Em uma kombi adaptada como motorhome, o artista visual Augusto Bazzo percorre o Brasil ao lado da esposa, a produtora Andressa Cappellari Maciel, e dos cães Odin e Cida. Juntos, eles tocam o projeto "Lado Sul para o mundo", que transforma muros em telas de arte urbana e aproxima o casal gaúcho das comunidades por onde passa.
Leia no O POVO | Confira mais notícias e opiniões sobre quadrinhos
A viagem, que já dura três anos, passou por 17 estados brasileiros e encontra em Fortaleza uma pausa necessária — e, nas palavras do casal, extremamente acolhedora. Natural de Caxias do Sul, na serra gaúcha, Augusto Bazzo descobriu o grafite ainda na adolescência, influenciado pela cena do skate local. "Aos 12 anos, eu andava numa pista onde grafiteiros mais velhos estavam pintando. Foi ali que tive meu primeiro contato com uma lata de spray. Desde então, a arte urbana nunca mais saiu da minha vida", relembra o artista.
O ponto de virada, entretanto, aconteceu somente em 2017, durante uma viagem ao Uruguai. Com o porta-malas cheio de tintas, Augusto Bazzo percebeu o alcance da sua arte para além das fronteiras brasileiras.
"Naquela viagem consegui vender meu trabalho em outro país, com outro idioma, outra moeda. Foi aí que entendi que a arte podia ser meu passaporte para o mundo e que eu podia levar cor e conexão para diferentes realidades", conta Augusto durante entrevista ao O POVO.
Dois anos depois, nasceu o projeto. O primeiro destino foi o litoral gaúcho. Com a kombi recém-adaptada, o casal deixou a serra com um roteiro aberto e muitos planos. "A gente saiu da nossa cidade com uma reserva financeira, mas com a certeza de que precisava fazer dar certo", diz.
O artista complementa: "Durante a viagem, fomos desenvolvendo estratégias, vendendo arte, criando conteúdo, e tudo isso acabou sustentando a jornada. Nosso trabalho nas redes sociais também virou fonte de renda", conta o artista sobre a parceria com a esposa Andressa Cappellari Maciel.
Aprendizados de uma vida na estrada
A vida sobre rodas impôs uma rotina cheia de desafios. "Energia solar depende do tempo, água tem limite, a internet oscila, não tem rotina. Tudo é imprevisível. Mas, ao mesmo tempo, isso nos forçou a nos adaptar, a crescer. Foram muitas trocas e conexões. Parece que a gente viveu dez anos em três", diz Bazzo.
Com o apoio de Andressa Cappellari Maciel, que atua na produção, divulgação e administração do projeto, ele passou por capitais e cidades pequenas, adaptando a arte ao contexto de cada lugar.
A chegada no Ceará marcou uma mudança de ritmo. Desde março, Bazzo já pintou 21 murais em bairros de Fortaleza como Papicu, Praia de Iracema, Messejana, Abreulândia, Aldeota, Centro, Cidade dos Funcionários, além de Eusébio e Maracanaú.
"Fortaleza mudou minha realidade. Foi o lugar que a gente escolheu para respirar um pouco. Aqui tem mar, vento, natureza, mas também um potencial econômico e artístico. Encontramos esse equilíbrio", diz Augusto. Nem todos os murais são remunerados. Parte surge de convites e trocas com artistas locais; outros são autorais, feitos com anuência dos donos dos muros.
"O importante é estar em movimento. Muitas vezes, vendo minha arte para poder comprar tinta e pintar de novo. O dinheiro entra como meio, mas não como fim. O que me move é o processo, é estar na rua criando", explica Bazzo. As interações com as comunidades variam. Em algumas cidades, há resistência. Em outras, curiosidade e acolhimento.
"Tem lugar que nunca teve contato com o grafite. As pessoas se assustam, desconfiam. Mas quando a gente mostra o trabalho, o olhar muda. No Sul, por exemplo, há mais artistas, mas também mais preconceito. Já em outras regiões, como o Nordeste, vejo mais abertura, mais diálogo", relata.
Para Bazzo, a arte urbana é linguagem e memória. Seus murais transitam entre o realismo e elementos do hip hop, com estilos que vão do 3D ao wildstyle (um dos estilos mais complexos da arte do grafite, caracterizado por letras estilizadas, entrelaçadas e difíceis de ler).
Muitas vezes, adapta a criação ao território: "Gosto de trabalhar com a ideia de pertencimento. De fazer com que as pessoas se vejam na arte. Mas também busco manter minha essência como escritor de grafite. A rua é meu ateliê".
Mesmo com experiência, ele ainda encontra barreiras: "Já tive trabalhos censurados. Às vezes, a polícia aparece por denúncia; outras, o dono do muro recusa. A arte urbana ainda é vista como algo marginalizado por muita gente. Mas aprendi a lidar com isso. A arte é subjetiva, nem todo mundo vai entender ou gostar. Faz parte".
Apesar da pausa em Fortaleza, o projeto continua. A ideia de percorrer todos os estados permanece viva. Na lista há, ainda: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Amapá, Acre, Roraima e Amazonas. "Quero pintar um prédio. Não precisa ser muito alto, porque tenho medo de altura, mas quero deixar minha marca em algo assim", diz.
E se fosse preciso escolher uma só palavra para definir essa jornada, ele não hesita: "Liberdade".
Lado Sul pro Mundo