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Ensino híbrido: legado da pandemia para a educação?
Reportagem Especial

Ensino híbrido: legado da pandemia para a educação?

Em entrevista exclusiva ao O POVO, Alexandre Campos, head do Google for Education para o Brasil, defende um futuro de aulas presenciais e online. Aplicativos do Google reúnem 120 milhões de alunos e professores ao redor do mundo

Ensino híbrido: legado da pandemia para a educação?

Em entrevista exclusiva ao O POVO, Alexandre Campos, head do Google for Education para o Brasil, defende um futuro de aulas presenciais e online. Aplicativos do Google reúnem 120 milhões de alunos e professores ao redor do mundo
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Uma das apostas para a educação após o período de pandemia pelo novo coronavírus é o ensino híbrido, quando parte das aulas é presencial e outra, online. A avaliação é feita por Alexandre Campos, head do Google for Education para o Brasil, nesta entrevista exclusiva ao O POVO.

Pela ferramenta Google Meet, no início de junho, o representante da marca global respondeu a várias questões, que geram dúvidas quanto ao futuro da educação. Recluso com a família em São Paulo, Alexandre - que também revelou-se um frequente visitante do Ceará, de onde lembra do Mercado dos Peixes -  frisou ainda a necessidade de estarmos em busca de resoluções para os entraves do ensinar e aprender.

“Não existe uma solução pronta. Cada país, cada estado, como um nós no Brasil, vai definir como voltará. É um momento em que todo mundo tem de estar debruçado nesse planejamento para que a volta seja com segurança.”

As ferramentas do G Suite, plataforma do Google com aplicativos personificáveis, como Classroom, Drive, Gmail e Agenda, já são usadas por 120 milhões de professores e estudantes globalmente. No Brasil, diversas redes de ensino aderiram aos utilitários. No Ceará, o Ensino Médio da Rede Pública utiliza as ferramentas nas aulas remotas. Confira entrevista.

O POVO - O Google tem o projeto Google for Education. Como está a parceria com as secretarias de educação e escolas no País? Houve uma mudança no uso das ferramentas da iniciativa durante pandemia do novo coronavírus?

Alexandre Campos - O Google tem a plataforma chamada G Suite for Education, gratuita para escolas públicas, privadas e universidades. Ela sempre foi gratuita. O que acontece hoje: o vírus nos trouxe uma necessidade muito maior de usar a tecnologia para podermos reduzir os desafios de distanciamento social que estamos vivendo. Muitas empresas não acreditavam na possibilidade de ter seus colaboradores trabalhando de casa e que esse modelo fosse funcionar. Esse momento da tecnologia ganhou uma importância maior por permitir que o mínimo da atividade profissional continue.

Na educação não é diferente. Pelo contrário, o desafio é maior ainda. O Brasil tem muitas crianças que vão à escola por conta da merenda, não apenas estudar. O professor, como qualquer outro profissional, precisa se adaptar muito rápido e mudar a forma de trabalhar. Assim como os alunos têm o desafio de mudar a forma de aprender. Além disso, os pais estão em um cenário social diferente. Uma coisa é levar a criança à escola e buscar na hora do almoço. Outra é conseguir trabalhar com os filhos correndo em casa e tendo que ter concentração.

Muitos lugares ainda estão de férias para, justamente, poderem planejar. A nossa plataforma permite que os professores e alunos tenham identidade digital. Que o professor possa disparar as tarefas no Google Classroom, e o aluno responda mesmo tendo apenas um celular em casa com um a banda larga muito fraca.

E aí, a gente chega ao desafio do Brasil de conexão. Muitas crianças não têm banda larga em casa. Então, como elas irão se conectar? Nós estamos trabalhando com vários estados, fizemos a doação da plataforma gratuita, demos suporte aos profissionais de TI para que eles criassem as contas dos professores e dos alunos, criassem as salas virtuais, para que eles pudessem planejar essa volta às aulas.

O grande desafio é como você planeja essa volta às aulas. Como ela se dá? Que percentual será virtual e que percentual será presencial? O estado do Ceará, por exemplo, anunciou a parceria com a plataforma e estão fazendo lives de formação com os professores, há mais ou menos 45 dias.

OP - Qual a atuação do Google for Education junto às secretarias de educação?

Alexandre Campos - A secretaria pede o uso gratuito do G Suit For Education. O time de tecnologia da secretaria de educação passa a administrar o ambiente e começa a criar as contas de usuários. Nós fazemos um webinar com a equipe técnica para orientá-la e compartilhamos documentos de melhores práticas de uso de tecnologia para que eles possam colocar a plataforma no ar.

Segundo ponto: nós compartilhamos casos de uso da tecnologia em escolas, pelo Brasil e pelo mundo, que estão dando certo para que eles possam se inspirar e colocar suas soluções para rodar. O que a gente entrega é a plataforma, quem comanda são as secretarias de educação ou as escolas privadas.

A gente vê muitas escolas particulares que foram para o modelo híbrido mais rápido porque tinha sido investido na formação dos professores antes. Já tinham preparado o professor para esta migração para o digital.

O bacana é que não foi apenas nas escolas privadas que isso aconteceu. Existem vários municípios e redes públicas, como em Jaguará do Sul, em Santa Catarina, Ipatinga, em Minas Gerais, e São Caetano do Sul, aqui em São Paulo, que conseguiram fazer esse modelo híbrido e já está funcionando. Antes da Covid, eles priorizaram o investimento em educação e tecnologia.

