Pelas lentes de Christian Cravo, corpo e paisagem se confundem. Entre as luzes e as sombras das imagens em preto e branco, o fotógrafo baiano retrata o feminino em corpos e dunas. Em "Anima", exposição disponível para visitação na Galeria Multiarte, em Fortaleza, 30 fotografias revelam um ar de
intimidade quase palpável.
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A sensação faz sentido quando se sabe que as mulheres fotografadas são a esposa e as três filhas do artista. Criado em um ambiente feminino desde os cinco anos, quando os pais se separaram, o olhar do fotógrafo moldou-se pela presença de mmuitas mulheres. E a Dinamarca, possivelmente, tem algo a ver com isso.
A relação de Christian Cravo com a fotografia começou no país europeu, onde foi morar com a mãe, dinamarquesa, e a irmã. "Eu não vou dizer que é um país feminino, mas ele certamente não é um país masculino. Não é um país que tem como espinha dorsal a cultura masculina, como a gente tem no Brasil. É um país onde os pudores corporais não são como aqui. Lá não é um país católico. Então, você tem toda uma liberdade de expressão corporal", diz.
"Anima", segundo a psicanálise, é o arquétipo feminino que se manifesta nos homens. Desenvolvido pelo psicanalista suíço Carl Gustav Jung, o conceito trata de elementos femininos presentes no inconsciente de um homem.
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No caso da exposição, o conceito ganha os contornos da licença poética: "Eu vejo nesse ensaio tanto o feminino nas dunas quanto eu vejo o feminino nas imagens das minhas filhas e da mulher. O título realmente é de cunho poético, uma licença poética, que seria a minha percepção do conceito feminino".
Na exposição, dois trabalhos se fundem. Iniciadas de forma simultânea em 2010, as fotografias da família ainda não haviam sido expostas, enquanto as paisagens que compõem a série "Reino desse mundo", fotografias feitas no deserto da Namíbia, na África, foram publicadas em um livro homônimo em 2022. "Um artista tem que estar em constante diálogo com sua obra", elabora Christian, que observou nas peças uma correlação estética e conceitual.
Enquanto permanência e passagem se contrapõem, a harmonia entre as capturas provoca uma sensação de complementaridade. Posicionadas em pares pelas paredes da Multiarte, algumas fotografias funcionam como uma continuação de outras. O formato da "Duna XIV, Namíbia" (2014), por exemplo, complementa-se com o contorno das pernas emolduradas na obra vizinha, "Les jambes" (2013).
Em outro caso, um feixe de luz parece encontrar sua continuação entre as obras "Duna #XIII, Namíbia" (2014) e "Stella com raio de luz" (2021). Pensado no momento da montagem da exposição, o "encaixe" das peças se deu como uma "surpresa" para o próprio fotógrafo. "Eu sou de uma escola da fotografia que a gente chama de 'full frame'. Na tradução literal, quadro inteiro. Ou seja, eu nunca recorto a imagem. Aquilo que você está vendo ali no quadro é exatamente o que eu fotografei. Eu não aumento, não diminuo, não corrijo o horizonte, não tem nada disso", declara Christian sobre o que define como uma
"coincidência absoluta".
Corpo e paisagem dialogam a tal ponto que, em algumas fotografias, é difícil distinguir se a imagem retrata uma paisagem desértica ou parte de um corpo. A abstração, assim como o uso do preto e branco, faz parte de uma provocação do autor ao público. A abstração, presente em algumas obras da exposição, também instiga o pensamento. A estratégia de Christian Cravo é "forçar a imaginar".
As capturas digitais de "Anima" utilizam o papel de fibra de bambu para conferir às obras um aspecto fosco. Conforme o fotógrafo, a pigmentação natural parte de um material de padrão museológico, de altíssima resolução. "Pra cada trabalho, eu uso um papel diferente. Mas, pra esse trabalho, eu queria um sentimento de algo mineral", conta, ressaltando a escolha de um "fosco envelhecido, mais cremoso".
Christian considera que seu processo sobre o núcleo familiar é o "trabalho de uma vida". Para ele, é possível que não tenha fim. Além da relação entre corpo e paisagem, o artista documenta as fases de crescimento das filhas e a convivência com a esposa no que ele define como "necessidade" e "instinto natural de registrar o que está perto de mim".
Disponível na Galeria Multiarte, a exposição fotográfica fica em cartaz até sábado, 27 de setembro. É a terceira vez que a capital cearense recebe uma mostra de Christian Cravo. À exceção de Salvador e de São Paulo, cidades onde o artista vive, Fortaleza é o local onde ele mais fez exposições individuais e é a primeira cidade a receber "Anima".
"Já virou uma tradição fazer mostras aí porque a cidade vem se destacando de uma forma muito eficaz na promoção cultural. Seja ela pública, de instituições, museus, instituições públicas ou como galeria", aponta. De acordo com Christian, os planos são de que a exposição siga para Rio de Janeiro e São Paulo - cidades onde há "braços atuantes" da Galeria Multiarte.
Anima