“Existe um certo bloqueio quando o restante do Brasil fala do Nordeste. A gente não sabe bem o que é, e não sabia, especialmente quando eu comecei”, reflete Lino Villaventura, aos 74 anos.
Trajando um trench coat com recortes, e um óculos preto que carrega a sua assinatura, o estilista cearense relembra o passado ao pensar em como o cenário da moda nacional mudou desde que abriu seu ateliê em 1982, em Fortaleza, ao lado de Inez Villaventura.
Nascido Antônio Marques dos Santos Neto, em Belém, em 1951, Lino veio ao Ceará com a família quando tinha entre 17 e 18 anos. Na bagagem, as vivências do Norte e do Nordeste se misturam, influenciando o seu trabalho de textura, que dialoga com a brasilidade.
“Belém é uma cidade muito incrível porque tem uma mistura de Belle Époque europeia com a cultura indígena, uma mistura que fica enraizada em você. Quando eu vim para Fortaleza, a arte popular, o artesanato e a própria figura do cearense me contaram histórias muito fortes. Então, o que vem do Pará junta-se ao Ceará e fica uma coisa enlouquecida”, afirma.
Ainda jovem, e propenso a seguir na área da engenharia civil em Fortaleza, os planos mudaram quando, em 1975, presenteou Inez, ex-mulher e sócia, com um colete bordado, quando ainda eram namorados.
“Do colete, começaram a surgir encomendas de bolsas, acessórios, em que todos contavam com um aspecto meio marroquino. A clientela final eram pessoas que viajavam muito e conheciam o melhor da vida. Sinto que elas confiavam nas peças devido à originalidade do trabalho”, pontua.
A originalidade ganhou outras dimensões quando, em 1984, o ateliê se expandiu para São Paulo, e o trabalho de Lino começou a ganhar impressões urbanas. Sua consagração veio no ano seguinte, com o Prêmio MultiModa, no Rio de Janeiro, quando suas criações se destacaram como expressões de vanguarda.
Em 1989, com pouco mais de dez anos de carreira, e já uma referência na moda nacional, o estilista foi convidado pelo Itamaraty para representar o Brasil em uma feira internacional no Japão, a World Trade Fashion, se configurando como o primeiro brasileiro a vender em quantidades no leste do continente asiático.
Na época, quando a sustentabilidade ainda não figurava no glossário de marketing das grandes marcas, Lino já ressignificava materiais como borracha ou barbante em suas criações.
“Muitas marcas empregam esse reaproveitamento em busca de um retorno. Eu sempre fiz isso, não existe nada que seja jogado fora ou esquecido dentro da fábrica. Tudo é reaproveitado. Se, por exemplo, eu quiser fazer uma coleção só com as sobras do que tem de coleção, eu posso fazer. Acho que tudo isso faz parte de um respeito pelos materiais, e, sobretudo, respeito pelas pessoas”, defende Lino.
Com mais prêmios do que cursos em seu currículo, Lino conta que nunca foi se esmiuçar em pesquisas, cursos ou referências. Para o estilista, após 50 anos de carreira, sua criação segue fugindo de um ritual metódico e obedece a um fluxo abstrato.
“A inspiração é essa liberdade que você se dá, através das suas observações e curiosidades. Os livros que você leu, os filmes que você viu, as pessoas que você amou, as viagens que você fez, das mais simples até as mais sofisticadas… tudo isso é registrado em nossa cabeça, e quando você vai fazer um trabalho, involuntariamente, aquilo é traduzido de alguma forma”, ressalta.
Enquanto observador da figura humana, em seus desfiles, os movimentos das modelos, junto com a maquiagem, iluminação, cabelo e a trilha sonora, criam imagens performáticas, como uma espécie de teatro na passarela.
“Acredito que isso acontece porque gosto de teatro, de ópera, musicais, e são coisas que me acompanham ao longo da vida. Mesmo quando eu não penso em fazer, acaba ficando algo um pouco mais teatral, e isso acontece porque é a emoção que me rege nesses momentos”, pontua.
Ao longo dos anos, o trânsito entre essas linguagens permitiu que Lino se tornasse apto para confabular vestuários para balés, óperas, desfiles e coleções. Essa versatilidade migra para a forma como o Brasil visualiza seu trabalho, o que pode ser evidenciado na exposição que carrega seu nome e estreia nesta quinta-feira, 17, no Museu da Fotografia de Fortaleza.
Reunindo 23 looks, e um conjunto de imagens capturadas por 12 fotógrafos de estilos e gerações diferentes, a mostra se propõe a revisitar os 50 anos de carreira do figurinista, em um ambiente deslocado das passarelas habituais.
Expondo o colete que deu início a toda a história aqui descrita, a mostra perpassa os looks dos anos 1990, e chega até suas mais recentes criações apresentadas em abril de 2025, no São Paulo Fashion Week.
No campo imagético, as fotos apresentadas reúnem três gerações de fotógrafos, espelhando as mudanças também ocorridas na seara da fotografia de moda, das fotos analógicas em preto e branco à fotografia digital. Entre os nomes, estão Bob Wolfenson, Fernanda Calfat, Hick Duarte, Miro, Patricia Devoraes, Tripoli e o fotógrafo cearense Gentil Barreira.
“O maior desafio foi selecionar apenas 23 peças, porque a produção de Lino é extraordinária, tanto na qualidade quanto na quantidade. Da mesma forma, também foi necessário selecionar as fotografias, pois, devido ao caráter experimental e artístico de Lino, ele é um dos estilistas preferidos dos fotógrafos”, afirma Denise Mattar, curadora da exposição.
Ao ser questionado sobre o que deseja que o público sinta ao adentrar a exposição, Lino reflete: “Muita gente chega e me diz que não entende nada de moda, mas não precisa entender. A questão é o que acontece quando você vê aquele trabalho, é sobre sentir e se emocionar”, finaliza.
Exposição Lino Villaventura