O que parecia apenas uma suspeita se tornou constatação: não houve cinema mais discutido no mundo em 2025 do que o brasileiro. O estrondo que "Ainda Estou Aqui" causou ainda nos primeiros dias do ano fez o mundo inteiro olhar para cá e perceber que tem muita coisa acontecendo há muito tempo.
Não foi à toa que o Festival do Rio recebeu comitiva exclusiva da Academia do Oscar, que a Mostra de São Paulo trouxe o mestre iraniano Jafar Panahi para receber o Troféu Humanidade ou que Cannes, o maior festival de cinema do mundo, elegeu o Brasil como País de Honra.
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Norte na Tela
Além da praia carioca e das ruas recifenses, outras partes do Brasil ganharam destaque no circuito de exibição. Do norte, os rios e florestas amazônicos ganharam novas sensações com "O Último Azul", de Gabriel Mascaro.
Na pele de uma mulher que foge da condenação da velhice, Denise Weinberg ultrapassou o círculo de festivais da Europa e venceu prêmios de atuação em Cuba, México e China. No Pará, "Manas", de Marianna Brennand, trouxe a Ilha do Marajó mais perto para compor uma denúncia sensível sobre violência sexual contra crianças e mulheres. O filme estreou no Festival de Veneza em 2024 e conquistou bom espaço no circuito comercial neste ano.
Brasil e Oscar
Quando Fernanda Torres subiu no palco do 82º Globo de Ouro em janeiro, alguma peça do universo pareceu mudar de lugar. Dois meses depois, "Ainda Estou Aqui" se tornou o primeiro brasileiro a vencer o Oscar de Melhor Filme Internacional, transformando a apoteose do nosso Carnaval numa festa de cinema.
Em maio, as expectativas se dobraram para a estreia de "O Agente Secreto" no 78º Festival de Cannes, edição em que o Brasil havia sido eleito o País de Honra da maior feira de mercado cinematográfico do mundo. Quando venceu os históricos prêmios de Melhor Direção e Melhor Ator, o desenho parecia traçado: muito mais cedo do que qualquer brasileiro seria capaz de imaginar, o País já estava na rota do Oscar de novo. O Brasil será capaz de vencer dois Oscars seguidos? Cena histórica que deixamos para a retrospectiva de
2026 responder.
Outros Centro-Oestes
Com pouca presença no circuito comercial, o cinema goiano apresentou um grande representante ao reconfigurar com ironia a essência dos faroestes: com a escalação gravitacional de Rodger Rogério, Antônio Pitanga, Angelo Antonio e Babu Santana, "Oeste Outra Vez", de Érico Rassi, filmou a decadência melancólica de um mundo machista de homens condenados a matar um ao outro, sem propósito.
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Na contramão, os afetos femininos recriaram saudade e luto com "A Natureza das Coisas Invisíveis", da brasiliense Rafaela Camelo, em que o elenco infantil sustenta temas ainda tratados como tabu, especialmente quando Sofia (interpretada por Serena) surge, uma garota que viveu de perto uma morte muito pessoal.
De Olho no Ceará
Embora não tenha tido tantos lançamentos como em 2024, o cinema cearense se manteve forte na discussão. A comédia "Morte e Vida Madalena", de Guto Parente, estreou no FIDMarseille (França) e depois aterrissou no Festival de Brasília para ganhar o Prêmio da Crítica. Em setembro, fez uma sessão vibrante no encerramento do 35º Cine Ceará.
Protagonizado por Noá Bonoba, a trama sobre uma equipe desesperada para terminar um filme após a morte do diretor percorreu ainda São Paulo, Sergipe e Paraíba. Em Cannes, quem ganhou os holofotes foi a Escola Porto Iracema das Artes, que guiou o projeto Directors Factory com a Quinzena dos Cineastas, apresentando quatro curtas-metragens co-dirigidos por cineastas brasileiros e internacionais - dentre os integrantes cearenses, Luciana Vieira, Wara, Ana Luiza Rios e Jupyra Carvalho. No circuito de salas, o destaque ficou com "O Melhor Amigo", musical de Allan Deberton gravado em Canoa Quebrada que investe na comédia romântica com custo de produção independente.
E do lado de fora?
Apesar da expectativa de que "O Agente Secreto" venceria a Palma de Ouro em Cannes, a honraria ficou com o iraniano Jafar Panahi pelo filme "Foi Apenas um Acidente" que ironiza a perseguição que ele sofre pelo governo autoritário do seu país.
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Alçado ao reconhecimento do mercado ocidental, é curioso que seu nome chegue forte na corrida pelo Oscar justamente no ano em que Hollywood está pelo avesso com a venda caótica da Warner Brothers ou com a Walt Disney investindo em IA. Se a pesada indústria americana submergir, quem se salva é justamente o cinema internacional que nunca dependeu dela.