Quando estreou no 52º Festival de Gramado, em 2024, os aplausos ao fim da sessão de "Oeste Outra Vez" pareciam adiantar que aquele se tornaria o grande vencedor do evento gaúcho, mesmo concorrendo com nomes mais badalados do momento como Aly Muritiba, Juliana Rojas, Anna Muylaert e Dira Paes. Naquela noite fria, Erico Rassi levou a plateia para um Brasil tão real quanto distópico, desmanchado sob a fragilidade do ódio.
Venceu Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Ator Coadjuvante, para Rodger Rogério, grande astro da música cearense que, aos 80 anos, recebia seu primeiro prêmio de cinema pelo seu primeiro protagonista. Na tela, ele empresta seu corpo idoso a um pistoleiro que não deixa a melancolia do tempo apagar sua violência.
Sob a penumbra de um casebre aos pedaços que mal ilumina seu corpo curvado, a primeira aparição de Rodger traduz grande parte da gravidade trágica que o orbita: um homem que, há muito tempo, aprendeu a fazer parte da própria solidão, mesmo ainda tão agarrado a uma vitalidade cruel que não existe mais.
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Outra figura histórica que empresta seu peso é Antonio Pitanga, interpretando um primo que parece viver nas mesmas condições, escondido numa cabana à beira do rio e congelado numa penitência incomunicável.
Em "Oeste Outra Vez", todos os homens são encastelados dentro de si com uma estupidez que os impede de enxergar a própria falência, sobrando agora apenas a sujeira e a autodestruição. Na trama, Totó (Ângelo Antonio) contrata os serviços de Gerônimo (Rodger) para que ele mate um homem que "roubou sua mulher".
Mesmo com sua debilidade visível, a confiança no serviço parece estar apoiada no legado ou na lenda de uma vida moldada na brutalidade. Com a fala carregada de tristeza, ele aceita, como se fosse a única opção possível.
Claro, o plano dá errado e o faroeste vai se transformando numa lenta peregrinação onde homens caçam e fogem uns dos outros, petrificados com conceitos muito velhos de honra, coragem e masculinidade - interpretações ferozmente machistas e misóginas do mundo em que eles juram terem construído.
As mulheres sobram e desaparecem na história, alheias a um conflito que nunca foi sobre elas. Tuanny Araújo aparece numa breve cena para partir em seguida, impaciente com o patetismo conjurado à sua frente: Totó e Durval (Babu Santana) que trocam socos como se ela fosse um troféu.
Nesse mergulho no cerrado, impressiona o cuidado da fotografia para retratar o sentimento sufocante desse cenário tirano. Rimando também com a trilha sonora quase meditativa, o clima áspero emerge quando esses homens precisam conversar e percebemos que são apenas vazios, preenchidos de uma caricatura repetida por gerações.
É tudo triste, mas os diálogos também expressam humor pela forma como se repetem e se encerram porque ninguém sabe falar ou ouvir. Como na cena do bar em que eles "se resolvem" na sinuca, a ironia do filme constrói o palco dessas vidas agonizantes como se esses fossem os últimos homens do mundo, aprisionados num purgatório cada vez mais perto do inferno. "Oeste Outra Vez" chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 27.
"Oeste Outra Vez"
Quando e onde: Ingresso.com