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Dia Internacional da Dança: conheça projetos que mudam realidades sociais
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Dia Internacional da Dança: conheça projetos que mudam realidades sociais

Celebrado em 29 de abril, Dia Internacional da Dança tem novos tons com a vitória de Renata Saldanha no BBB 25. Cearenses compartilham os efeitos da linguagem em suas vidas
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Os bailarinos de dança contemporânea Ivna Ferreira e Gutemberg Morais, do Instituto Katiana Pena (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Os bailarinos de dança contemporânea Ivna Ferreira e Gutemberg Morais, do Instituto Katiana Pena

Há pouco mais de 40 anos, o dia 29 de abril foi instituído como o Dia Internacional da Dança. A efeméride foi estabelecida pelo Comitê Internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em 1982.

A data marca o aniversário de Jean-Georges Noverre (1727-1810), mestre francês responsável por revolucionar o balé clássico com sua metodologia "ballet d'action", que apresentava uma dança guiada pelo sentimento, usando o corpo para contar uma história.

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No Brasil, o dia celebra Marika Gidali que, ao lado de Décio Otero, fundou o balé Stagium, em 1971. A companhia paulistana segue na ativa até hoje e se destaca por uma dança política.

Em Fortaleza, o homenageado é Hugo Bianchi (1926-2022) que, ao lado de Regina Passos (1923-2024), trouxe o ensino da dança clássica à Capital. Ambos foram responsáveis por formar grandes nomes da dança cearense que atualmente estão à frente de projetos sociais e escolas de dança privadas. Por meio de bolsas, as instituições impactam a vida de jovens de periferia como Renata Saldanha, campeã do Big Brother Brasil 2025.

FORTALEZA-CE, BRASIL, 25-04-2025: Dia da Dança. Na foto, os bailarinos de dança contemporânea, Ivna Ferreira e Gutenberg Morais, do Instituto Katiana Pena. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA-CE, BRASIL, 25-04-2025: Dia da Dança. Na foto, os bailarinos de dança contemporânea, Ivna Ferreira e Gutenberg Morais, do Instituto Katiana Pena. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

A jornada da bailarina no reality foi atravessada por afirmar o quanto o contato com a dança foi decisivo para o seu desenvolvimento. A artista foi aluna da Edisca, escola fundada por Dora Andrade, em 1991, para possibilitar o acesso à cultura a jovens em situação de vulnerabilidade.

Katiana Pena também foi uma das muitas pessoas impactadas pela atuação da iniciativa de Dora. A bailarina e coreógrafa teve seu contato com a arte através do ABC Circo Escola - Bom Jardim, aos 7 anos, e posteriormente fez uma audição para aprimorar sua técnica na recém-fundada Edisca, onde ficou de 1992 a 2006.

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"Sou resultado de um impacto e de uma transformação de vida na qual a dança me salvou. Sempre gosto de falar isso, que a arte me escolheu para transformar a minha vida", destaca Katiana. O resultado desse impacto foi a organização da sociedade civil que leva seu nome, o Instituto Katiana Pena (IKP). A ação o Grande Bom Jardim.

"Devolver essa transformação que aconteceu comigo para minha comunidade, especialmente para minha rua, acho que era mais que uma obrigação minha, de todo esse acesso e oportunidade que eu tive e que eu agarrei, também fiz minha parte de querer muito essa mudança", afirma a coreógrafa, que iniciou o projeto em sua casa, em 2015.

A dança e o Instituto Katina Pena

Entre os 5.760 alunos que passaram pelo IKP está Gutemberg Morais, 26 anos. O bailarino teve seu contato com a dança através das aulas oferecidas no Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ), iniciando nas danças urbanas e posteriormente indo para o balé clássico.

"Acredito que a dança me escolheu ao assistir pela primeira vez uma aula de balé e hip-hop, meus olhos brilharam e logo de cara, mesmo sem entender muito sobre aquilo, me identifiquei com os movimentos e isso me atravessou de uma forma inexplicável", relembra o artista.

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A relação com a cultura possibilitou que Gutemberg potencializasse sua vida profissional. "Através dela tive o meu despertar para outras áreas da vida, além de me preparar para enfrentar com sabedoria e disciplina os desafios do cotidiano. Eu tenho certeza que quem dança tem um posicionamento e um destaque maior em tudo! Isso é incrível, pois além de movimento, ela nos oferta capacidade de ter um olhar assertivo e sensível", diz o rapaz, que é diretor de comunicação do IKP.

