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Como funcionavam os empréstimos consignados no Ceará e por que são alvos da Polícia Federal
Reportagem Especial

Como funcionavam os empréstimos consignados no Ceará e por que são alvos da Polícia Federal

As denúncias relacionadas a Arialdo Pinho e ao ex-genro se tornaram públicas em 2011. Nove anos depois, são alvo de operação da Polícia Federal

Como funcionavam os empréstimos consignados no Ceará e por que são alvos da Polícia Federal

As denúncias relacionadas a Arialdo Pinho e ao ex-genro se tornaram públicas em 2011. Nove anos depois, são alvo de operação da Polícia Federal
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Alvo de operação da Polícia Federal nesta quinta-feira, 3 de dezembro (3/12), os empréstimos consignados a servidores públicos estaduais do Ceará são objeto de denúncias públicas há uma década, levantadas pelo deputado estadual Heitor Férrer (Solidariedade) em 2011. Por causa do caso, em 13 de abril de 2012, a Secretaria do Planejamento e Gestão (Seplag) do Estado rescindiu o contrato com a empresa ABC – Administradora Brasileira de Cartões S.A., que operava o sistema de consignados desde maio de 2009. A ABC obteve liminar para continuar operando. Após a derrubada da liminar pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) em 4 de fevereiro de 2013 a Seplag assumiu diretamente o comando da operação dos consignados dos servidores estaduais, com o controle das margens de endividamento. Assim, os dados dos servidores, que antes estavam sob gestão privada, foram mantidos desde então em ambiente público.

Carros de luxo foram apreendidos na operação
Foto: FABIO LIMA/O POVO
Carros de luxo foram apreendidos na operação

Antes da saída da ABC da operação, havia 62 mil servidores estaduais endividados por causa dos empréstimos consignados. Cabia à ABC controlar a margem de endividamento.

Em 13 de janeiro de 2014, a juíza Nadia Maria Frota Pereira, da 13ª vara da Fazenda Pública de Fortaleza, quebrou o sigilo bancário de todas as contas de depósitos, poupanças, contas de investimentos e outro bens, direitos e valores do então secretário-chefe da Casa Civil do Governo do Estado, Arialdo Pinho, atual secretário do Turismo, e também de Bruno Barbosa Borges, então proprietário da empresa ABC; de Luís Antônio Valadares, ex-genro de Arialdo, sócio na época de Bruno Borges e dono da empresa Promus; José Henrique Canto Valadares, então consultor da Promus e sócio de Luís Antônio Valadares; e Paulo Vergilio Facchtni e o executivo Ricardo Wagner Oliveira Santos, à época diretores da ABC. A desembargadora Vera Lúcia Correia Lima, do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), cassou a liminar a manteve o sigilo bancário.

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Controle do endividamento

O edital de licitação do sistema de crédito consignado do Estado estabelecia que a empresa vencedora deveria cuidar apenas do controle da margem de endividamento dos servidores. A Administradora Brasileira de Cartões (ABC) venceu a concorrência e passou a fazer esse controle para que os servidores não se endividassem além da margem.

Mesmos donos, outra empresa, a fatia mais lucrativa

Os mesmos proprietários da ABC tinham outra empresa, a Promus, que passou a atuar na oferta de crédito a servidores, a fatia mais lucrativa desse negócio. Assim, as mesmas pessoas, com duas empresas diferentes, estavam em duas pontas do negócio. Eram regulados e reguladores ao mesmo tempo. A Promus entrou no negócio em maio de 2009, logo após a ABC ter vencido a licitação.

O diretor da ABC era Bruno Borges, que também administrava a Promus junto com Luiz Antônio Valadares, então genro do atual secretário estadual do Turismo, Arialdo Pinho, então secretário-chefe da Casa Civil do Estado.

Segundo a Polícia Federal informou nesta quinta-feira, 3 de dezembro de 2020, o ex-genro do então secretário-chefe da Casa Civil teve aumento de patrimônio de R$ 2 milhões para R$ 49 milhões.

Exclusividade e uso de correspondentes

A Promus fechou contrato de exclusividade com a Bradesco Promotora, para atuar no controle de todas as operações de empréstimo consignado do banco. O Bradesco ainda deu à Promus a opção de subcontratar empresas correspondentes para fazer o serviço. Havia diversos correspondentes atuando na oferta de crédito pelo Bradesco, mas todos subordinados à Promus e só podiam prestar serviço para o Bradesco com autorização dessa empresa. O Bradesco detém a conta do Estado para os servidores públicos.

Comissões

Em cada operação, a Promus recebia comissão de 17,1% do valor do empréstimo, enquanto as subcontratadas ficavam com 1,9%. Com a soma dos dois índices, a comissão pela venda de crédito consignado do Bradesco era, assim, de 19%. O índice incidia sobre o valor que o servidor toma emprestado, ainda sem a incidência dos juros. Segundo estimativa feita para O POVO na época pelo empresário Augusto Borges, dono de uma das empresas credenciadas pela Promus, o mercado de consignados no serviço público estadual movimentava no ano de 2012, em média, R$ 40 milhões por mês.

Na regulação, a ABC era remunerada exclusivamente pelos bancos que ofertavam o crédito consignado. O valor era de R$ 2 para cada operação de empréstimo. E a empresa, para prestar o serviço, ainda fazia pagamento mensal ao Estado.

Prejuízo para servidores

Até 2009, antes da entrada da Promus, as empresas credenciadas pela Promus lidavam diretamente com o Bradesco e, assim, recebiam comissão maior, em torno de 12% segundo Augusto Borges. O preço final do empréstimo se tornava menor para o servidor na ponta, segundo ele.

Em uma das cláusulas do contrato com a Promus, ao qual O POVO teve acesso, o Bradesco se comprometeu a "não praticar taxas de juros ou qualquer outra vantagem que desestimule o servidor a utilizar o serviço de intermediação" da Promus. Ou seja, o banco garantia que em nenhuma hipótese baixaria os juros para o servidor, para não prejudicar a empresa.

 

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