O alimentar é social. O comer, uma experiência sensorial. Em 36 anos de existência, o Vida & Arte vem transportando sabores para suas páginas, dando cor, tempero e sabor ao papel.
Para o caderno, que estreou sua primeira edição em 24 de janeiro de 1989, falar sobre gastronomia é traçar as possibilidades que o jornalismo cultural encontra para se infiltrar em pautas como a preservação das culturas alimentares, saúde e bem-estar, a sustentabilidade do meio ambiente e a economia local e criativa.
Novos estabelecimentos, tendências que despontam na cidade, chefs inventivos e alimentos que, em uma mordida, reafirmam uma memória afetiva: a gastronomia, ao longo deste século, também tem ganhado espaço significativo nas vielas do digital.
Além do refresco gastronômico semanal, oferecido todas as sextas por meio do caderno Comes e Bebes, o Vida&Arte reúne colunistas oriundos de diversas áreas, que, por afinidade, esmiúçam os significados por trás do ato de alimentar-se.
Para Vanessa Moreira, colunista do O POVO desde janeiro de 2024, o crescente número de leitores não especializados que se interessam pela gastronomia no Brasil é de fácil compreensão se resgatarmos a formação escolar do país.
LEIA TAMBÉM | Vida&Arte 36 anos: Há utilidade no jornalismo cultural?
“Em qual instância da nossa vida social aprendemos sobre alimentação? Esse aprendizado deveria ocorrer em espaços formais, como nas escolas, mas não acontece. Então, existe essa demanda de um público carente desse tipo de informação”, explica.
Este aumento, observado desde o início dos anos 2000, traz consigo um fator intrínseco à prática do jornalismo cultural: trazer à tona o que, por vezes, é apagado em nossa memória social.
De acordo com Vanessa, que também é pesquisadora do Observatório Cearense da Cultura Alimentar (OCCA), a memória coletiva sobre as práticas alimentares cearenses esteve, por muito tempo, fragilizada. Foi durante a realização de um levantamento de cerca de 100 exemplares entre livros, jornais e periódicos locais que a antropóloga de formação se deu conta de que esses registros falavam apenas sobre receitas de estrogonofe e lombo no molho madeira.
Iguarias dignas, mas que pouco representavam a realidade do cotidiano de uma família cearense na década de sessenta. Além disso, as escassas receitas que resgatavam pratos sertanejos faziam-no de maneira depreciativa, tratando com inferioridade a comida que fazia parte do cotidiano nos restaurantes populares.
“Antes, o acervo existente refletia a cultura alimentar de uma classe dominante, composta por aqueles que detinham as ferramentas de registro. Hoje, o jornalismo gastronômico consegue trazer à tona as comidas de festas e celebrações, conta causos e gera novos registros, o que é muito importante para termos acesso e compreensão do que acontece em nossa cultura alimentar”, pontua.
Segundo Alessandra Oliveira, professora do curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), para além do resgate histórico, os textos gastronômicos trazem um elemento de ancestralidade e resistência que o jornalismo cultural pode e deve narrar.
No entanto, estando em sala de aula há mais de 15 anos, a docente observa que, ao analisar ementas e planos de disciplinas em todo o Brasil, a culinária é pouco abordada como parte essencial do estudo do jornalismo cultural.
“Percebo que ainda há um certo espaço privilegiado para as artes plásticas, para o que chamamos de ‘arte culta’. Muitas vezes, aquilo que faz parte da cultura do povo, do dia a dia — a comida que comemos na feira, na rua e que compartilhamos na cozinha — sempre foi visto como algo de menor prestígio”, detalha.
Com o intuito de contrapor esse movimento, Alessandra criou o festival “Sal”. O evento, que acontece periodicamente como culminância da disciplina, é projetado e viabilizado pelos alunos. “O sal simboliza o tempero da alma e remete ao pensamento de cultura como alimento para o corpo e mente”, especifica. Nele, as diferentes linguagens que compreendem a cultura são abordadas, abrindo espaço também para pensar a gastronomia em um ambiente formativo.
Além disso, Oliveira acrescenta que o jornalismo cultural oferece uma oportunidade única. Fugindo do agendamento das “hard news”, que preenchem os demais cadernos dos periódicos, ele permite aprofundar textos, trazer contextos, narrar histórias e explorar o que está por trás de cada família e ingrediente relacionado a um prato.
Celebrar o Vida&Arte
Nesta sexta-feira, 24, celebramos o território de encontros, que finca sua marca na história como o caderno de cultura mais longevo do Ceará. Na série de comemorações, o Vida&Arte refletiu sobre as ressonâncias de seu fazer jornalístico e a recepção dos leitores diante da formulação da agenda cultural. Confira, respectivamente, as matérias desta quarta-feira, 22, e quinta-feira, 23.