cultura, fosse expandido ao ponto de que, hoje em dia, até o The Weeknd lançou músicas com frases em português e batidas de funk".
Em outubro de 1990, a banda Engenheiros do Hawaii lançou a canção "O Papa É Pop", obra que critica a cultura pop, por meio de ironias. Com versos como "O pop não poupa ninguém", "Qualquer coisa que se mova é um alvo" e "Ninguém tá salvo", o grupo abordou a sociedade influenciada pelo pop (popular). A canção se tornou um sucesso atemporal, um ícone "pop".
Nessa perspectiva, Camaleoa acrescenta: "A comunicação pop é usada desde que eu entendo por gente e é capaz de lançar tendências no mundo da moda, na indústria musical e nas discussões do dia a dia. Eu acho que o pop é tão referência quanto o rock, porque muitos artistas do rock têm identidade pop".
"O pop é um estado muito livre de se comunicar. Não é necessário seguir uma regra", finaliza a cearense, ressaltando que os artistas atuais desse meio reforçam a força da singularidade.