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Cais Bar, ícone da boemia, completa 40 anos de memórias e saudade
Vida & Arte

Cais Bar, ícone da boemia, completa 40 anos de memórias e saudade

Referência da boemia e da música em Fortaleza, Cais Bar completa 40 anos de memórias na capital cearense; mesmo após seu fechamento, legado permanece
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Cais Bar fez bastante sucesso ao longo de quase duas décadas de funcionamento em Fortaleza (Foto: Jorge Henrique, em 26/12/1986)
Foto: Jorge Henrique, em 26/12/1986 Cais Bar fez bastante sucesso ao longo de quase duas décadas de funcionamento em Fortaleza

Era um sábado de agosto de 1985 quando O POVO noticiou o lançamento do livro “Mistura — Letras e Palavras”, do artista plástico, compositor e poeta cearense Mano Alencar. O evento seria acompanhado de um show musical de Luciano Robot e Carlinhos Crisóstomo. O local? Um espaço que estava ainda nos primeiros meses de funcionamento: Cais Bar.

As características que rondaram esse lançamento ajudam a contar bem o que viria a se tornar o local: uma referência nos encontros artísticos. Fossem de músicos, intelectuais, poetas ou jornalistas, as reuniões eram possíveis pelo ambiente propício para tais ações. Localizado no calçadão da Praia de Iracema, o Cais Bar completaria 40 anos se ainda estivesse em funcionamento.

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Mesmo com menos de duas décadas de existência, o bar deixou marcas que o tornam vivos até hoje no imaginário de frequentadores e músicos. Fechado oficialmente em 2003, o Cais Bar alcançou grande importância na história de Fortaleza ao ser propulsor de tantos talentos que se estabeleceram na cena musical posteriormente.

Neste sábado, 17, sua trajetória é celebrada em show realizado no Centro Cultural Belchior (CCBel) por músicos que se destacaram no espaço. Em destaque, o carinho e a sonoridade de memórias que se perpetuam.

A criação do Cais Bar

A criação do Cais Bar partiu da rotina de seu fundador, o engenheiro Joaquim Ernesto. Na época, trabalhava na Petrobras e passava 15 dias em uma plataforma no mar e 15 dias de folga. Nesse período, aproveitava para tocar violão e sair com os amigos. Decidiu montar um barzinho, pois não tinha espaço para se apresentar.

Alugou um ponto na Praia de Iracema. Em 18 de janeiro de 1985, junto a dois sócios (Nilo Falcão e Silvino Benevides), inaugurou o Cais Bar. “A ideia era só para fazer música mesmo, para tocarmos, termos lazer e brincarmos em um espaço isolado. Acabou que foi mudando e dando certo, enchendo de gente, e aquela ideia de ficar isolado para tocar nem aconteceu mais”, recorda Joaquim Ernesto em entrevista por telefone ao O POVO.

De janeiro de 1986 até setembro de 2003, quando o Cais fechou oficialmente, ele teve como sócios Chico Barreto (médico, irmão, cantor e compositor) e Ita Benevides (esposa de Chico e irmã de Valber Benevides, artista plástico e autor dos painéis de caricaturas que ficaram consagrados no Cais Bar).

No espaço, os músicos podiam tocar à vontade. “Não tinha aquela coisa de outros bares em que diziam que não podíamos tocar. Eles diminuíam o som. No Cais Bar, não. O músico tinha prioridade total. Tinha até cortesia de bebida. Foi dando certo também por conta de músicos que tocavam na noite e outros apareceram lá. A prioridade do bar era música - além de ter um repertório muito bom”, acrescenta.

Parte disso vinha também da ação do DJ Barry White, conhecido por suas sessões no local e um dos mais famosos DJs da noite fortalezense. Ele selecionava músicas que animavam as noites do Cais Bar.

Figuras históricas da música nacional também passaram pelo Cais Bar, como Djavan, Chico César, Alceu Valença e Paulinho Pedra Azul. “Eu me lembro de uma vez que a Cássia Eller foi fazer show em Fortaleza e acabou dando uma ‘canja’ no Cais depois. Foi um showzaço”, compartilha.

“O bar era totalmente voltado para música. Não tinha intenção de ser um bar comercial. Nem tinha restaurante direito, eram mais petiscos. Vendíamos muitas bebidas. A decoração era toda relativa à música. Fixei capas de discos nas paredes, miniaturas de instrumentos… Tudo era música”, destaca.

