A exposição "Um Fio Puxa Outro - Vem Fortalezar!" fica disponível até dia 11 de dezembro na Casa do Barão de Camocim. O local não fazia parte dos planos iniciais da mostra de artes têxteis. O Museu de Cultura Cearense, onde ocorreria a exposição, localizado no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, está em reforma. Então, o antigo Maison Louvre de Tecidos Finos, como era chamado o empreendimento do Barão, fez-se o lugar ideal.
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Partindo do amor pela capital cearense para elaborar a exposição, "Um Fio Puxa Outro - Vem Fortalezar!" sugere já no título a implicação de uma ação de continuidade também por parte dos visitantes.
"Se antes ele (Barão de Camocim) importava os tecidos da França, e depois passou a produzir no Ceará, Silvania de Deus e eu damos continuidade a esse legado do Ceará, do tecer a própria história com a identidade de ser cearense", diz o artista-expositor Alexandre Heberte. Ele e a estilista Silvania de Deus expõem 60 obras, a maior parte delas inédita, antecipando os 300 anos de Fortaleza, celebrados em 13 de abril de 2026.
A proposta de unir os dois artistas veio do Sobrado Dr. José Lourenço, por meio do projeto Percursos. "Desde o início, a concepção da exposição era ser assinada por dois artistas cearenses que tivessem uma forte relação com o têxtil", conta Silvania. Heberte sobrepõe ainda outros pontos de interseção entre ambos: "Dois corpos negros, do Cariri, ambos 50 , com um amor pela cidade de Fortaleza".
"Tanto eu como Alexandre utilizamos fios e tecidos como forma de pensamento", destaca Silvania. Para a artista, que trabalha com técnicas tradicionais, os saberes e técnicas artesanais são "essenciais para a identidade e a memória coletiva" de Fortaleza. O ponto de partida da exposição é o que ela chama de Fortaleza do algodão, aludindo ao período em que o cultivo do "ouro branco" despontou na economia da Cidade, contribuindo para torná-la a atual capital do Ceará durante o Brasil Colônia.
Para Silvania, a matéria-prima é o fio condutor de "Um Fio Puxa Outro". Presente desde os primeiros momentos da mostra, Fortaleza é representada em todas as obras por meio do algodão, da tecelagem, das costuras e das rendas. As técnicas de tapeçaria, macramê, renda cariri e malhas de redes de pesca, utilizadas nas peças, remetem à histórica relação da metrópole com
a indústria têxtil.
Também mestre em Artes pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Alexandre Heberte ressalta as décadas de 1820 a 1880, no Brasil Império, como o período que marcou Fortaleza como um polo têxtil - com destaque para a Maison Louvre de Geminiano Maia, o Barão de Camocim, que impulsionou a produção de tecidos finos e a exportação de algodão. Já entre 1850 e 1880, o artista explica que o Ceará viveu sua "belle époque", com crescimento urbano e fortalecimento da indústria têxtil.
A partir do século XX, a Cidade começa a ganhar inovação a partir da mesma matéria -prima. Nos anos 1950, Heberte cita Heloysa Juaçaba como uma referência na arte têxtil, explorando técnicas de tapeçaria e bordado. Já na década de 1980, ele menciona artistas como Carlos Morais, que transita da pintura para a tapeçaria, e José Leonilson Bezerra Dias. Já nos anos 1990, Guiomar Marinho, que se estabeleceu como designer têxtil. Hoje, o legado continua com nomes como Érico Gondim e Andréa Dall'Olio.
"Fortaleza é uma cidade tecida, pensada na vertical e horizontal, que é o princípio básico da tecelagem", observa Alexandre Heberte. Nascido em Juazeiro do Norte e vivendo em São Paulo, o artista e tecelão viveu na capital cearense de 1991 a 2001, tempo que define como o de sua formação pessoal e profissional. "Juazeiro do Norte, Fortaleza e São Paulo estão sempre presentes na minha tecelagem e nas tramas experimentais. Teço essas três cidades dentro de mim o tempo todo", declara.
Para Dodora Guimarães, curadora da iniciativa, "a construção da exposição é a obra mais contundente sobre Fortaleza". Ela conta que Alexandre e Silvania se inspiraram na luz e no movimento da capital cearense, deixando-se guiar pelos seus aspectos "atlânticos" e "sertanejos" para evocar "referências marcantes da Cidade". Os tradicionais cortejos para Nossa Senhora da Assunção e para Iemanjá, por exemplo, tornaram-se uma das obras.
"Eu uso a analogia da costura como um rio que corre até o mar", afirma Silvania de Deus. Tanto para ela quanto para Alexandre Heberte, o mar é elemento crucial para definir Fortaleza. "Queremos que a Cidade se veja como uma trama em construção e somos nós que dia a dia", comenta Heberte.
Silvania de Deus
"Fortalezar, para mim, é fortificar o que somos, é contemplar a lua, é fazer do mar nossa praça, é dançar e se emocionar no maracatu, é gargalhar alto de alegria e satisfação de ser quem se é, é soltar arraia, é esperar o sol esfriar para botar as cadeiras na calçada e esperar o vento aracati passar…"
Alexandre Heberte
"A palavra "fortalezar" é um verbo pouco usado no português atual, e seu significado geral é 'fortificar', 'tornar mais forte ou robusto', fortalezar é ver lua cheia, que nasce deslumbrante, na Praia do Futuro. Parar e ver o sol que se põe e pinta mar e céu de dourado. Andar sem pensar em nada no Parque do Cocó ou no Passeio Público. É viver a Cidade tanto no cotidiano como no extra cotidiano. Entrar e sair dela, como o ir e vir do fio que trama o tecido, se fortalecendo a cada experiência, proporcionada pelos entrelaços com a cidade. Fortalezar também é um convite para prestigiar esse protagonismo das tramas numa exposição, de dois cearenses, do Cariri. Unindo o litoral e o sertão, o sertão e o litoral. Com as bênçãos de Iemanjá e Nossa Senhora Assunção".
Um Fio Puxa Outro - Vem Fortalezar!