"Só haverá futuro para humanos e não humanos se a ação de reversão da crise climática for uma ação no presente", pondera Beatriz Furtado, professora do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará (UFC) e uma das curadoras da 15ª Mostra Cinema e Direitos Humanos.
A reflexão da realizadora audiovisual sintetiza o foco desta edição do festival que carrega o tema: "Direitos humanos e emergência climática: rumo a um futuro sustentável". A mostra cinematográfica se estende até sábado, 29, com 21 filmes selecionados, sendo três produções cearenses.
INSTAGRAM | Confira noticias, críticas e outros conteúdos no @vidaearteopovo
O elo entre as produções está no debate da questão ambiental e a maioria tem a perspectiva de cineastas indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Para a curadora, a decisão da temática vai para além de uma mera homenagem, exercendo um papel de compartilhar a cultura, a memória e a ancestralidade desses povos que passaram por silenciamento.
"Ou aprendemos a pisar devagar nessa Terra que nos acolhe, como diz Ailton Krenak, ou ela vai nos deixar para trás. A Terra dá, a Terra quer. É de um indígena que nos ensina qual deve ser o ritmo dos nossos passos. É com um lavrador, do Vale do Rio Berlengas, no Piauí, que precisamos aprender a ouvir as vozes dos povos de quilombos", ressalta a curadora.
Em 2024, o Brasil registrou aumento "alarmante" de desastres climáticos, segundo estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A média anual de desastres relacionados ao clima entre 2020 e 2023 marcou 4.077 casos. Diante dos dados, a seleção feita em conjunto com Janaína de Paula - jornalista e pesquisadora em audiovisual - focou nas produções que debatem as questões ambientais.
Cartografia do Lazer: Um roteiro de diversão e compras por Fortaleza
"Os alertas sobre os impactos das mudanças climáticas, causadas pelo uso virulento da Terra, estão dados. Vivemos um estado de emergência climática. O questionamento do futuro da vida no planeta é o marco curatorial que guiou a seleção dos filmes. A resposta que os filmes nos dão é: O Futuro é Agora. Ou não será", comenta Furtado.
A homenageada desta edição é a cineasta Sueli Maxakali - liderança dos tikm'n, povo indígena originário de uma região entre Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo. O seu trabalho no audiovisual resgata as relações ancestrais e ambientais. No longa "Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá" (2025), que será exibido na mostra, Sueli aborda a busca pelo pai com quem ela não conviveu, porque a ditadura militar o separou da família.
Também com obra em exibição no evento, Kulumyn-Açu, um dos diretores cearenses participantes, compartilha como a conexão com a natureza é fundamental na construção do seu trabalho: "Minha família habita o Rio Ceará. Nosso pertencimento é pelas águas. A presentificação indígena também acontece nos territórios de natividade. Nos Machacalis, aprendi que o rio e a mata são professores. Tomar banho de rio é como sentar numa cadeira de aula: a natureza ensina".
Intitulado de "As Lavadeiras do Rio Acaraú transformam a embarcação em nave de condução", o filme revisita memórias familiares e territoriais a partir da cultura da lavagem de roupa nos rios do Ceará com destaque no ancestralismo, nos trabalhos comunitários e na relação com a água. O diretor afirma que articular território, natividade indígena e resistência é uma forma de garantir esperança para o futuro.
"Produzir cinema a partir de documentos históricos e do território é uma vitalidade. É falar dos rios e das nossas memórias pela nossa própria boca. Somos fruto da diáspora entre sertão e Capital. Fazer cinema é romper retiranças antigas e lançar uma flecha nova sobre como queremos contar nossas histórias", acrescenta.
Sob o viés de esperança, a diretora cearense Camilla Osório acredita que o audiovisual desempenha a necessidade de retratar as questões urgentes. Na animação da sua autoria, "No início do mundo", apresenta Maíra, uma menina que encontra força nas histórias de sua avó e na natureza para superar momentos difíceis.
"Penso que o lugar do artista é muito o de perceber, interpretar e expressar o espírito do tempo. Temos muitas preocupações, angústias e urgências coletivas. Com o meu trabalho busco contribuir para expressar e elaborar essas dores e também para imaginar novas possibilidades para o futuro", ressalta.
Kulumyn reafirma a importância de histórias que recuperam memórias e saberes que foram silenciados. Para ele, obras que partem dos rios, das comunidades tradicionais e das histórias familiares ajudam a preservar territórios afetados pela lógica de "progresso". O cineasta defende que preservar as águas é preservar a própria memória — e que, sem rios vivos, práticas culturais e modos de vida correm o risco de desaparecer.
15ª Mostra Cinema e Direitos Humanos em Fortaleza