Se as pinturas rupestres são reconhecidas como uma das primeiras formas de comunicação humana, elas muito dizem sobre o que há de mais primitivo em nós. Pigmentos coloridos revelam culturas milenares e desvendam, com desenhos em superfícies irregulares, comportamentos outrora esquecidos.
Estes desenhos compõem as páginas do livro "A Mulher das Cavernas" (2020), da escritora, artista visual e psiquiatra Lia Sanders. Dispostas pelo designer gráfico Daniel Firmino e organizadas pelo editor Talles Azigon, as imagens situam o romance que envolve o encontro entre uma médica psiquiatra com uma mulher das cavernas durante uma pandemia.
A união das duas resulta em colisões que atravessam as páginas e, por que não, as linguagens artísticas. Foi assim que surgiu a ideia da exposição "Nas paredes da caverna", disponível no Kraft Espaço Cultural e Ateliê Coletivo, na qual 17 artistas reverberam a obra a partir de questionamentos sobre a origem humana.
Como explica a autora, a personagem central da produção literária se revela por meio da pintura que ilustra a capa do livro. "É como se as tintas me permitissem enxergá-la", explicita.
O diálogo entre a literatura e as artes visuais, portanto, é inevitável. "As palavras e as imagens são símbolos que se complementam. São recursos de que não consigo abrir mão. Assim como não consigo renunciar ao meu interesse pela mente humana", desenvolve Lia. As letras, como indicado pela escritora, apresentam com "riqueza" representações comuns aos leitores.
"Foi muito emocionante conhecer outras representações dessa temática. Os artistas da exposição trouxeram percepções muito diversas da ancestralidade e da mulher primitiva. Foram além do que eu poderia ter concebido", expressa Lia.
É como, complementa, se o livro tivesse transmutado o ciclo. "Quando outras pessoas acolhem essa obra, se deixam por ela transformar e nela, de alguma forma, se inspiram, penso que essa obra cumpriu seu destino".
As telas e esculturas tornam palpável o corpo da mulher ainda não domesticado, os sentimentos considerados animalescos e a ancestralidade que resiste no presente. Em "Fluxos de Interrupção", assinada por Amanda Nunes, o fundo azul guarda a figura feminina que, ao lado de uma bananeira cortada e um facão suspenso, permanece erguida no paradoxo entre a resistência e a fragilidade.
"Desde o início, pensamos na caverna como um símbolo central. Ela é o primeiro abrigo, o primeiro ateliê e também o primeiro espaço de arte da humanidade", explica o curador Cardoso Júnior. Essa partida fez com que a mostra fosse elaborada com elementos ligados à permanência dos signos humanos ao longo do tempo.
"Cada artista respondeu ao texto de Lia Sanders com sua própria linguagem, criando uma constelação de interpretações visuais. O resultado é uma exposição que oscila entre o arcaico e o contemporâneo, entre o vestígio e a invenção, entre o gesto ancestral e a sensibilidade atual".
As respostas das perguntas surgem como figuras, manchas, traços e texturas. Dentro desta conversa entre o visível e invisível, a mostra capta as diferenças de cada artista. "Essa pluralidade é essencial. Ela cria um coro que, mesmo partindo de universos distintos, se encontram nesse território comum que é o desejo de fazer da arte um gesto de escavação - um modo de cavar o tempo com a sensibilidade", conecta Cardoso.
Ao visitar o espaço expositivo, o público pode se encontrar em um espelho, como destaca o curador: "Entre o livro e as obras existe um campo de ecos - um lugar onde o passado ressurge como metáfora e o presente se deixa atravessar por tudo o que insiste em retornar".
Conheça os artistas
1. Alice Dote
2. Aline Basso
3. Allesson Matos
4. Amanda Nunes (Crimes Passionais)
5. Ana Débora Pessoa
6. Andrea Dall'Ollio
7. Cardoso Júnior
8. Jacinta Cavalcante
9. Jamille Queiroz
10. Jeová Siebra
11. Lia Sanders
12. Marcos Oriá
13. Mariana Soares
14. Patricia Limaverde
15. Raisa Christina
16. Sandra Montenegro
17. Vando Figueiredo
Exposição "Nas paredes da caverna"