“Continuem contando histórias por aí. Assim, elas nunca morrerão”, é o que diz a personagem Memória, no episódio “A Grande Pequenina”, ao encerrar a primeira temporada da audiossérie infantil "O Livro das Guardiãs".
O pedido é o mote que inspira a produção em áudio voltada ao público infantil, que, em cinco episódios, destaca as trajetórias de mulheres que marcam o Brasil a partir de diferentes atuações e em diferentes tempos.
Com lançamento marcado para o domingo, 6, chega às plataformas digitais a segunda temporada do projeto narrativo, que reconta, sob a ótica feminina, a história de mulheres que não tiveram suas narrativas em evidência.
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Enquanto a primeira temporada se debruçou na luta contra o apagamento histórico de nomes que ecoam no imaginário popular do Brasil, a nova leva de episódios parte de uma premissa contrária.
Descrita como uma ciência que estuda eventos passados com referência a um povo, país, período ou indivíduo específico, a história, todavia, depende de um referencial. Quem são as personagens escondidas que não aparecem na história oficial ensinada nas escolas?
Para Camilla Osório, criadora e diretora do projeto, essa era a pergunta que ecoava em sua cabeça ao pensar em quem seriam as sete mulheres que teriam suas histórias biografadas.
“As histórias da segunda temporada são extraordinárias, emocionantes e impactantes em uma outra lógica que não é essa da História Oficial. São histórias de mulheres cearenses que têm atuações fortes em suas comunidades e que têm vidas que poderiam ser consideradas comuns. A ideia é que quem escuta a história pense: essa mulher parece com a minha mãe, com a minha avó. É tirar essa hierarquização de que histórias têm que ser extraordinárias o suficiente para serem contadas”, afirma.
Assim, guiados pelas personagens Memória e Luta, os ouvintes acompanham as histórias reais de mulheres que tecem o cotidiano de seus territórios e atuam diretamente em suas comunidades.
Através de Gleiciany Queiroz, ativista ambiental e liderança na Sabiaguaba, as crianças podem descobrir como passos firmes ecoam na defesa das águas e matas. De lá, são conduzidas até o Cariri, onde Maria Cândido transforma o barro em arte e resistência, sendo reconhecida como mestra da cultura. No Crato, elas encontram as irmãs Verônica e Valéria Neves, conhecidas como “as pretas”, que mantêm acesa a chama do aquilombamento no Terreiro das Pretas.
Já no bairro Curió, dona Ritinha abre caminhos por meio da leitura, como mediadora e fundadora das bibliotecas Casa Avoa e Livro Livre Curió, enquanto em Quixadá, Meire Maciel guarda e fortalece a memória quilombola no Sítio Veiga. Por fim, nas serras de Aratuba, Merremii Karão Jaguaribaras expressa através da arte a memória ancestral do povo Karão Jaguaribaras.
Para Rita de Cássia, conhecida pelas crianças que frequentam a biblioteca Livro Livre como Tia Ritinha, ter sua história recontada para diversas outras crianças é uma forma de conexão com o trabalho que ela desenvolve há anos.
Ao lado dos filhos Talles Azigon e Lígia Soares, a família conduz a biblioteca comunitária Livro Livre e a CasAvoa, espaço cultural anexo à casa.
Em suas atividades diárias, a contadora de histórias realiza mediações e rodas de conversa voltadas para o público infantil e para mulheres do bairro. Além de um clube de leitura, Rita também promove sessões de debate após as exibições do Cineclube CasAvoa, que visa democratizar o acesso ao cinema no Curió.
Enquanto mulher que tem sua história entrelaçada com a de tantas outras mulheres, para Rita, participar do "Livro das Guardiãs" foi também revirar as memórias afetivas de uma vida.
“Eu amei ter participado desse projeto, pois resgatei muitas memórias afetivas. A Camila veio aqui, passamos horas conversando na cozinha, que é o coração dessa minha casa. E ela sempre atenta, gravando e anotando tudo”, conta Rita.
Enquanto a primeira temporada contou com uma pesquisa majoritariamente bibliográfica, na segunda, o recorte temático exigiu de Camilla uma abordagem diferente.
“Exceto a Maria Cândido, todas são vivas e atuantes em suas comunidades, então a principal fonte de pesquisa foi o próprio depoimento delas. Viajei por todo o Estado para fazer essas conversas, e foi muito legal, porque a troca com elas ao tomar um café, comer um bolo juntas... tudo isso faz com que eu me sinta mais próxima e possa expressar essa história com mais envolvimento e complexidade”, explica Camilla, que assina a produção, roteirização e direção.
Após a etapa de pesquisa, a escrita começa com um roteiro que conecta os episódios, construindo um arco narrativo entre as guardiãs. Para a temporada recém-estreada, as personagens Memória e Luta, interpretadas pelas atrizes Eliahne Brasileiro e Paula Yemanjá, ganham uma nova companheira: a Esperança, na voz de Maana Ferreira.
Como mote, a narrativa mostra a Esperança em crise, que segue em busca de si mesma nas histórias contadas. Para a atriz Paula Yemanjá, em um período do mundo turbulento, em que muitos se sentem sem esperança, é essencial para crianças e adolescentes o encontro com essa personagem.
“Se na primeira temporada também havia narrativas que voltavam mais no tempo, nesta edição focamos muito no presente, nessas histórias de mulheres que estão em luta constante, e que alimentam a nossa esperança. É muito bonito ver essa personagem chegando junto com a Luta e a Memória dentro dessa narrativa”, pontua Paula.
Com os três primeiros episódios já disponíveis nas plataformas digitais e os três seguintes a serem lançados no dia 6 de julho, o projeto também conta com um livro ilustrado, que traz as histórias contadas nesta temporada adaptadas para a linguagem escrita.
Além da acessibilidade para crianças com deficiência auditiva, o livro físico cumpre a função de extrapolar os limites do digital e fazer com que a capilaridade da obra aumente pelo Ceará.
“O lançamento do livro irá acontecer nos locais onde essas mulheres residem, através de rodas de conversa que serão realizadas no Crato, Quixadá, Itarema, Fortaleza e Aratuba. Nós escolhemos os locais que são retratados na série para realizar as rodas justamente porque são locais de construção coletiva. Dessa forma, a gente acredita no efeito multiplicador desses encontros para o projeto chegar a outras crianças também”, finaliza Camilla.
O Livro das Guardiãs II