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Coletivo Black Heroes usa universo geek como ferramenta de transformação na periferia
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Coletivo Black Heroes usa universo geek como ferramenta de transformação na periferia

Coletivo Black Heroes usa universo geek como ferramenta de transformação social nas periferias de Fortaleza
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Coletivo Black Heroes é formado por artistas e produtores negros e periféricos da cidade de Fortaleza (Foto: Comunicação Black Heroes/Divulgação)
Foto: Comunicação Black Heroes/Divulgação Coletivo Black Heroes é formado por artistas e produtores negros e periféricos da cidade de Fortaleza

"A cultura geek me deu uma nova perspectiva de vida". Foi essa certeza que fez o produtor cultural Jefferson Ferreira criar o coletivo Black Heroes, formado por artistas e produtores negros da periferia de Fortaleza. O grupo faz ações pela democratização da cultura geek e pop, principalmente em territórios de vulnerabilidade social.

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Black Heroes, ou simplesmente BH, surgiu em 2022. De acordo com Jeff, a proposta era exibir filmes com personagens que mexessem com o imaginário das crianças - a exemplo do Super-Homem e da Mulher-Maravilha - e, depois, realizar roda de conversa sobre os heróis. "A ideia é sempre conectar o real ao fictício, para mostrar que o nosso mundo e o das telinhas não estão tão distantes assim", explica.

Para o criador, que já morou nas ruas por um período quanto tinha 19 anos, foi o acesso cultural que lhe possibilitou novas perspectivas. Ele destaca: "Quando saí dessa situação, quis pensar em algo que pudesse ajudar aquela galera que vive à margem da sociedade, mas também acolher quem, mesmo tendo um teto, mora em regiões com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)".

As primeiras ações do coletivo foram as sessões do "Cine Favela", nos bairros Conjunto Esperança, Rosalina e Barra do Ceará. Para que elas pudessem ser realizadas, os membros do projeto levaram notebooks e caixas de som para exibiam as obras em espaços que apoiavam a iniciativa, a exemplo de igrejas e terreiros. Atualmente, o projeto também está presente em eventos como o Sana, com rodas de conversa e exibição de filmes.

Black Heroes: cultura geek na periferia

"Realizamos ações nas comunidades para incentivar a leitura e o acesso à cultura geek. Levamos gibis, HQs, mangás, sempre com a ideia de promover a leitura como ferramenta de transformação", conta.

Os próprios integrantes ajudam com empréstimos de aparelhos eletrônicos e doações de gibis e mangás. Jeff sustenta: "Sempre falo com a criançada e os adolescentes que os grandes campeões de e-sports no Brasil são, em sua maioria, pessoas vindas de periferias e favelas. Muitos vivem uma espécie de quarentena imposta pela insegurança das ruas e encontram nos games uma forma de escape, até mesmo uma fonte de sustento".

O Black Heroes faz encontros presenciais mensais com os participantes, que chegam ao projeto por afinidade com o tema. No caso da professora de literatura Vitória Caroline, o universo geek já fazia parte da sua vida pessoal e salas de aula quando entrou para o projeto.

"O coletivo era um mundo completamente novo para mim. Mas o Jeff insistiu: 'É o mesmo que tu fazes em sala. Tudo que você me explica sobre escritores negros, sobre acesso à leitura nas periferia. É só falar isso no microfone'", relata.

Foi por meio da saga de livros "Percy Jackson" que Vitória se tornou uma leitora assídua. "Acredito que, se não tivesse despertado esse interesse, talvez nem tivesse entrado na faculdade", relata. Assim, ela passou a também relacionar o universo fantástico que conversasse com a sua experiência como mulher da periferia.

"Isso virou parte da minha personalidade. Na faculdade, comecei a perceber relações entre o conteúdo que eu estudava e os animes que via. Por exemplo, ao ensinar redação, relacionava temas com arcos de anime: 'Estamos falando de ditadura? O Arco de Alabasta em 'One Piece' tem algo a ver com isso'. Era o tipo de linguagem que aproximava os alunos e, como eu era nova, eles se identificavam comigo", afirma.

A professora conta que, mesmo que muitas escolas desconsiderem a cultura geek como literatura, o hábito de ler, especialmente mangás, já existe na sala de aula. "Na escola particular, isso é mais forte. Na pública, especialmente onde dou aula, no Pirambu, é mais complicado. Os alunos enfrentam outras realidades: muitos trabalham, lidam com situações difíceis em casa e às vezes estão preocupados com conflitos na comunidade. Lá, minha luta é para que eles consumam arte — qualquer forma de arte", revela.

Por fim, Jeff e Vitória convergem em relação ao futuro do coletivo: além de manter espaço em grandes eventos da cultura geek, como o Sana, o Back Heroes idealiza fazer seu próprio festival com entrada gratuita e acessibilidade.

"Queremos um evento que traga nossa cultura negra e periférica: nossa música, moda, estilo — tudo com a mesma pompa que levamos para o Sana, mas na comunidade. Queremos que o menino que só tem o dinheiro da passagem possa ir a pé", conclui Vitória.

Black Herroes

  • Instagram: @blackheroesce

Minha Wakanda

Texto de Eduarda Porfírio - repórter do O POVO

O primeiro contato com a Black veio através de uma dm no instagram. Um convite do coletivo para eu falar no Sana como convidada. O pessoal curtia e seguia e gostava do meu trabalho no Quilombo Geek. Fiquei chocada. Criar conteúdo, embora prazeroso, é sempre frustrante porque não é uma atividade que me gera resultados concretos.

O convite era como um sinal do universo falando que eu estava sendo vista. A maior surpresa ainda viria ao entrar na sala temática que o coletivo realiza no Sana. Lembro de ter ficado emocionada ao ver o sonho de uma comunidade nerd e negra concretizada. Mais do que uma decoração, a sala Afrogeek é local de pertencimento.

E o acolhimento é sentido não só durante o evento, mas no dia a dia. Seja nas conversas do whatsapp, na disponibilidade em ouvir, falar e repreender no whatsapp; ou nas ações sociais, palestras em escolas. É a minha Wakanda, meu quilombo do mundo real. Posso dizer que sou outra pessoa depois de entrar na Black Heroes.

 

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