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Edifício Andrea: Um ano de uma tragédia urbana
Reportagem Especial

Edifício Andrea: Um ano de uma tragédia urbana

Ao completar um ano da queda do edifício Andrea, localizado na rua Tibúrcio Cavalcante, O POVO faz inventário de imagens dos repórteres fotográficos Fabio Lima, Fco. Fontenele, Júlio Caesar e Mauri Melo. Esses profissionais traduziram em linguagem fotográfica o drama, a solidariedade, a esperança e a gratidão daqueles que trabalharam no resgate dos sobreviventes do desmoronamento e no apoio a estes. O jornalista André Bloc, que mora em prédio quase ao lado, analisa o vazio que o edifício Andrea deixou na paisagem o impacto do som do edifício caindo que ele ainda guarda na memória

Edifício Andrea: Um ano de uma tragédia urbana

Ao completar um ano da queda do edifício Andrea, localizado na rua Tibúrcio Cavalcante, O POVO faz inventário de imagens dos repórteres fotográficos Fabio Lima, Fco. Fontenele, Júlio Caesar e Mauri Melo. Esses profissionais traduziram em linguagem fotográfica o drama, a solidariedade, a esperança e a gratidão daqueles que trabalharam no resgate dos sobreviventes do desmoronamento e no apoio a estes. O jornalista André Bloc, que mora em prédio quase ao lado, analisa o vazio que o edifício Andrea deixou na paisagem o impacto do som do edifício caindo que ele ainda guarda na memória
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A paisagem urbana é naturalmente mutável. É do humano o desejo de revoluções e os edifícios, camadas sobre camadas de concreto são como o sentimento de permanência no horizonte. As gerações avançam e eles continuam ali, numa ordem natural das coisas (inaturalmente construídas pelos humanos).

Até o dia da quebra — da queda, melhor dizendo. Era 15 de outubro de 2019 quando o edifício Andrea foi abaixo, abrindo uma ferida numa cidade que tão pouco guarda a própria memória.

Era um dos prédios mais antigos do Dionísio Torres. E ainda que apresentasse aspecto evidentemente fragilizado, a ordem natural das coisas humanas dita que construções daquele porte são indestrutíveis.

Não são.

Da janela do quarto, o jornalista Bloc registra a primeira imagem do edifício Andrea que desabou por volta das 10h30min, no dia 15 de outubro de 2019
Da janela do quarto, o jornalista Bloc registra a primeira imagem do edifício Andrea que desabou por volta das 10h30min, no dia 15 de outubro de 2019 (Foto: André Bloc/O POVO)

O estrondo que acorda a vizinhança; a fotografia, tirada do sétimo andar, de um vazio que nem bem identificava; a correria para visitar o local enquanto ainda tentava entender. A imagem que nem por laser retiro da minha retina era das toneladas de escombro. Era a visão que representava minha certeza de que nada na vida é certo. Eu não tinha dúvida de que ninguém poderia sobreviver àquilo — nem mesmo nisso estava correto. Por sorte.

No Japão, o Nishiyama Onsen Keiunkan é certeza imutável em Yamanashi desde 705. Um hotel em pleno funcionamento há 1300 anos, atravessando 52 gerações da mesma família. É como a montanha onde foi construído. Parte do horizonte.

Na França, o Cairn de Barnenez data de quase 5.000 antes de Cristo. A grande pirâmide de Quéops tem mais de 4.500 anos. Edificações são feitas para durar, para testar nossa busca pela imortalidade. Não para atestar nossa efemeridade.

O edifício Andrea é hoje um buraco que ilustra a falha de uma sociedade. O mínimo que merecemos é estarmos seguros sob nossos tetos.

Agora, um ano depois, é hora de mostrar que Fortaleza não é só o tal progresso, indefinido e mutável, se impondo em concreto na construção de novos horizontes possíveis. A cidade também lembra, também chora a história sepultada por um desastre que é particular, mas também coletivo.

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Por Mauri Melo, fotógrafo

Eu lembro-me de estar na Redação tentando ligar para o meu irmão, porque dia 15 de outubro é o aniversário dele. Nesse momento, recebi um recado para ir imediatamente à rua Tibúrcio Cavalcante, quase esquina com a avenida Antônio Sales. Na verdade, ficava a 200 metros da avenida. Quando cheguei lá, a Polícia já estava. Havia um grande cerco em torno no edifício e a imprensa não podia entrar.

Fui um dos primeiros a chegarem e consegui furar o cerco da Polícia. Ninguém me viu. Saí correndo para o local dos escombros. Fiz ali umas três ou quatro fotos. Quando me deparei com uma policial, ela agarrou meu braço e disse que precisava sair do local. Enquanto, isso ia fotografando.

A única coisa que eu penso quando estou realizando meu trabalho é levar uma boa foto para a Redação.
Mauri Melo

Ao me deslocar, percebi que havia um edifício a uns 30 metros do prédio que havia desmoronado. Fui até lá e pedi ao porteiro para entrar, mas ele disse que não seria permitida a entrada sem autorização do síndico. Quinze minutos depois, um morador do prédio que morava no sexto andar. Ele me permitiu entrar e, do apartamento dele, consegui fazer várias fotos aéreas.

Depois, voltei ao edifício Andrea desmoronado, por outra rua, e consegui fazer várias outras fotos. No dia seguinte, já estava tudo cercado. Já não era possível fazer fotos próximo dos escombros. As fotos que foram feitas vão contar melhor a história.

