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Batalhas de Rima: entenda o movimento que desponta no Ceará
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Batalhas de Rima: entenda o movimento que desponta no Ceará

Parte do movimento Hip-Hop, as batalhas de rima são um fenômeno global e espalhado por todo o Brasil; conheça a cena cearense
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Snart (Foto: Divulgação/ David Hitalo/Mattos Produções)
Foto: Divulgação/ David Hitalo/Mattos Produções Snart

TTerreno fértil para a cultura, foi na terra do samba e do funk que a primeira batalha de rima encontrou espaço para florescer no território brasileiro. Parte do movimento hip-hop, as competições nasceram nas ruas dos subúrbios de Nova York e chegaram ao Brasil nos anos 2000. A Batalha do Real, em 2003, no Rio de Janeiro, inspirou rodas em São Paulo e começou a se alastrar pelos outros estados do Brasil, inclusive o Ceará.

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Os gatilhos das batalhas são os gritos que ora declaram o amor ao hip-hop ora incendeiam a competição. Pressuposto o confronto, elas surgiram no Brasil em uma modalidade: as batalhas de sangue. Formadas por ataque e resposta, os duelos de MC's - que hoje podem ser batalhas de trio ou até de grupos maiores - não ganharam esse nome à toa.

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Das festas de rua, as chamadas sound system, nascidas em um contexto de pobreza e violência entre gangues em NY, MC's passaram a acompanhar os carros de som com mensagens estruturadas em rimas. No artigo "Rinha dos MC's e as Batalhas de MC's de Hip Hop na Cidade de São Paulo: Uma Compreensão Antropológica", da socióloga Amanda Ferreira Gomes, o DJ nova iorquino Afrika Bambaataa é apontado como um dos precursores do movimento.

O trabalho afirma que o artista responsável pela criação da banda Zulu Nation "propôs, por meio do hip-hop, que as disputas e os conflitos deixassem o campo das armas e passassem a ser enfrentados em campo simbólico". Desde a gênese, a agressividade é o ingrediente-chave das batalhas de rima. Afinal, "você tem duas opções, qual você vai escolher? Vai morrer ou vai matar? Vai matar ou vai morrer?". Mas não precisa se assustar: a morte é lírica. E normalmente acaba com um aperto de mão.

Em 2004, o carioca MC Marechal criou a Batalha do Conhecimento, no Rio de Janeiro. Diferente das batalhas de sangue, cujo objetivo é atacar o oponente, a roda inaugurou uma vertente que propõe um debate em forma de freestyle. Discorrendo sobre um assunto específico, seja ele qual for, os MC's se enfrentam expondo suas ideias e ponto de vista.

Das ruas do Bronx, bairro pobre de NY, com forte presença de negros e imigrantes, o hip-hop e as batalhas de rima migraram para o Brasil e nutriram-se da compatibilidade com as periferias do país latino-americano. Presente em praças, calçadas ou equipamentos públicos, o movimento das batalhas de rima, assim como todo o hip-hop, tornou-se parte da cultura brasileira.

No artigo "Rimas que Transformam: as Batalhas de Rimas como Ferramenta de Alfabetização e Letramento Crítico nas Periferias de Fortaleza", as autoras Roseleide Dantas Andrade e Edite Colares, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), defendem que as competições estão além de uma manifestação artística: são "uma ferramenta de educação popular e letramento crítico, desafiando as desigualdades e criando oportunidades de transformação social".

 

Vozes das ruas

Fruto das ruas e da cultura preta, as batalhas de rima herdaram o senso crítico e o olhar cru para a realidade, mas também a carga do preconceito. Na pesquisa "Os Bastidores do Hip Hop" (2025), desenvolvida pela produtora Dinastia Sabah, especializada em cultura urbana, mais de 92% dos artistas de hip-hop entrevistados já sofreram preconceito e 60% não conseguem tirar sustento exclusivamente do trabalho artístico.

