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Hans Christian Andersen: autor faz parte da infância no Brasil
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Hans Christian Andersen: autor faz parte da infância no Brasil

Autor dinamarquês de contos de fadas morto há 150 anos, Hans Christian Andersen teve suas histórias incorporadas ao imaginário brasileiro
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Um filhote diferente dos demais do ninho é chamado de patinho feio e, depois, adulto se torna um belo cisne. Sem uma perna, com defeito de fabricação, um soldadinho de brinquedo se encanta por uma bailarina de papel. Certamente você já leu, ouviu ou mesmo assistiu a essas histórias. Embora pareçam dessas obras que passam por tradição oral, sem origem definida, elas têm por trás um autor: o dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), prolífico escritor que se tornou conhecido por ter criado mais de 150 contos de fadas.

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"As histórias de Andersen fazem parte de uma tradição, consolidada a partir de culturas europeias, de organizar em compêndios histórias da tradição oral", diz a especialista Ana Crelia Penha Dias, professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "Ele revolucionou o gênero quando incorporou às histórias coletadas não só um olhar mais poético para a construção das personagens, como também, e principalmente por isso, porque criou histórias, ou seja, tornou-se original ao compor, a partir da experiência com o gênero, narrativas autorais".

Andersen teve uma infância pobre no interior da Dinamarca e, criança, trabalhou como tecelão e alfaiate. Mais tarde, já morando na capital Copenhague, passou a ganhar a vida como escritor de peças teatrais, relatos de viagens, romances, poemas e, claro, os contos de fada que lhe
confeririam fama.

"A importância de Hans Christian Andersen para a literatura infantil é quase senso comum, principalmente pela dimensão psicológica que adensa à construção da atmosfera e dos personagens", explica Dias.

Ainda no século XIX, suas obras começaram a ser traduzidas, sobretudo para o alemão, o francês e o inglês - mas há registros de textos que circularam em português europeu. "É possível que histórias dele tenham circulado aqui no Brasil, em coletâneas", afirma o escritor e jornalista especialista em literatura infantil Tino Freitas.

De acordo com Dias, as traduções e adaptações de obras estrangeiras voltadas para crianças começaram a pipocar no Brasil a partir dessa época, "com a necessidade de se pensar em uma literatura" dirigida para as escolas.

Priorizou-se "a apropriação de obras do folclore europeu", conta a pesquisadora. E livros desse período, coletâneas, trazem já algumas adaptações de obras do Andersen, como "Histórias do Arco da Velha", de 1896, assinado por Viriato Padilha, pseudônimo do jornalista Aníbal Mascarenhas (1866-1924).

Mas a chegada com destaque de Andersen ao país se deu apenas em 1915 - 40 anos após sua morte, ocorrida em 4 de agosto de 1875. Foi quando a Melhoramentos estreou como editora, como uma firma independente chamada Weiszflog Irmãos.

A primeira obra publicada entrou para a história também como o primeiro livro infantil em cores lançado no Brasil. Era "O Patinho Feio", de Andersen, em tradução do professor Arnaldo de Oliveira Barreto (1869-1925) com ilustrações do tcheco Franz Richter (1872-1964).

"Foi a entrada do Andersen no Brasil por um brasileiro. Ele [Barreto] era professor e achava que a escola deveria oferecer aos alunos boas obras de literatura", conta a tradutora, pedagoga e letróloga Ana Maria Martins da Costa Santos Langkilde, diretora-fundadora do Instituto Hans Christian Andersen e ex-professora na Universidade Estadual Paulista.

"O Patinho Feio" inaugurou uma coleção de literatura infantil publicada por aquela editora. Sobre essa estreia da série por uma obra estrangeira, há uma explicação histórica. "Naquele momento o mercado editorial brasileiro não tinha se estruturado [para o universo infantil]. Até isso acontecer, com autores e ilustradores contribuindo com obras autorais, o mercado foi bastante preenchido com a importação de obras estrangeiras. E isso foi muito feito com contos de fada", explica a jornalista Giovana Franzolin, criadora do projeto Grandes Livrinhos.

Mais do que um sucesso editorial e comercial, a empreitada marcaria uma guinada na visão sobre a importância de uma literatura feita para crianças. Como diz Freitas, o mérito da criação de Andersen na contemporaneidade está no fato de ele ter "semeado leitores": suas histórias caíram no gosto popular infantil a ponto de despertar o gosto pela leitura, abrindo de certa forma espaço para outros autores e outros estilos.

Entre os autores brasileiros; a referência dos contos de fadas clássicos do dinamarquês se tornou quase um paradigma, ainda que muitas vezes de forma indireta. Quem foi que não leu "Flicts", de Ziraldo (1932-2024), e não se lembrou do rejeitado patinho que depois se torna um belo cisne?

Mas o escritor Tino Freitas acredita que a maior influência mesmo das obras de Andersen sobre a literatura nacional foi a criação de um público cativo, "leitores que vão se direcionar para essas histórias infantis". Ou seja: ele abriu um nicho que antes não era explorado. "Foi um cara que contagiou leitores. E isso contagiou outros escritores", aponta.

Santos Langkilde cita Ruth Rocha e Pedro Bandeira como autores "que acabaram buscando nele suporte", inclusive com "intertextualidade com alguns contos do Andersen".

Um aspecto ressaltado por especialistas é que as histórias do dinamarquês vão na contramão do senso comum de que história infantil precisa ter final feliz. Contos como "A Pequena Vendedora de Fósforos" são tristes. "Ler Andersen na infância é deparar-se com a condição trágica da existência, que é a morte. Certamente isso pode ter encorajado autores a pensar em produzir literatura infantil fora desse padrão de conciliação pedagógica e final feliz", afirma a professora Dias. (Edison Veiga, da DW)

 

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