Produções sobre policiais infiltrados costumam partir de um alicerce comum: identidades falsas, riscos permanentes e a tensão entre o que se é e o que se precisa aparentar. A Agente, série dinamarquesa criada por Samanou Acheche Sahlstrøm, não se distancia da tradição do gênero, mas encontra uma abordagem singular ao transformar esse terreno conhecido num estudo psicológico denso e incômodo.
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A série recém-lançada pela Netflix e que ficou entre as maiores audiências da plataforma em mais de 60 países, incluindo o Brasil, se estrutura menos na ação e mais na complexidade emocional de personagens que carregam feridas antigas e escolhas duvidosas.
A protagonista Tea Lind, interpretada com impressionante maturidade por Clara Dessau, é apresentada enquanto ainda participa de seu treinamento policial. Quando é retirada abruptamente do curso para ingressar no serviço de inteligência, o impacto é imediato: não se trata de promover uma jovem solitária e promissora, mas de lançar ao submundo alguém que enxerga a vida com uma combinação rara de frieza e inteligência. Dessau domina cada cena e expressa muito com pouco, revelando camadas profundas sem cair em dramaticidade excessiva. Sua atuação é, sem exagero, o coração do projeto.
A missão de Tea consiste em assumir uma nova identidade, a de dona de uma joalheria de luxo, para se aproximar de Ashley, interpretada por Maria Cordsen, companheira do traficante de drogas Miran, vivido por Afshin Firouzi. Essa aproximação, que poderia até ser apenas um artifício narrativo, se torna o eixo emocional da série. Ashley não é uma vítima simplista, e Miran tampouco é apenas o vilão previsível: ambos revelam contradições e fragilidades que alimentam a sensação de instabilidade moral. A protagonista, acolhida pela família do criminoso e estimulada a desempenhar um papel que exige mente fria, começa a vacilar quando a empatia se infiltra nos espaços que deveriam permanecer profissionais.
Filmada inteiramente em Copenhague, "A Agente" aposta em interiores, corredores estreitos, salas abafadas e poucos momentos externos. Essa estética contida ajuda a criar sensação de enclausuramento, simbolismo natural do que a personagem principal vive. Não há perseguições espetaculares, explosões e nem efeitos grandiosos. A série prefere diálogos densos e surpresas na forma como cada um vai escapando dos problemas. Essa contenção revela confiança no elenco, e ela é recompensada: Dessau, Cordsen e Firouzi formam um trio de interpretações precisas, sempre à beira de algo que pode romper.
Com seis episódios bem estruturados, cada um em torno de 45 minutos, a narrativa avança com precisão e de forma linear. Não há reviravoltas mirabolantes e nem mistérios insolucionáveis, o que é ótimo. O suspense se constrói de forma gradual, sustentado pelo temor constante de que Tea será descoberta - e pelo medo mais sutil de que ela descubra algo sobre si própria que a impeça de seguir adiante. Ao contrário de tantas obras, o roteiro consegue mostrar que a infiltração impõe riscos não apenas físicos, mas emocionais.
No fim, a série não busca reinventar o thriller policial, mas aperfeiçoá-lo ao reduzir o ruído externo e aumentar o volume das tensões internas. É justamente tal combinação que faz a produção valer cada minuto: acompanhamos Tea não apenas pelo que ela arrisca, mas pelo que ela pode perder no processo.