No ano em que o bar faria 40 anos, coincidentemente também são celebrados 100 anos da Praia de Iracema. Ele celebra a coincidência e o show em homenagem ao Cais Bar neste sábado, 17, no Centro Cultural Belchior (CCBel), reunindo músicos que fizeram parte da trajetória do empreendimento.

Um deles é o cantor, compositor e artista plástico Edmar Gonçalves, que também compartilha suas lembranças a respeito do Cais Bar. Como afirma, o espaço foi “praticamente onde começou sua carreira”. Na época cantor “da noite”, chegou ao Cais Bar após experiências em outros estabelecimentos.

Era acompanhado por Carlinhos Crisóstomo e Luciano Robot — que, aliás, também estarão no tributo ao empreendimento. “Foi ‘aquela’ efervescência. Era um lugar muito querido, muito bem frequentado. Foi lá onde vários artistas da minha geração começaram a carreira”, relata.

Como aponta Edmar, existia um fluxo interessante de cantores, que se revezavam nas apresentações ao longo da semana. Vale dizer também como o Cais Bar foi importante para outros músicos, como violonistas, e outros tipos de música, como o chorinho, comandado pelo grupo Esperando a Feijoada.

Pelo Cais Bar também passaram políticos, como Inácio Arruda e Ciro Gomes, além de artistas que passaram a ter oportunidade de gravar em estúdio a partir de estrutura oferecida pelos criadores do estabelecimento. Nesse fluxo foram criados discos que levavam o nome do saudoso bar. Além disso, importante salientar como o local, na visão do cantor, contribuiu para a formação de plateia.

Edmar Gonçalves destaca a relevância do Cais Bar para a cena musical de Fortaleza. Em suas palavras, era um “termômetro”: “Era de importância muito grande, porque lá você era visto por pessoas da televisão, do rádio… pessoas que faziam esse movimento cultural de Fortaleza. O Cais Bar também tinha esse papel de abrir portas para novos artistas. Quem cantava e a galera gostava já era convidado para outras apresentações”.

Assim como Edmar, a cantora, compositora e regente de corais Aparecida Silvino também se apresentou no Cais Bar. A conexão se deu a partir do compositor e multi-instrumentista Tarcísio Sardinha, muito próximo de sua irmã, Izaíra Silvino. Ele já tocava no Cais Bar e foi assim que Aparecida conheceu o local.

Ela lembra da agitação da época, em que o espaço era parada obrigatória. “Sábado não tinha para nada. Quem não fosse viajar tinha que ir para a Feijoada do Macaúba”, brinca. A artista acrescenta: “Eu saía pouco de casa, não fui muito de ‘consumir’ o Cais Bar, mas conhecia todas aquelas pessoas, então entrar ali era como entrar em casa”.

A cantora foi presença constante nos discos do Cais Bar, projetos que, em sua visão, “sempre valorizaram os intérpretes e compositores da cidade”. “Eu também participei de alguns festivais com músicas do Joaquim Ernesto e de seus parceiros - tanto que eu só chamava o Ernesto de ‘Patrão’. Ele praticamente ajudou a fundar uma banda chamada Evite Reboque, e com essa banda fiz alguns shows nos outros dois bares que ele abriu, como o Pontal de Iracema e o Compasso”, contextualiza.

Para a regente, o fechamento do Cais Bar “dói até hoje”, porque era um ponto de encontro de “uma cidade que ainda não era gigante”: “Conseguíamos saber para onde estavam indo os ramos das plantas e das árvores da cultura que estávamos plantando naquele momento. Não tinha ainda o aspecto ‘gigante’ de Fortaleza. Fortaleza está gigante, tem várias coisas acontecendo ao mesmo tempo. Naquela época não tinha isso”.

Entre os shows que fez no Cais Bar estão parcerias com nomes como Tarcísio Sardinha e Ricardo Bacelar. No local, já viu artistas como Fagner, Belchior, Fausto Nilo e Ednardo. Além disso, se outras atrações de projeção nacional estivessem fazendo show na Cidade, era certo que iriam para o Cais Bar após a apresentação.

Diante disso, não há como excluir os legados deixados: “Acho que o Cais Bar foi o único lugar que sei que juntou gente. É uma vocação que a nossa Cidade infelizmente não tem: juntar pessoas — até pessoas sem interesses comuns aparentemente. Dali nasceram parcerias, projetos, músicas e livros. O legado deles é isso. Uma amizade forte, em que você pode vir desgarrado de qualquer lugar, mas você chega e ali está o Cais Bar”.

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