Da ancestralidade dos movimentos populares à técnica do ballet clássico, ampliando para a originalidade das modalidades urbanas e contemporâneas, o cenário da dança cearense - a partir de um processo histórico de crescimento e profissionalização - tem se consolidado ano após ano.
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Apesar da notável formação de profissionais na área, a Cidade mostra possibilidades limitadas aos interessados em viver o sonho e dedicam horas ensaiando para executar os melhores movimentos. O desejo de seguir carreira exclusivamente como bailarino, então, fica latente.
Para Lucas Vaz, artista cênico em dança com foco em dança experimental, "Fortaleza é uma capital que respira dança de forma muito consistente". Ele destaca que há registro de resistências de coletivos de dança, de movimentos políticos e de lutas coletivas que prepararam um "solo forte e fértil" para a cena.
"Precisamos avançar urgentemente em possibilidades trabalhistas. A Cidade vem formando muitos intérpretes, criadores, bailarinos, pesquisadores de dança; artistas que alimentam uma cadeia de produção em artes que precisa ser pública, ter vazão no mundo", ressalta.
O artista acrescenta: "É necessária uma ampliação das possibilidades de trabalho no campo da difusão, dos trabalhos em cartaz, da empregabilidade de artistas da dança em companhia, de fomentar uma cultura de formação de plateia nos teatros e nos espaços de realizações artísticas".
Atualmente, no Estado, é comum encontrar escolas e ONGs dedicadas ao ensino, assim como equipamentos que disponibilizam formações gratuitas. Diferente de outros estados, o Ceará não conta com uma companhia pública de dança para que os artistas pudessem exercer o ofício de forma remunerada.
Para o bailarino Israel Mendes, integrante do Studio de Dança Mainara Albuquerque, a ausência de uma companhia estadual incentivada pelo poder público é um fator desafiador para a permanência dos artistas na linguagem.
Ele avalia que há necessidade do investimento em serviços de saúde voltados aos profissionais, como fisioterapia e terapia, para poderem "estar completos em cena, em vida, em alma". "Até temos editais e ações que ajudam artistas locais a terem uma fé em seguirem a carreira em Fortaleza, mas muitos precisam tirar do próprio bolso para fazer acontecer suas vidas e só mais adiante receberem o retorno", diz.
Israel elabora que artistas de algumas modalidades para além do ballet clássico não recebem reconhecimento - limitando-se em competições de eventos privados, que "restringem ainda mais o acesso e elitizam ainda mais a cultura".
Tal avaliação é compartilhada por Lucas Vaz. Ele pontua que no cenário das danças urbanas - "insuficientemente reconhecidas como uma linguagem artística profissional, altamente estigmatizadas e marginalizadas" - é comum ver dançarinos que produzem em outras áreas ou buscam oportunidade na docência.
"Os eventos de dança estão escassos, muitos dançarinos vão para a docência, ou estão concentrados em coletivos que ficam à espera de editais de difusão ou pesquisa. Há, também, aqueles que nem sequer acessam políticas de cultura como os editais ou desconhecem devido a dificuldade de acesso", pontua.
Dançar e ensinar
"Comecei a dar aula muito nova. Eu sempre gostei de trabalhar com crianças, com 12 (anos) eu já acompanhava as professoras em sala de aula, aos 15 (anos), já tinha turma fixa", foi assim que a professora de ballet Natasha Quintela iniciou sua carreira no ensino da dança.
Filha da professora e coreógrafa Socorro Quintela e sobrinha da também professora e bailarina Goretti Quintela (1957-2019), Natasha cresceu envolvida pela dança. Antes de atuar na docência, a artista seguiu carreira em Lima, no Peru, depois viveu na Bélgica, e, em seguida, foi para o Rio de Janeiro, onde passou dez anos.
Durante sua carreira como bailarina na capital fluminense, ela atuava paralelamente como professora e, após algum tempo, desenvolveu o desejo de abrir sua própria escola. Assim, retornou ao Ceará e abriu o espaço que leva seu nome no bairro Cidade dos Funcionários.
"Comecei a me estimular mais para ser professora porque a carreira do bailarino não é tão longa, a gente lida com o físico, como um atleta de alto rendimento. Na época, a gente tinha uma carga horária de quase 8 horas, com ensaios e treinos paralelos à dança, porque bailarinos precisam desse acompanhamento", relembra.
Sobre a variedade de oportunidades de trabalho como bailarino em Fortaleza, ela admite que a falta de uma companhia reflete na migração de artistas, que seriam potenciais integrantes na composição de um grupo. Os jovens profissionais precisam seguir para outros estados e até países.
Para o professor de dança da Vila das Artes, Luiz Otávio Queiroz, a elaboração de uma companhia no Ceará seria "um avanço". Entretanto, para o especialista, no caso do desenvolvimento de um grupo seria necessário considerar a diversidade de bailarinos e modalidades.
"Criar uma companhia pública no Ceará, além do investimento, exige um cuidado de saber como esse projeto será construído, um projeto que respeitasse e abrigasse essa diversidade", acrescenta.
Luiz conta que o interesse para seguir carreira na dança teve influência do seu processo de formação iniciado com o Curso de Princípios Básicos do Theatro José de Alencar. A busca por especializações o levou até a graduação em Dança pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará (IFCE). Após a conclusão da formação, a professora Mônica Marçal o indicou para ser professor do curso de extensão.
"Foi uma coisa muito natural. Porque nós, artistas, vamos buscando outras alternativas de viver da arte. Então, a docência foi muito a partir da influência dos professores que me incentivaram e viram esse lugar que podia ser interessante para mim", complementa.
Atualmente, no Ceará, existem políticas públicas destinadas à cultura, uma das principais ações é a execução de editais permanentes - como o Mecenas do Ceará. Outras iniciativas são o Edital de Incentivo às Artes e as chamadas públicas, como a Temporada de Arte Cearense (TAC) - voltada para ocupação das linguagens artísticas na Rede Pública de Espaços e Equipamentos Culturais do Estado do Ceará.
"O mercado das artes depende muito de edital, principalmente quando é de criação. Já existe fomento à pesquisa de criação, tem os incentivos de circulação, mas é importante frisar a necessidade de uma continuidade desses projetos", comenta Luiz.
O bailarino considera que o investimento é "fundamental para fortalecer a rede de formação de coletivos, profissionais independentes e espaços culturais". Segundo ele, essa comunidade precisa ser valorizada com "contribuições para além dos eventos pontuais".