OP - A prévia de uma levantamento feito pelo Unicef, que deve ser lançado neste mês, mostra que 17% dos estudantes das escolas públicas, com idade entre 9 a 17 anos, não têm acesso à internet. O que um gigante da tecnologia como o Google pode fazer para melhorar a questão da exclusão digital em um país como o Brasil?

Alexandre Campos- Nós estamos ajudando milhões de alunos e professores no País gratuitamente com uma plataforma que permite essa comunicação digital, o trabalho em equipe e uma videoconferência. Se for traduzir para quanto uma empresa paga para ter esse mesmo serviço que nós entregamos gratuitamente é por volta de 50 dólares por usuário anualmente. Só isso é uma ajuda relevante.

Além disso, nós fizemos uma série, e ainda estamos fazendo, de lives e webinars para orientar professores no Brasil. Nós compartilhamos todo esse conteúdo, além do conteúdo do Ensine em Casa, com o Consed, para compartilhar com o máximo de pessoas possíveis.

E tem a comunidade de professores, o Google Educators Group, que já lideraram webinars em mais de 50 municípios pelo País. Tudo com esse objetivo de ajudar o professor a se preparar a como trabalhar nesse novo mundo.  A questão de conexão a gente vê que as escolas privadas e públicas começam a negociar com as operadoras, que vendem planos de dados.

OP- O ensino híbrido é uma estratégia a ser utilizada daqui para frente? Como o Brasil está em relação a outros países no mundo?

Alexandre Campos - O mundo foi pego de surpresa. Então, é uma mudança radical. Se você se coloca no lugar de um professor, que trabalha há 10, 20 anos de uma forma e em um mês tem de mudar, não é fácil. Nós estamos ajudando não só com a plataforma, mas com essas lives.

Se você compara o Brasil com outros países, você vê que alguns continentes mais ricos estão investindo muito mais em comprar equipamentos para que a volta no híbrido seja melhor, garantindo banda larga e equipamentos às escolas ou para casas dos alunos que não têm condições de pagar.

Não existe uma solução pronta. Cada país, cada estado, como nós no Brasil, vai definir como vai voltar. É um momento em que todo mundo tem de estar debruçado nesse planejamento para que a volta seja com segurança. E, enquanto não voltar, possa oferecer o mínimo de interação e estudo com o que se tem. O presencial é muito gostoso, muito importante. Mas eu não sei: será se a escola retorna com um terço dos alunos em cada sala de aula, e os outros dois terços acompanham de casa? Como vai ser esse rodízio? 

Alexandre Campos
Foto: BRUNA GOBBI
Alexandre Campos

OP- Alguns gastos não previstos tiveram de acontecer. Quando tiver de retornar à escola, outros serão precisos para resguardar a saúde da comunidade escolar. Nesse contexto, a gente vê a arrecadação dos estados caindo drasticamente e o novo Fundeb ainda sem aprovação no Congresso Nacional. Com tudo isso, o que deve fazer o gestor público para reduzir os impactos na educação neste ano e, principalmente, no próximo?

Alexandre Campos - É uma negociação entre os governos. A gente não faz parte dessa negociação. Entendo os desafios, eu ajudo no que eu posso ajudar. Se você conversar com vários estados, eu estou super feliz de ajudar bastante gente e reduzir esse distanciamento social para muitos alunos e professores.
Porque há o trabalho também entre as secretarias e professores. Você tem dois níveis. Primeiro: como funciona a secretaria de educação e seus professores. O segundo nível é a sala de aula, entre alunos e professores.

OP-É possível desenhar uma mudança no mercado de trabalho com a chegada desses estudantes com o ensino remoto?

Alexandre Campos - Nos nossos eventos dos últimos cinco anos, nós costumávamos mencionar a importância de formar esses meninos com as habilidades do século XXI e para novos empregos que nós nem sabemos quais serão. Sem dúvidas, esse é o grande desafio da educação. Essa sempre foi uma percepção do Google antes da Covid.

Com a Covid, novas oportunidades de trabalhar em tecnologia nascerão. Não só. Vai ter um repensar do comportamento social, como será pós-covid, de cuidado com a saúde para não ficar doente.

Certamente, em várias profissões, as pessoas vão ficar mais tempo em casa e usar mais tecnologia. A rede pública conseguindo - esse movimento mostra que ela vai conseguir com que muitos alunos, que antes sonhavam em usar computador e tecnologia, possam utilizar porque virou uma necessidade - será positivo para ter mais oportunidades no mercado de trabalho.

OP -Já podemos traçar alguma tendência na educação brasileira pós-coronavírus?

Alexandre Campos - Uma tendência é a educação híbrida. A tecnologia que fazia parte do uso do smartphone, para procurar informação, para fazer uma compra, para conversar com amigos e familiares, ganhou um espaço maior para a educação, que não tinha antes. As maiores experiências com tecnologias aconteciam na vida pessoal das pessoas e não na vida de estudo e aprendizagem.

No YouTube, a gente tem um canal youtube educação, onde você tem milhares de aulas gratuitas, com curadoria feita pela fundação Lemann. Então, sem dúvida, esses recursos pedagógicos de qualidade disponíveis na rede vão ser muito mais utilizados daqui pra frente, já que o presencial não está funcionando. Com essa jornada, muitas pessoas, possivelmente, vão descobrir que elas podem aprender de uma nova forma. Criou-se um novo hábito de estudar online.

Head do Google for Education Brasil, Alexandre Campos é graduado em Ciência da Computação pela PUC-SP, pós graduado em Advanced Software Technologies pela Universidade da California de Irvine e Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Antes do Google, teve passagem por startups, foi consultor da IDC e professor de graduação e pós-graduação da PUC-SP por mais de 12 anos.

 

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