Outra jovem que teve sua vida mudada após o contato com a dança foi Ivina Ferreira, 18 anos, que trabalha como professora do IKP. O interesse foi despertado através do incentivo indireto de uma amiga. "A dança fez parte da minha vida desde cedo. Onde eu tive uma perspectiva de vida, de querer ser alguém na vida, de ajudar a minha família levando uma renda através da arte", rememora a artista.

A dança como transformação social

Coincidentemente outra Renata, de nome composto Karen, teve sua vida impactada pela dança. A analista administrativo de 27 anos iniciou as aulas na ONG Bailarinos de Cristo Amor e Doações (Bcad), fundada em 1994 pela ex-bailarina e coreógrafa Janne Ruth, que também foi aluna de Hugo Bianchi.

A iniciativa proporcionou a ela o primeiro contato com a atividade física por meio da dança e apresentou outra possibilidades de vida. "O projeto falava muito de onde vínhamos, ou seja, da periferia, e todos os funcionários frisavam sobre o caminho certo a seguir, isso impactou no rumo que segui, dentro das leis. A maior importância foi não seguir para o rumo 'errado', a criminalidade", relembra ela, que mora na área de atuação do projeto, o bairro Bela Vista.

As outras atividades oferecidas no projeto como aulas de inglês e informática auxiliaram no crescimento profissional da ex-bailarina. "Foi o pontapé inicial para a vida acadêmica e profissional, aprendi desde cedo que o inglês abriria portas e que a informática seria essencial nas funções do trabalho", conta Renata Karen.

Hoje primeira bailarina e professora do Ballet Hugo Bianchi (BHB), Priscila Cândido é uma das jovens fortalezenses impactadas pelo legado do mestre. Dando os primeiros passos no balé aos 10 anos como bolsista da antiga Escola de Balé Goretti Quintela, atual Instituto de Dança Goretti Quintela, a artista de 27 anos afirma que a dança é essencial para o seu viver.

"Me sinto completa, feliz, satisfeita. Por mais que tenha muitas vezes que a gente se sente muito cansado, equilibrar a vida da dança com outros trabalhos da nossa vida é difícil, mas sem ela eu fico pior, sem ela eu não sei como é viver de verdade", enfatiza a bailarina.

Para ela, viabilizar o acesso à arte e a cultura para jovens da periferia é uma forma de trazer esperança. "A arte traz essa vontade de viver, essa vontade de, por meio de, entre aspas, uma brincadeira, como algo leve, traz a vontade de evoluir, a vontade de estar lá mais um dia, sabe? E eu acho que isso é um dos pontos mais importantes para os jovens, principalmente da periferia", pontua.

Bailarina Xênia Melo
Bailarina Xênia Melo

Possibilidades no palco

Além da dança clássica, outros estilos vêm proporcionando aos jovens de Fortaleza o acesso a cultura e a mudança de perspectiva por meio da arte. Como é o caso de Xênia Melo, que iniciou na dança quando foi estudar no Curso de Princípios Básicos do Teatro (CPBT) do Theatro José de Alencar (TJA), em meados de 2015. "Eu me interessava mais pelas danças e performances", conta.

A relação com a linguagem artística trouxe uma melhor percepção sobre si mesma, gerando mudança de hábitos para uma vida saudável. Em 2023, pode fazer aulas de jazz, experimentar pole dance, entrar para o Curso de Iniciação à Dança Contemporânea (Cidic), realizado no TJA, e estudar danças urbanas.

"O acesso à dança e às artes é transformador na vida dos jovens, proporciona uma percepção outra sobre a vida e a convivência em sociedade. Aflora a criatividade e ajuda muito em outros aspectos, estimula a mente em novas percepções e maneiras de olhar e interagir com o mundo", argumenta a artista, que, em 2023, estreou o espetáculo "Gotas Sobre a Pele Crua", como diretora.

A carioca Suellen Gagliano também teve seu contato com a dança por um gênero bem distinto do clássico: o hip-hop. A artista e criadora de conteúdo teve suas primeiras aulas de dança durante a adolescência, indo para o balé clássico aos 18 anos. No palco, era onde Suellen sentia que o racismo não podia lhe atravessar como acontecia no cotidiano. Mas, segundo ela, o que mais marcou sua trajetória foram os momentos vividos em sala de aula. Em um de seus últimos anos ativa, 2019, a criadora de conteúdo teve que viajar a China para trabalhar, não podendo acompanhar a apresentação de uma turma.

