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Análises: Vale a pena assistir 'Casa de Dinamite'?
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Análises: Vale a pena assistir 'Casa de Dinamite'?

A diretora de "Guerra ao Terror" e "A Hora mais Escura" lança novo filme com tema bélico fazendo um retrato do medo e da indecisão humana diante do caos destruidor. Vida&Arte convidou três analistas para falar sobre o longa que está disponível na Netflix
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A narrativa do longa se desenrola depois que um míssil sem autoria identificada é lançado contra os Estados Unidos. Produção está disponível na Netflix
 (Foto: Eros Hoagland/Divulgação)
Foto: Eros Hoagland/Divulgação A narrativa do longa se desenrola depois que um míssil sem autoria identificada é lançado contra os Estados Unidos. Produção está disponível na Netflix

Análise de Fernando Graziani

Kathryn Bigelow ficou sete anos sem lançar um longa. A primeira mulher a vencer o Oscar de melhor direção por "Guerra ao Terror" (2008) parecia distante do assunto que mais marcou sua trajetória, mas agora completa sua trilogia, também formada por "A Hora Mais Escura", de 2012. Com "Casa de Dinamite", ela retorna ao território em que se sente mais à vontade: o da tensão humana diante de decisões irreversíveis. O resultado é um filme cerebral, técnico e perturbador, que não aposta em explosões, mas no silêncio - aquele que precede o fim do mundo.

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O roteiro, assinado por Noah Oppenheim (Jackie), parte da seguinte perspectiva: um míssil nuclear é detectado vindo do Pacífico e, em 18 minutos, vai atingir Chicago. A partir daí, o filme se divide em três capítulos - Comando Estratégico, Segurança Nacional e Casa Branca - cada um mostrando o mesmo intervalo de tempo sob o ponto de vista de diferentes instâncias do poder americano.

Essa estrutura é o coração do roteiro e também a sua armadilha: o primeiro capítulo é o mais eletrizante, com ritmo frenético e uma sensação de caos real. Nos dois seguintes, o impacto diminui, mas o desconforto cresce, à medida que percebemos o quanto a dúvida e o medo são universais, mesmo entre generais, técnicos e políticos.

Bigelow, que faz vastas pesquisas jornalísticas durante seus trabalhos, filma em vários momentos como se fosse um documentário, com imagens nervosas. As câmeras estão sempre próximas dos rostos, os cortes são bruscos, os diálogos se sobrepõem, e a sensação é de que o espectador está dentro da sala de controle. Não há um protagonista claro. Há bons atores - Rebecca Ferguson, Jared Harris, Anthony Ramos e, no capítulo final, Idris Elba como o presidente dos Estados Unidos - mas nenhum deles jamais se impõe sobre o conjunto. O verdadeiro protagonista é o que o míssil representa: a incapacidade humana de lidar com o poder que criou.

O filme não se interessa em explicar de onde veio a ameaça ou por que foi lançado. Se foi um erro técnico, um ataque intencional ou uma falha de sistema, pouco importa. Essa falta de respostas frustra parte do público - e achei importante deixar tal ponto claro aqui, por mais que eu discorde amplamente, até porque é exatamente aí que a história encontra sua força essencial. Casa de Dinamite não é sobre uma guerra, e sim sobre o medo de uma guerra - um medo coletivo e expõe o absurdo da lógica militar. Há também uma crítica explícita, ainda que discreta, ao investimento bilionário em armamentos que, no momento da crise, mostram-se inúteis ou inoperantes.

O terceiro capítulo, centrado na Casa Branca, traz a figura do presidente diante da decisão impossível: retaliar sem saber contra quem. É o ápice da tensão moral que permite a destruição do mundo por uma pessoa, se assim ela desejar. Bigelow transforma o dilema em uma questão quase existencial: que tipo de civilização constrói máquinas capazes de acabar com o planeta e, ao mesmo tempo, teme apertar o botão?

