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Joe Biden: O que o Brasil e o mundo podem esperar
Reportagem Especial

Joe Biden: O que o Brasil e o mundo podem esperar

O candidato democrata Joe Biden chega à presidência dos Estados Unidos após uma acirrada disputa com o presidente Donald Trump, republicano. O mundo que esperava ansioso pela contagem dos votos que deu vitória à Biden, agora se pergunta se ele será capaz de cumprir pelo menos um dos seus objetivos: pacificar a América

Joe Biden: O que o Brasil e o mundo podem esperar

O candidato democrata Joe Biden chega à presidência dos Estados Unidos após uma acirrada disputa com o presidente Donald Trump, republicano. O mundo que esperava ansioso pela contagem dos votos que deu vitória à Biden, agora se pergunta se ele será capaz de cumprir pelo menos um dos seus objetivos: pacificar a América
Tipo Opinião Por

 A vitória do candidato democrata Joe Biden à presidência dos Estados Unidos, anunciada no sábado, 7, após 4 dias de encerramento da votação, está sendo considerada um ponto de inflexão para a democracia daquele país. Numa disputa acirrada que mostra um aprofundamento da cisão na sociedade norte-americana, a chegada do democrata à Casa Branca deve trazer consequências do curto e médio prazos, tanto interna quanto nas relações com outros países. 

No Brasil, o alinhamento forçado à americana, imposto pelo presidente Jair Bolsonaro e executado pelo Itamaraty, deverá sofrer um forte revés. Crítico da política ambiental do Brasil, o agora declarado presidente Joe Biden deverá influenciar uma mudança nos rumos nacionais nessa área. O posicionamento do País em relação à China também poderá ser revisto. A seguir o professor da Unilab, Mário Castro e os jornalistas André Bloc e Henrique Araújo analisam a chegada de Biden à Casa Branca e seus reflexos.  

 

  

Biden: uma ruptura do extremo

Mario Castro, professor da Unilab
Foto: Acervo Pessoal
Mario Castro, professor da Unilab

Por Mário Castro* 

Com mais de 90% das urnas apuradas, Joe Biden desponta para tornar-se o 46º presidente dos Estados Unidos. A vitória do democrata é vista por incontáveis setores da sociedade internacional como um “respiro” contra uma onda conservadora e populista que vem assolando democracias no Ocidente – inclusive no Brasil, sabemos.

Sua vice, Kamala Harris, também é a primeira mulher negra a alçar um espaço de tamanha envergadura no executivo. Os símbolos de triunfo da oposição ao trumpismo implicam em uma euforia que se instalou neste sábado. A força de Donald Trump e do perfil da Velha Direita estadunidense parece ter sofrido um sério abalo.

É preciso, contudo, observar três elementos. Primeiro, a polarização agravada do processo democrático nos EUA: em votação recorde, Biden e Trump protagonizam um duelo político de intensa hostilidade. A figura de Trump marcou o retorno de um conservadorismo arcaico, agregado a um liberalismo à americana; mais patriótico do que liberal. A conquista de Biden aponta para a fragilidade do radicalismo trumpista, rejeitado, mas sem grande margem.

Outro ponto é o mérito do engajamento democrata e dos setores mais à esquerda do espectro político americano – capazes de operar um avanço de participação e criar a centelha da urgência diante da imensa máquina republicana e radical que se instaurara em 2016 na vitória do rival.

O acúmulo da rejeição à persona de Trump somou-se à percepção mais crítica contra suas ações e falas para o cenário cultural e social do país. Esse movimento de muitos movimentos deu força para o voto democrata, mesmo em estados onde os republicanos tinham melhores expectativas, como a Geórgia.

Por fim, é preciso dizer que o processo eleitoral e, mais importante, a disputa política acirrada não acabaram. Trump já inicia uma judicialização da questão e isso põe mais intensidade nas disputas americanas e na espinha conceitual de suas rivalidades. Além disso, Biden não é uma personagem unânime entre seus apoiadores; ele organiza em torno de si o anti-extremismo que a sociedade civil americana evocara como saída disponível.

E isso terá como consequência um mosaico de novas contendas no futuro governo. Em breve saberemos em que medida o sucesso democrata é um sucesso progressista real. As esperanças de um enfraquecimento do aparelho de Extrema Direita não podem nublar o retorno da política social nos EUA, se o objetivo for reconstruir canais de atendimento das demandas populares e superar a fase do radicalismo conservador.


Mário Castro* é sociólogo e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).


De onde vieram os votos que fizeram de Joe Biden o 46º presidente dos EUA

 

Andre Bloc, jornalista
Foto: CAMILA DE ALMEIDA
Andre Bloc, jornalista

Por André Bloc*

Em 2016, na já polarizada eleição do (ainda) presidente Donald Trump, o republicano recebeu praticamente 63 milhões de votos. Adversária dele, a democrata Hillary Clinton foi escolhida por quase 3 milhões de pessoas a mais, 65,8 mi, vencendo o voto popular, mas perdendo na divisão de colégios eleitorais por 304 a 227.

Quatro anos se passaram de um dos mais polarizantes governos da história da democracia moderna. Uma pandemia se instalou no mundo, tendo os Estados Unidos como palco principal. A crise econômica veio a reboque, e a nação norte-americana ainda tateia ao tentar lidar com uma insurgência de consciência social da população negra, que se rebelou contra a raiz racista da violência policial. O caldo não entornou, ele capotou no prato.

