Abdias do Nascimento (1914-2011) carrega em sua trajetória adjetivos, profissões e títulos que o expandem para um patamar de relevância indiscutível. Escritor, senador, ativista, intelectual, dramaturgo e fundador do Teatro Experimental do Negro (TEN), é considerado uma das figuras mais importantes do movimento antirracista no Brasil.
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Sua luta pelos diretos da população negra e pela promoção da igualdade racial, bem como a valorização da cultura afro-brasileira e africana, o alçou a um lugar de resistência e inspiração. Nesta quinta-feira, 20, Dia da Consciência Negra, ele é homenageado em peça apresentada no Theatro José de Alencar (TJA), em Fortaleza.
Intitulado "Abdias do Nascimento", o espetáculo assume o palco principal do TJA às 18h e às 20 horas. Os ingressos estão à venda por valores a partir de R$ 12. A peça vem a Fortaleza em nova edição do projeto Série Cênica, idealizado pelo Instituto Dragão do Mar (IDM) e com apoio do Ministério da Cultura (MinC) e da Petrobras.
A obra mergulha nos bastidores de uma montagem em homenagem a Abdias do Nascimento que traz em seu núcleo um ator e um diretor. Em um pequeno palco, é o primeiro dia de uma produção que visa não só revisitar a sua história, mas também evocar emoções, desafios e vivências de dois homens negros que representam a memória viva de uma luta.
Responsável pela idealização do espetáculo, Lincoln Oliveira "toma a forma" de Abdias do Nascimento na apresentação. Em entrevista ao Vida&Arte, relata ter estudado o conceito de negritude durante a pandemia, pois desejava fazer uma peça sobre esse tema. Nesse processo, "sempre encontrava Abdias". Assim, conheceu mais a dimensão de seu legado.
"Foi impossível abandoná-lo. Foi um maravilhoso encontro", revela. A opção de retratar a história de forma metalinguística, na qual a montagem traz a produção de uma peça teatral, ocorreu por compreender que era a melhor solução para conseguir apresentar "dados importantes para o justo entendimento da vida e da obra de Abdias".
"Nosso maior desafio era conseguir apresentar essa enorme biografia de vida em uma hora", complementa. Lincoln afirma que não busca apenas interpretar o Abdias, mas contar sua história.
Apresentado em Fortaleza no Dia da Consciência Negra, o enredo serve, para o ator, como "resgate histórico, reconhecimento e referência": "O Brasil está mudando, e muitas dessas mudanças passam pela luta de Abdias. Fortaleza é uma cidade com uma produção cultural muito boa. Fazer a peça aqui, no 20 de novembro, reforça essa qualidade da Cidade".
No espetáculo, Lincoln divide cena com Fernando Porto, que interpreta o diretor responsável não só por dirigir a atuação, mas guiar "a própria jornada da peça para que ela seja mais do que uma simples recriação de fatos históricos", segundo a sinopse. Na obra, é a figura que levará o público até "a alma" de Abdias.
"Faço um diretor jovem, com todos os anseios de ser um jovem artista criativo. Tenho 33 anos, mesma faixa etária que o Abdias fundou o Teatro Experimental do Negro e sinto uma ferve ao fazer a peça, que me traz o mesmo entusiasmo de fazer teatro, de letrar o povo, de realizar mudanças estéticas. Penso nele o tempo todo em cena", relata Fernando.
A obra trabalha o conceito de um ator e diretor "que se desnudam não só de seus personagens, mas de suas próprias identidades enquanto homens negros na sociedade brasileira. Para Fernando Porto, são dois personagens provocativos, que interrogam a história do Brasil e do Teatro Moderno Brasileiro para "refletir o espaço do negro em diversos setores culturais, políticos e sociais".
"Esse jovem diretor se depara com um ator mais velho, experiente, criativo, que também duvida e provoca - o que causa, muita das vezes, uma tensão geracional no palco. É divertido ver como os dois resolvem isso. Esses dois personagens são espelhos e contraponto de um mesmo Abdias", explica.
Como afirma o artista, o espetáculo não tenta contemplar toda a vida e obra de Abdias, tamanha é a extensão de seus feitos. Além disso, não há interesse em apresentar uma narrativa linear e datada. O "barato" da peça é como seus participantes transitam entre interpretar, contar, dançar e cantar a trajetória do autor.
Na função de diretor (oficial) do espetáculo, Johayne Hildefonso atesta que a construção do trabalho foi inspirada na riqueza humana, cultural, política e social de Abdias do Nascimento, um homem "que lutou e abriu caminhos" para as pessoas pretas. Hildefonso destaca a composição do elenco, com dois atores pretos e dois diretores pretos - ele divide a direção com Iléa Ferraz.
"Isso só está sendo possível porque Abdias defendia a igualdade racial abrindo portas para que artistas pretos fossem igualmente valorizados. É importante ressaltar que todos os objetos de cena do espetáculo são feitos de fibras naturais, sementes, cascas diretamente dos nossos seis biomas desse país imenso que é o Brasil diverso", enfatiza.
Johayne defende a obra para a valorização da memória do ativista: "É a primeira vez que a história de Abdias é contada no teatro e isso é de uma importância incalculável. É preciso que todos conheçam a vasta obra deste dramaturgo, pintor, escritor, professor e político brasileiro. Contar essa história é nossa principal missão".
Abdias do Nascimento