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Papel de jornal e luz do sol são usados em nova técnica de fotografia
Vida & Arte

Papel de jornal e luz do sol são usados em nova técnica de fotografia

Investigando o apagamento histórico por meio do analógico, Wendel Medeiros experimenta nova técnica fotográfica utilizando papel de jornal
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   (Foto: Wendel Medeiros / Divulgação )
Foto: Wendel Medeiros / Divulgação

Além dos 50 anos do golpe militar (1964-1985), os 35 anos da Lei da Anistia, o ano de 2014 marcou, no Brasil, a publicação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Esses eventos ressoavam no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), eclodindo na ideia de se conceber uma prática artística que envolvesse, de forma colaborativa, os discentes.

"Quando veio à tona a Comissão da Verdade e todos os horrores que foram causados por conta da ditadura militar de 1964, me sensibilizou e também sensibilizou meus alunos. Decidimos, então, tentar trabalhar de forma poética e experimental, fotograficamente falando, com os rostos dos desaparecidos políticos", diz o professor Wendel Medeiros.

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Com esse intuito, à época, Wendel discutia a fotossensibilidade dos materiais e o tempo de reação à luz necessário para cada um. Foi quando um aluno levantou a mão e disse: "Até o jornal, né, professor? O jornal amarela com o tempo".

A partir da observação, ocorreu a Wendel que o jornal poderia ser um suporte fotossensível, fornecendo um ponto de partida para sua pesquisa. Assim, cada aluno escolheu o rosto de um desaparecido político e se aprofundou na história de vida.

Para a execução, projetaram a imagem para traçar os contornos e criar uma máscara de stencil, colocando-a sobre o papel jornal e expondo ao sol. Com uma turma inteira carregada de expectativas, após dias de observação e intempéries, o resultado foi positivo.

Onze anos se passaram desde a experiência, e a técnica segue surpreendendo, ecoando pelos corredores do IFCE. Para Luiz Costa, aluno do mestrado em Artes, além de ensinar sobre sustentabilidade e interdisciplinaridade, o stencil lhe fez lembrar que a fotografia pode ser processo, mais do que produto.

Suas impressões sobre a técnica resultaram na publicação de um resumo expandido, que investiga metodologias acessíveis no ensino de arte, especialmente em um contexto marcado pela digitalização.

"Ao escolher uma imagem, desenhar a mesma em um papel kraft, depois cortar os stencils manualmente e esperar semanas pela oxidação do papel, retomamos uma relação corpórea com a imagem, algo ausente no clique instantâneo do celular. Essa experiência resgata o erro e o acidente como parte do processo criativo, comparando com a perfeição das fotos digitais", manifesta Luiz.

Levando a pesquisa para além das salas de aula do IFCE, o Wendel desembarca em Barcelona, na Espanha, para o Experimental Photo Festival. Além da residência artística da qual fará parte, ele ministra, nesta quinta-feira, 24, a conferência "Rostos que Desaparecem - Um Processo Fotográfico Sustentável", esmiuçando a interdisciplinaridade da técnica que une história, arte e ciência.

No campo prático, ele realiza o workshop "Estêncil Solar: Rostos que Desaparecem", contando com o sol de Barcelona para executar a técnica desenvolvida no instituto. Ademais, ele é um dos dois brasileiros a integrar o time de curadores da atividade "Horizontal Portfolio Review", participando da seleção e mentoria de jovens.

Ao comentar sua participação no evento, que reúne mais de 300 artistas, Wendel reafirma a realização de poder estar apresentando uma técnica acessível e que dissemina a fotografia experimental.

"Nós brasileiros não precisamos de chancela alguma internacional, sobretudo o cearense, que por natureza inventa coisas incríveis com poucos recursos. Mas é uma alegria enorme poder reverberar a técnica e inspirar outras pessoas", finaliza.

 

Para fazer o seu estêncil solar

  1. Selecione uma imagem de rosto em vista frontal, que pode ou não ter valor simbólico ou afetivo (familiar, personagem histórico, animais etc.).
  2. Projete a imagem escolhida em uma superfície. Com base na projeção, desenhe os traços mais característicos da imagem no papel-cartão ou cartolina, o que for mais acessível. Recorte as áreas em branco, criando um estêncil vazado da imagem.
  3. Utilize papel jornal, que contém lignina, substância que reage à luz solar escurecendo com o tempo. Estenda o papel jornal sobre uma superfície plana e posicione o estêncil recortado sobre o papel jornal.
  4. Para evitar que o estêncil voe com o vento, utilize uma placa de vidro por cima, garras de fixação ou outro suporte transparente e estável.
  5. Leve a montagem para uma área com luz solar direta. Deixe a exposição ocorrer por vários dias consecutivos (preferencialmente entre cinco a sete dias), evitando dias de chuva.
  6. Após o período de exposição, retire o estêncil. A imagem estará "gravada" no papel jornal, visível pelo contraste entre as áreas expostas (escurecidas) e protegidas (mais claras).

 

Saiba mais sobre o trabalho de Wendel Medeiros

  • No Instagram @wendel.a.medeiros e @labfoto_ifce

 

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