O desfecho mantém a ambiguidade. Não há resposta definitiva. Há apenas o olhar vazio dos que esperam o impacto - real ou simbólico - e o som de uma respiração suspensa. É um final que irrita quem busca todas as soluções de películas comuns, mas que condiz com o necessário desconforto direto.

"Casa de Dinamite" não é um filme fácil. Nem pretende ser. Exige atenção e paciência, e recompensa quem entende que a ameaça não está no míssil, mas nas pessoas que precisam decidir o que fazer com ele. Kathryn Bigelow, mais uma vez, elabora o medo e mostra que o verdadeiro horror é humano.

 

Filme
Filme "Casa de Dinamite" foi lançado na Netflix Brasil no final de outubro e é estrelado por Rebecca Ferguson, Idris Elba e Anthony Ramos

Dentro da crise

Leia análise de Jansen Lucas

A tensão de uma crise nuclear iminente, resultado das complexas relações entre os países detentores de armas nucleares, já faz parte do nosso cotidiano. Ao acompanhar os noticiários, frequentemente nos deparamos com demonstrações de poder militar nuclear por parte de diversas nações, num jogo de ameaças mútuas: "Se vocês me atacarem, atacaremos de volta".

Mas o que aconteceria se uma dessas potências realmente decidisse atacar? Ou, pior ainda, se um ataque fosse realizado secretamente, sem motivo aparente, e os responsáveis não se revelassem?

É sobre essa trama que a aclamada diretora e vencedora do Oscar Kathryn Bigelow (de "A Hora Mais Escura" e "Guerra ao Terror") constrói seu novo thriller político, "Casa de Dinamite". O filme coloca o espectador no epicentro de uma crise global, explorando a ineficiência das decisões humanas dentro das grandes instituições de segurança.

Após o lançamento de um míssil nuclear em direção aos Estados Unidos, uma ação coordenada entre militares, agentes de segurança nacional e figuras políticas se torna essencial, não apenas para evitar um "possível desastre", mas para responder de maneira proporcional ao "possível ataque".

Conhecida por sua habilidade em criar suspenses psicológicos, Bigelow não decepciona ao retornar a esse tema, focando em pequenos núcleos de personagens cujos pontos de vista são alternados ao longo do filme.

Cada decisão de um desses personagens pode, potencialmente, levar à destruição em massa do mundo, por meio de uma guerra nuclear.

A montagem de Kirk Baxter é intensa, dividindo o filme em três partes, que aumentam a urgência das decisões ao passar dos atos, como uma escada em que cada degrau representa o risco de extinção humana, caso alguém cometa o erro de pisar em falso.

Esse ritmo, aliado ao roteiro de Noah Oppenheim, é fundamental para construir o clímax do filme e apresentar a possível resposta do país diante do ataque.

No entanto, ao adotar diversos pontos de vista, o roteiro de Oppenheim apresenta personagens coadjuvantes, mas falha em desenvolvê-los de maneira consistente. Embora isso não prejudique completamente a trama, a falta de profundidade de algumas figuras acaba "deixando a desejar".

A atuação de Rebecca Ferguson, como Olivia Walker, é, sem dúvida, o grande destaque do longa-metragem. Interpretando uma capitã de segurança e mãe de família, a atriz traz uma personagem profunda emocionalmente, sem jamais negligenciar seu dever.

Ela equilibra a frieza ética necessária para o cargo, enquanto lida com a angústia da possibilidade de uma catástrofe.

Mas o verdadeiro brilho do longa está na exploração das relações de medo e tensão entre os Estados Unidos e outras potências nucleares, bem como na fragilidade das decisões que podem levar à aniquilação humana.

Em um contexto em que os responsáveis se veem diante de um dilema tão complexo, é impossível tomar uma decisão coerente em um tempo tão curto.

"Casa de Dinamite" expõe de forma contundente a tensão nuclear que vivemos atualmente e nos faz refletir sobre a real segurança proporcionada pelas armas nucleares aos países que as detêm.