No último sábado, 7 de novembro de 2020, o democrata Joe Biden foi eleito presidente dos Estados Unidos, com a maior votação da história. Ainda neste fim de semana a soma deve ultrapassar os 75 milhões de votos. O recorde anterior, 69 milhões, foi conquistado em 2012 na reeleição de Barack Obama, de quem Biden era vice.

O que levou o democrata ao poder, porém, não foi a margem positiva no voto popular. Ele está atualmente cerca de 3% acima de Trump no total de votos. Hillary venceu por 2,1% e ainda assim não foi eleita. O que mudou foi de onde os votos vieram.

Em 2016 muito se falou da Flórida, tradicional pêndulo das eleições norte-americanas. O diferencial de Trump, entretanto, estava ao norte. Michigan, Wisconsin, Ohio e Pensilvânia, estados tradicionalmente democratas, mas que prefeririam o aventureiro midiático. O apelo do bilionário junto a homens brancos sem ensino superior, grande parte da classe trabalhadora nas cidades médias e pequenas dos Estados Unidos foi suficiente para empurrar por cima da onda azul das grandes cidades.

Nesta eleição, Biden reconquistou Michigan, Wisconsin e Pensilvânia — que acabou sendo o estado decisivo da eleição, conforme já se previa. Deve confirmar ainda Geórgia e Arizona, tradicionalmente republicanos. Assim, o número que fez Biden vencer a eleição não foi o de 75 milhões de pessoas: foram os 306 delegados.

Trump conseguiu novos apoios. Hillary Clinton era bem mais popular do que Biden entre os latinos e a retórica anticomunista do republicano “roubou” votos de cubanos. A maioria de homens brancos de meia idade — como os dois candidatos — se manteve do lado do 45º presidente dos Estados Unidos. Mas o salto no total de votantes não é acaso.

Estima-se que quase 90% das mulheres negras — como a vice-presidente eleita, Kamala Harris — votaram em Joe Biden. E 80% dos homens negros. Entre descendentes e imigrantes latinos, que não votam em grupos étnicos (a tendência é mais de votar de acordo com a nacionalidade), os percentuais são de 70% para elas; 60% para eles. São populações historicamente marginalizadas e que, mobilizados pela campanha contra Trump, compareceram para a votação recorde.

Tal qual no Brasil, onde 57 milhões de pessoas votaram em Jair Bolsonaro em 2018, contra 47 milhões de Fernando Haddad, os Estados Unidos têm uma população imensa e diversificada. Trump ganhou em mais cidades, perdendo na maioria dos condados muito populosos — aqueles de população mais diversa. Os democratas tiveram mais de 70% dos votos nas três maiores metrópoles dos EUA, Nova York, Los Angeles e Chicago. Em Washington, a capital, a cifra fica acima dos 90%.

Ao contrário do rival, que dedicou quatro anos de governo a falar de si para os seus, Joseph Robinette Biden Jr e Kamala Davi Harris foram eleitos prometendo governar para todos. São quase 330 milhões de pessoas com desejos diversos e humores políticos inconstantes. Se nenhum desastre impedir, a missão deles começa no dia 20 de janeiro de 2021.

André Bloc*, jornalista 


A derrota de Trump e o recado a Bolsonaro

Henrique Araujo, jornalista
Foto: FÁBIO LIMA
Henrique Araujo, jornalista

Por Henrique Araújo*

A vitória do democrata Joe Biden está repleta de simbologias. Da primeira mulher a se eleger vice-presidente na história dos EUA (Kamala Harris) ao recado expresso dado a populistas e autoritários do mundo inteiro, aponta para novo cenário: o da volta da política.

A chegada de Donald Trump ao poder em 2016 representou a escalada de um discurso que esvazia a institucionalidade, demole pontes e inviabiliza consensos mínimos, quando não ataca diretamente as regras do jogo democrático. Sob a gestão do magnata, não prosperava essa noção de negociação, tão cara à democracia.

Moderado, Biden repõe essa capacidade de diálogo no centro da atividade política. É, sob esse ponto de vista, uma resposta enfática ao risco de falência das sociedades comandadas por líderes de pouco ou nenhum apreço ao decoro e ao cumprimento de acordos.

Para o Brasil, a derrota de Trump acarreta outros sentidos além de potenciais mudanças nas políticas externa e ambiental ou efeitos econômicos. Diz respeito a 2022.

Trump era uma bússola ideológica dos bolsonaristas, que replicavam tal e qual as respostas do presidente estrangeiro a problemas domésticos. Sem Trump, o bolsonarismo está sem norte, acéfalo. Filipe G. Martins e Ernesto Araújo, órfãos desde agora, não terão a quem macaquear, e o boné usado por Eduardo Bolsonaro de apoio a Trump soará extravagante.

Pergunta de um milhão: esse revés pode ter impacto nas próximas eleições presidenciais do Brasil? Certamente. É suficiente para derrotar ou dificultar a reeleição de Bolsonaro? Difícil saber a dois anos da eleição.

Primeiro, Bolsonaro terá o que Trump não teve: tempo para se recuperar. O presidente dos EUA foi atropelado pela pandemia de Covid-19, enquanto Bolsonaro melhorou sua popularidade a despeito de sua condução criminosa da crise sanitária. Logo, nem tudo é assim tão cartesiano.

Porém, se se considera que o fracasso de Trump é sinal de um cansaço global diante da mentira, do radicalismo, da xenofobia e do sectarismo, é possível imaginar que Bolsonaro possa ter o mesmo fim que o colega norte-americano.

Henrique Araújo*, jornalista

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