A única coisa que eu penso quando estou realizando meu trabalho é levar uma boa foto para a Redação. Como fui um dos primeiros a chegarem, fui o primeiro a fazer fotos no local, bem de perto dos escombros, por uma rua que passa atrás de onde estava prédio. A partir do segundo dia ninguém podia mais ficar próximo dos escombros.



Por Fabio Lima, fotógrafo

Tudo parecia caminhar para mais um dia normal naquela terça, 15 de outubro. Estava começando meu dia de trabalho, fazendo fotos para uma matéria sobre trânsito na avenida ao lado do jornal O POVO, quando vi no grupo (de WhatsApp) da Redação alguém solicitando fotógrafo para cobrir um desabamento na Aldeota. Me prontifiquei a ir, mas logo passou por mim o carro do jornal com a equipe já saindo para o local. Então, voltei a fazer o que estava fazendo e só ao voltar para Redação, percebi a gravidade do desabamento. No mesmo instante pediram que eu também fosse para lá.

Ao chegar próximo ao local, percebi que havia acontecido uma tragédia. Os acessos à rua (Tibúrcio Cavalcante) estavam bloqueados a um quarteirão. Haviam muitos policiais e bombeiros no local, muita correria e as pessoas estavam muito apreensivas.

“O cenário era de guerra, onde havia o edifício residencial Andrea, agora, se via pilhas de concreto, ferros retorcidos e bombeiros procurando sobreviventes.”
Fabio Lima

Após tentar furar os bloqueios, sem sucesso, tentei chegar até um lugar alto para tentar ver alguma coisa. Consegui, através de um colega, que morava próximo ao local do desabamento, ter acesso a um prédio e somente ao chegar na laje tive a dimensão do ocorrido.

O cenário era de guerra, onde havia o edifício residencial Andrea, agora, se via pilhas de concreto, ferros retorcidos e bombeiros procurando por sobreviventes, cena que se repetiu durante toda a semana.



Por Júlio Caesar, fotógrafo

"Caiu um edifício no bairro Dionísio Torres". Essa foi a mensagem que li na manhã do dia 15 de outubro de 2019. Lembro-me que não cobri os primeiros momentos do desabamento, só entraria à tarde no jornal. A tarde chegou e com ela a minha vez de fazer a cobertura.

Fui com o repórter Henrique Araújo. Encontramos as vias ao redor do prédio fechadas e com uma grande quantidade de voluntários que chegavam para ajudar.

No meio de tudo aquilo encontramos uma brecha e entramos em uma rua paralela à do edifício. No dia não consegui boas imagens, a dificuldade da cobertura era grande.

Por fim, organizaram um local para imprensa aguardar os pronunciamentos do comandante dos bombeiros que organizava a busca por sobreviventes.

O que mais me marcou foi o último dia de buscas. Vivíamos a expectativa de que encontrassem ainda algum sobrevivente mesmo após tanto tempo e encerrassem a procura com um pouco menos de tristeza. Era um domingo, estava de plantão sozinho no horário da tarde. Pronto, acabaram as buscas. Eu deveria ir imediatamente registrar o momento.

Passei pelo prédio ao lado dele de onde fazíamos as fotos, mas entendi rapidamente que as imagens deveriam ser mais próximas, aqueles sentimentos precisavam estar mais vivos, era o fim de uma vigília e de um trabalho intenso de profissionais e voluntários que não mediram esforços para achar todas as vítimas possíveis.

Corri para a rua ao lado. As barreiras já haviam sido retiradas e eu estava lá, do lado da montanha de escombros que haviam sido um dia partes da vida de várias famílias. Os profissionais exaustos se abraçavam e entregavam rosas brancas uns para os outros para simbolizar o fim e o recomeço da vida daquelas pessoas atingidas pela tragédia.

“Vi um bombeiro encostado na retroescavadeira com sua rosa branca na mão e os escombros do Andrea ao fundo. Na hora percebi: aquela era uma imagem que sintetizava tudo aquilo.”
Júlio Caesar

Tentando registrar cada detalhe vi um bombeiro encostado na retroescavadeira com sua rosa branca na mão e os escombros do Andrea ao fundo. Na hora percebi: aquela era uma imagem que sintetizava tudo aquilo.

A foto foi vencedora do prêmio da prefeitura de fotojornalismo do ano passado. Repito o que disse na premiação, há alento em guardarmos uma imagem de recomeço, do trabalho daqueles profissionais e voluntários e da sensibilidade daquele gesto. A dor não passa, mas foi bonito ver que a solidariedade entre nós ainda existe.



Por Fco. Fontenele, fotógrafo

Trabalhamos na cobertura do desabamento do edifício Andrea praticamente 24 horas por dia. De revezamento em revezamento, minha vez chegou no dia seguinte à tragédia, que, na minha opinião, foi uma das maiores da nossa Capital, se não levarmos em contas as terríveis e corriqueiras chacinas.

Lembro que a imprensa ficava a uma certa distância, aguardando alguma novidade e sempre na esperança de trazer uma boa notícia. Ao chegar ao local, a primeira coisa que me chamou atenção foi a quantidade de voluntários dispostos a ajudar e as doações que não paravam de chegar.

“Ao chegar ao local, a primeira coisa que me chamou atenção foi a quantidade de voluntários dispostos a ajudar.”
FCO. Fontenele

Eram pessoas de todas as classes sociais, idades e religiões, todas em prol de único objetivo: o conforto solidário aos que estavam precisando naquele momento e também aos bombeiros, que não paravam a busca nem por um minuto.

Apesar da tristeza em todo aquele cenário, foi gratificante sentir na prática o melhor do ser humano.

 

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