O filme revela que essas nações são, na verdade, prisioneiras de uma gigantesca bomba-relógio, sobre a qual nenhum país tem controle total das consequências, independentemente de usá-las em legítima defesa ou não.

 

Filme
Filme "Casa de Dinamite" foi lançado na Netflix Brasil no final de outubro e é estrelado por Rebecca Ferguson, Idris Elba e Anthony Ramos

Suspense bélico

Análise de Arthur Gadelha

Poderia ser mais um dia comum para a equipe militar dos EUA vistoriando espaço aéreo e terrestre do mundo, se não fosse por um ataque súbito: quando os radares detectam um míssil de origem não identificada em trajetória para colidir com Chicago, tudo vira do avesso.

Será verdade? Quem está atacando? É possível interceptar ou faz mais sentido já dar início a uma retaliação contra um inimigo invisível?

Kathryn Bigelow parte desse suspense para criar "Casa de Dinamite" - uma narrativa cíclica sobre como os departamentos de inteligência agem diante
da sombra eterna do
11 de setembro.

Antes que o próprio presidente seja avisado, o temor de que nenhum órgão consiga lidar com a iminência do ataque opera de forma desastrosa. Apesar de ter um formato muito cansado ao recontar os mesmos 20 minutos em diferentes pontos de vista, a trama engata pela leitura irônica.

Na tela, a estrutura bélica que sustenta a hegemonia comercial e política dos EUA no mundo ocidental é feita para que precise ser liderada por um vilão.

Afinal, quando chegar a hora de responder à altura do terrorismo, a sociedade americana pode recorrer a alguém sem piedade. Essa construção não tem tanta profundidade na forma como a trama é apresentada, especialmente pelo presidente sem pulso de Idris Elba, mas a constatação é engenhosa.

Barack Obama venceu o Nobel da Paz sendo o único presidente americano que passou todos os dias do seu mandato em guerra, ainda assim conseguindo erguer uma imagem progressista para o eleitorado democrata.

Apesar de não figurar o presidente do mundo real, fazendo Elba interpretar um chefe de estado emotivo e assustado, o filme nos faz entender como Donald Trump estava mesmo destinado a ser o vilão perfeito, alçado como líder de uma nação que inventa o medo da explosão para poder explodir o mundo.

Trump atualizou até o nome do "Departamento de Defesa" para "Departamento de Guerra", uma mudança que ultrapassa o mero simbolismo para ser, em si, uma resposta: sem guerras, não há EUA. No fim do dia, essa Casa de Dinamite pode até não saber se defender, mas está sempre pronta para atacar.

O que Bigelow tem de mais forte nesse discurso são os primeiros 30 minutos, guiado com vigor por Rebecca Ferguson como uma capitã que luta para esconder seu medo enquanto precisa lidar com o que está acontecendo diante dos seus olhos.

Se a interceptação à ogiva nuclear desconhecida não der certo? A tensão está não apenas no seu olhar, mas na expressão do seu corpo inteiro.

É um começo hipnotizante, principalmente porque vamos sendo tomados por essa angústia enquanto todas as lideranças ao redor murcham cada um do seu jeito. A diretora insiste na estética documental de uma câmera que treme e caminha pelos espaços para reforçar a urgência.

Depois disso, o filme dá voltas e voltas para dizer a mesma coisa. Há um núcleo no pentágono com um chefe incompetente e outro com o próprio presidente que, diante da ameaça, precisa escolher que tipo de guerra vai atrair.

"Você acha que o povo americano vai engolir isso?", ele pergunta aflito quando encara a possibilidade da população de uma grande metrópole ser dizimada em menos de cinco minutos.

Há certo cinismo também na retratação desses poderes, fazendo-os parecer até piedosos quando precisam decidir quem morre. Não parece suficiente para sustentar a irreverência da história, especialmente porque escolhe deixar o espectador numa expectativa com pouca utilidade - por outro lado, o fim anticlimático também diz o óbvio: as guerras não acabam.

 

"Casa de Dinamite"

  • Onde assistir: Netflix
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