"E aí filmaram e me mandaram, eles dançaram até uma música do Bruno Mars. E eu me emocionei muito porque eles falaram que iam fazer um bom trabalho mesmo que eu não estivesse vendo, sabe? Aquilo foi muito importante para mim", relembra.

O hip-hop também foi a porta de entrada para o mundo da dança para Gisele Cruz, 23 anos. Ela passou por uma formação básica no Cuca Mondubim, em 2018, aos 16 anos, mas sua relação de afeto com a dança já vinha desde a infância quando acompanhava os DVDs da Xuxa e os clipes de Cindy Lauper, Backstreet Boys e Michael Jackson.

"Quando eu via os clipes eu achava aquela galera assim muito poderosa, que era tipo um superpoder mesmo, assim, sabe? Aquela presença de estar ali, de mexer o corpo daquela forma, sabe?", conta a bailarina. Além da formação no Cuca, Gisele buscou cursos livres para desenvolver sua técnica.

Para ela, o encontro com a cultura foi fundamental para quebrar os estereótipos daquilo que a sociedade espera da periferia. "Então, a partir do momento em que a gente tem equipamentos culturais perto da nossa casa que trazem essas coisas para perto da gente, sabe, muda as possibilidades, entendeu? Quebra esse ciclo".

Já Nerval Chaves, 35 anos, iniciou sua jornada no balé clássico, se encontrando nas danças populares depois. O interesse foi despertado por meio de uma professora de Educação Física que também dava aulas de balé na escola onde ele estudava. Em seguida, a docente o convidou para fazer aulas na instituição de dança que ela possuía, onde o amor pela arte foi se desenvolvendo.

"E, nesse meio-tempo, foram aparecendo outras coisas. E até hoje eu faço parte do Maracatu, que atua mais no Carnaval, mas que realiza apresentações o ano inteiro", explica o bailarino. Um dos momentos mais marcantes foi ver sua mãe na arquibancada, em 2014, durante um dos desfiles que realizou. "Foi o último desfile que a minha mãe viu, meu, em vida. Logo após, no ano seguinte, ela desencarnou", rememora o baleeiro do Maracatu Vozes da África.

Ele destaca o papel do poder público na promoção do acesso à cultura para as pessoas que estão na periferia. "Qualquer tipo de pessoa que tem interesse pela arte, principalmente pela dança, a dança, ela cura, além de tirar o jovem da rua, de estar sujeito às criminalidades, de estar sujeito a estar se metendo com coisas erradas, a dança é saúde também", finaliza.

 

Mariana Sales, ex-aluno do projeto Vidança
Mariana Sales, ex-aluno do projeto Vidança

Outros legados

Em 1981, nascia mais um celeiro de artistas fortalezenses: o Instituto Vidança. Fundado por Anália Timbó com o objetivo de dar continuidade ao trabalho iniciado na Escola de Dança Clássica e Moderna do Serviço Social da Indústria (Edan Sesi), que atendeu a Barra do Ceará e arredores de 1974 a 1978. Além de Anália, a instituição formou nomes da dança cearense como Wilemara Barros.

Mas, com a aposentadoria do empresário Thomaz Pompeu de Souza, a verba para o Edan Sesi foi cortada, finalizando a iniciativa. Percebendo a necessidade do acesso à cultura para o desenvolvimento de sua comunidade, a bailarina e coreógrafa se juntou com sua mãe, Anália Timbó Catunda, e sua irmã, Socorro Timbó, para criar o Instituto Vidança.

"Era bem consolidado em mim o exercício de dar aulas para quem não poderia pagar. E esse projeto pessoal era coletivo. Está aí a diferença", destaca Anália, que veio com a família - os pais e os dez irmãos - do Interior para morar em Fortaleza. O amor pela dança foi herança de sua mãe.

"A mãezinha dizia que Deus não tinha criado coisa melhor que a dança e foi a dança que mudou a minha vida e a dos meus irmãos", afirma a empreendedora social, que também chamou Wilemara para dar aulas no início da instituição. "Como foi um caminho de transformação na minha vida e na dos meus irmãos, a dança, eu queria que também fosse assim na vida de outras pessoas do meu bairro e de outras comunidades", destaca.

O foco de Anália com o projeto era criar uma companhia que priorizasse a formação além da técnica em dança. "Uma ação social consequente para coletividades de crianças e jovens foi a maneira que encontrei de continuar dançando, ensinando, resistindo, partilhando a vida e semeando a beleza da arte no meio das salinas, dos morros, das ruas e das comunidades diversas da Barra do Ceará", explica a bailarina.

