"Um dia você aprende a gostar mais de quem você é, e isso vai refletir em como as pessoas vão te enxergar", esse é um trecho do livro "Quinze Dias", de Vitor Martins, que ganhará em breve uma adaptação audiovisual. O processo de se descobrir como uma pessoa LGBTQIA+ nem sempre é fácil, mas a arte pode ser uma forte aliada para que as pessoas se enxerguem, se entendam e se amem.
Neste sábado, 28, é celebrado internacionalmente o Dia do Orgulho LGBTQIA+. O POVO conversou com jovens escritores para entender como a produção literária ajuda a romper os preconceito. O autor nordestino Pedro Rhuas, por exemplo, diz que contar histórias sobre a comunidade LGBTQIA+ "significa enfrentar cara a cara essa violência e preconceito enraizado".
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A literatura juvenil tem um papel muito importante para a formação de quem a lê e abordar a diversidade é trazer a "esperança de um futuro melhor", como observa a autora paulista Bia Crespo. A mídia tem filmes, livros e músicas sobre tudo, no entanto, quando se pensa na comunidade LGBTQIA+, não são todos esses espaços que irão abrir as portas. O mercado editorial, hoje, tem sido um local acolhedor para jovens autores contarem suas histórias com mais liberdade, ela pontua.
Diferente do mercado audiovisual e de outras linguagens, a literatura permite que se criem universos das mais diferentes formas, a criatividade é o limite. Porém, nem sempre foi assim. Pedro Rhuas observa que essa crescente vem do movimento do mercado perceber que histórias LGBTQIA+ também geram lucro. Ele explica que esse movimento teve impulso com o auxílio das redes sociais - principalmente do TikTok e da comunidade literária criada lá, o booktok.
Bia Crespo também percebe essa evolução no mercado literário, mesmo que também acredite que o mercado midiático poderia estar mais avançado: "Mas o nosso progresso é muito impactante nesses últimos 20 anos, ir do zero e chegar em uma livraria e ter uma seção LGBTQIA+, eu acho que já mostra que a gente andou bastante".
Em sua obra mais recente, "Tudo que ela me disse", a escritora aborda essa temática no início dos anos 2000 - época na qual os assuntos como sexualidade eram bem menos falados para o público mais abrangente. A história tem um caráter de mostrar "o que não víamos quando tinha a idade dos meus leitores de hoje em dia".
A personagem principal - uma jovem se descobrindo lésbica - procura por referências nas telas, livros, revistas e não encontra. Bia Crespo traz muito de sua vivência porque queria proporcionar uma narrativa que ela gostaria de ter lido na própria adolescência. Então, com leveza, a jovem escritora aborda a descoberta da sexualidade com a naturalidade com que deve ser tratada.
O autor carioca Felipe Fagundes, que lançou recentemente o livro "Os dois amores de Hugo Flores", fala sobre a importância de trazer essa representatividade para o público jovem. "Muitas vezes nós temos dificuldade de ser ou se portar no mundo porque não sabemos que o diferente pode existir", aponta, lembrando que crescer sem uma representação boa de algo limita a visão das pessoas.
Por muito tempo não se tinha uma variedade de histórias sobre pessoas LGBTQIA+ e as narrativas giravam sempre sobre "sair do armário" e "fugir do preconceito". Mas ser da comunidade significa muito mais do que apenas com quem a pessoa se relaciona - como define Felipe Fagundes.
"Se eu só vejo uma pessoa LGBT sofrendo, seja no noticiário e nos filmes, por exemplo, vou acreditar que esse é meu único destino", conta Pedro Rhuas. Os novos autores têm cada vez mais abordado temas diversos em suas obras. Felipe Fagundes, em seu livro recente, por exemplo, fala sobre como é ser uma pessoa gay no universo corporativo.
Pedro Rhuas vê a literatura como um espaço que pode trazer questionamentos e proporcionar debates. "Eu escrevo porque sinto que é um espaço seguro para trazer a minha experiência e provocar discussões em volta da comunidade LGBT e diversos outros assuntos", diz o autor nordestino - que tem uma preocupação de manter a juventude atualizada e pertencente nas discussões do mundo.
Escrever uma história para o público juvenil é algo que requer um olhar ainda mais atento, porque muito do que se produz vai afetar na formação de personalidade dos jovens leitores. Bia Crespo conta que, por muito tempo, ela tinha dificuldade de escrever para o público mais novo, mas percebeu que basta contar sobre ela mesma e sobre como foi crescer sendo uma pessoa LGBT.
"Basta lembrar de quando eu era adolescente, os dramas daquela época eram, sim, o fim do mundo, porque aquele era o mundo que eu conhecia", pontua a autora, lembrando que a empatia com o olhar mais novo é fundamental. Colocar a própria vulnerabilidade na obra é algo que os três entrevistados comentam para que esse jovem leitor se sinta visto.
"A literatura abre portas para outros mundos", diz Bia Crespo. "A literatura desperta o compromisso de lutar pela comunidade e de celebrar nossa existência", diz Pedro Rhuas. "Tem mais pessoas LGBTQIA+ abraçando a literatura", diz Felipe Fagundes.
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