"O hip-hop conseguiu na década de 1990 fazer a inclusão social de jovens que estavam na linha da criminalidade onde não existiam programas sociais, esses jovens viram na cultura uma oportunidade de mudar o caminho de suas vidas", diz Ana Cris da Silva Souza, uma das coordenadoras do Fórum Cearense de Hip-Hop (FCH2). Sob essa perspectiva, o FCH2 tem se mobilizado para conquistar o reconhecimento do movimento como patrimônio imaterial do Ceará, como já é realidade no Rio de Janeiro desde 2022.

"A nossa expectativa primeiro é de reconhecimento da cultura como uma ferramenta de formação crítica e de mudança social", declara a produtora cultural. Para ela, o reconhecimento por parte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) pode servir como reparação para os "veteranos da old school que resistiram a todo preconceito nas décadas de 1980 e 1990", podendo ser validados hoje como mestres da cultura.

Desde sua fundação, em 2000, o fórum almeja a implementação de políticas públicas voltadas para o hip hop. "Que possa fazer parte do cotidiano cultural do estado e que seja algo concreto, assim como é para outras linguagens culturais", prospecta Ana Cris. Conforme a coordenadora, o FCH2 foi criado para unir os grupos de hip-hop e articulá-los com o poder público e a sociedade civil.

Entre as conquistas, ela destaca a Semana Estadual do Hip-Hop, instituída pela lei estadual 14.602/2010, e o Assento para a Cultura Hip-Hop no Conselho Estadual de Cultura. Segundo a Secretaria de Cultura do Ceará (Secult-CE), a criação desse assento, em 2024, "busca intensificar sua aproximação com o Movimento Hip-Hop, visando desenvolver instrumentos de fomento específicos para a Cultura Hip-Hop".

A Secult-CE informou que não há editais específicos voltados para a cultura Hip-Hop - composta por quatro elementos: o rap, o DJ, o graffiti e o breaking. A pasta ressaltou eventos fomentados nessas linguagens, como o Planeta Hip-Hop e a Batalha do Dragão, que ocorrem mensalmente no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.

A secretaria menciona outros eventos pontuais com integração de batalhas de rima na programação ou sediados em equipamentos do Estado. A Secult-CE afirma ainda que "está em avaliação a criação de um edital próprio para a Cultura Hip-Hop ou a inclusão dela no Edital Ceará das Artes, que abrange 13 linguagens".

No âmbito da Prefeitura de Fortaleza, o primeiro edital voltado para a cultura Hip-Hop foi lançado somente em 2024, "Cultura Hip-Hop e Práticas Urbanas", realizado por meio da Política Nacional Aldir Blanc (Pnab). Sobre continuidade ao fomento, a Secretaria de Cultura de Fortaleza diz que "a linguagem seguirá contemplada em diferentes editais promovidos pela Secultfor, entre eles o programa Cultura na Calçada".

Conselheiro de Políticas Culturais do Estado do Ceará, Gabriel Mattos considera o edital Cultura Hip-Hop e Práticas Urbanas e o edital de apoio a Territórios Periféricos, que teve sua 4º edição lançada em 2024 pela Secult-CE, são políticas inovadoras conquistadas por meio da luta dos movimentos. "Apoiar as batalhas é reconhecer que a cultura periférica também é uma política pública", afirma o produtor cultural.

 

Glossário

Freestyle

Do inglês "estilo livre", nas batalhas de rima, freestyle remete ao improviso nas rimas

Punch ou punchline

A punchline é o arremate da rima, a ideia que finaliza a contrução. Por isso, precisa ser forte, fazer sentido com o suporte (aquilo que foi dito antes) para causar impacto e somar pontos.

Bate-volta

Se no formato tradicional cada MC tem, geralmente, 30 ou 45 segundos para construir sua rima, o bate-volta faz os MC's que estão duelando alternarem entre si com ataques e respostas rápidas, deixando o ritmo da batalha mais frenético e com ainda menos tempo para pensar.

Chaveamento

Em uma batalha, ocorrem diversos confrontos. O chaveamento é a organização deles. Cada confronto equivale a uma chave, normalmente definida por sorteio ou por desafio, quando um MC convoca outro para batalhar contra.

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