Mariana Sales, 32 anos, foi uma das jovens que passou pelo projeto e hoje tem a arte como profissão. Dançarina e performer do Café Girí em Jericoacoara há dois anos, ela já trabalhou na China. "Se não fosse pela dança, eu não teria conhecido vários países, não teria conhecido outros estados, porque as condições financeiras, na época, não deixariam. E a dança abriu portas para o mundo, me mostrou outros lugares, outras vivências, outras culturas", diz.

A jovem entrou para o Vidança aos 9 anos, em 2001, e permaneceu até os 18 anos no projeto. Para Mariana, possibilitar o acesso a linguagens artísticas para a população é essencial para a transformação social.

"Porque a gente sabe que a realidade periférica não é tão favorável quando você coloca arte, quando você abre o mundo desse jovem para outros lugares, dá meios de sonhar, meios de ver que é possível, meios de transformação na vida daquelas pessoas, daquelas crianças", pontua.

 

Repórter do Vida&Arte, Eduarda Porfírio, em 2015, como Fada Amarela no espetáculo Bela Adormecida  (Escola de Dança Janne Ruth)
Repórter do Vida&Arte, Eduarda Porfírio, em 2015, como Fada Amarela no espetáculo Bela Adormecida (Escola de Dança Janne Ruth)

Meu primeiro amor

A dança veio para mim como presente de aniversário. Era maio de 2006, não me recordo exatamente o dia, mas faltava um mês para eu completar 7 anos, então devia ser próximo do dia 10. Cheguei da escola às 11 horas, como de costume, mamãe mandara eu me arrumar pois, às 13h30min, iríamos descer as ruas do bairro onde moro, Pan Americano, rumo a Bela Vista, para minha primeira aula de balé no único projeto social mais próximo, o Bailarinos de Cristo Amor e Doações (Bcad).

A felicidade era tanta que não cabia em mim. Finalmente, o sonho que parecia haver nascido comigo estava virando realidade. Me apaixonei pelo balé antes mesmo dos primeiros "pliés" e "port de bras". Não sei exatamente como para ser honesta, afinal, antes de mim as únicas pessoas envolvidas com dança eram dois primos ligeiramente distantes que dançavam lambada e, por coincidência, tiveram aulas com Janne Ruth, fundadora da ONG onde dei meus primeiros "tendus" (movimento básico do pé que antecede a maioria dos grandes saltos e caminhadas no balé).

De todo modo, lá estava uma sorridente, ansiosa e pequena Eduarda, com a sensação de que tudo era possível. Ali marcava o início do que seriam anos no Theatro José de Alencar para dançar espetáculos de uma hora ou mais, com muito nervosismo e marcados pelo medo da bailarina fantasma. Inclusive, nunca a vi, porém, repassava a lenda para as mais novas como fizeram comigo. Era um tipo de rito de iniciação não oficial.

A minha trajetória no balé é marcada por dores, amores, às vezes, ódio e atravessada pelo racismo. Contudo, não teria chegado onde cheguei sem a dança. Foi ela quem fortaleceu a ideia, já pregada por meus pais, que eu podia ser mais do que a sociedade queria. Mesmo tendo uma condição ligeiramente melhor do que minhas colegas de projeto por estudar numa escola privada, a dança me mostrou também o quanto nós (aqueles destinados a virar estatística) somos mais fortes quando estamos em comunidade.

Eduarda Porfírio, repórter do Vida&Arte

 

Conheça e dance!

Companhia Vidança

  • Onde: Avenida L, 400 - Vila Velha
  • Quando: de segunda-feira a sábado, das 9h às 20 horas
  • Mais informações: @ciavidanca

Grupo Bcad

  • Onde: Rua Paraná, 3 - Bela Vista
  • Quando: de segunda-feira a sexta-feira, das 7h30min às 20h30min, e sábado, das 7h30min às 12 horas
  • Mais informações: @grupobcad

Instituto Katiana Pena

  • Onde: Rua Mirtes Cordeiro, 3147 - Granja Lisboa,
  • Quando: de segunda-feira a sexta-feira, das 8h às 21 horas
  • Mais informações: @institutokp

Ballet Hugo Bianchi

  • Onde: Av. Historiador Raimundo Girão, 372, Praia de Iracema
  • Quando: de segunda-feira a sexta-feira, das 15h às 21 horas
  • Mais informações: @ballethugobianchi

 

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