Depois de uma queda estimada em 4,36% em 2020, a economia brasileira deve voltar a crescer neste ano. Uma base de comparação baixa, a chegada da vacina e a demanda reprimida estão dentre os fatores que sustentam as projeções do mercado financeiro de um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na ordem de 3,4% em 2021, segundo o mais recente Boletim Focus, do Banco Central. Para o Ceará, a aposta do Instituto de Pesquisas Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) é de uma alta mais robusta, 3,7%, e alguns setores devem despontar como mais promissores.
A construção civil é uma das apostas de forte contratação de mão de obra para os primeiros meses de 2021, segundo o estudo Farol da Economia, do Ipece. “A expectativa é de forte crescimento na produção do Estado para 2021 com vistas a atender a demanda latente reprimida e também para atender aos novos investimentos que estão sendo feitos tanto pelo setor público como pelo setor privado”, afirma o estudo.
A indústria, setor que mais contribuiu para a melhora do PIB cearense no 3º trimestre de 2020, também deve seguir influenciando a retomada neste ano, na avaliação do gerente do Observatório da Indústria, Guilherme Muchale. A projeção estimada por ele é de uma alta de 6%. “O início da vacinação em diversos países, juros em níveis historicamente baixos e o aquecimento do mercado interno são alguns dos fatores que têm elevado a confiança dos industriais.”
Porém, ele alerta que a falta de insumos e a necessidade de continuidade das reformas, especialmente a tributária e a política, podem ser entraves nessa trajetória. “São gargalos que precisam de foco para garantir que o crescimento econômico do Estado e do País seja ampliado.”
Outro setor que ainda é pequeno na base econômica do Estado, mas tem passado por forte transformação nos últimos anos é o de tecnologia. Não só porque o consumo de internet e serviços relacionados aumentou muito durante a pandemia, mas porque mais empresas estão entrando no mercado cearense.
Só no ano passado, o Ceará atraiu, dentre outros investimentos privados, a instalação de um centro de distribuição da B2W, gigante do e-commerce que gere empresas como Americanas.com, Submarino e Shoptime, para região metropolitana de Fortaleza; concluiu a ancoragem do cabo submarino da EllaLink, que vai conectar a capital cearense a Sines, em Portugal; e assinou memorando para instalação de uma datacenter da Elea Digital S/A.
Também firmou no fim de novembro um acordo com a Amazon para instalar o primeiro centro de transformação digital do Brasil. Inicialmente serão ofertadas mil vagas de capacitação, mas o centro tem como pilar também a empregabilidade, a transformação digital, o empreendedorismo e pesquisa e desenvolvimento.
Com a empresa também está previsto para este ano um acordo para instalação de mais um datacenter, que será o quinto no Estado. “Estamos aguardando apenas melhores dias para que possamos viajar e assinar o acordo deste novo datacenter. Mas são investimentos com grande potencial de dinamizar a economia do Estado”, afirmou o secretário de desenvolvimento econômico e trabalho (Sedet), Maia Júnior.
Na área de marketplace, ele diz que está em processo de homologação uma parceria entre a gigante Alibaba e a Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (Etice). Também está engatilhado para este ano a atração de um hub de comércio exterior no Estado. “A empresa ainda não posso falar, mas é um baita negócio que vai possibilitar viabilizar qualquer tipo de transações comerciais a partir do Ceará.”
O setor de energia renováveis é outra área promissora, na avaliação do presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-CE), Luiz Antonio Trotta Miranda. “Esse é um setor que tem passado por um processo grande de fusões e aquisições e segue com grande crescimento na matriz energética brasileira. Hoje já se fala até em plantas offshore no Estado.”
Já a recuperação do setor de serviços e turismo estão mais atreladas à capacidade do Brasil de controlar a pandemia e da chegada da vacina. “Enquanto perdurar uma elevada curva de casos de Covid-19, esses setores ainda vão sofrer bastante antes de melhorar. Seja porque há restrições legais para que funcionem normalmente, seja porque as próprias pessoas ficam mais cautelosas e não usam com tanta frequência os serviços como antes”, opina o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio da GO Associados, Gesner Oliveira.
Crescimento econômico atrelado a incertezas e aumento da desigualdade
Apesar do esperado crescimento econômico, ao que tudo indica, 2021 está longe de ser fácil. Principalmente para os mais pobres, que iniciam o ano sem previsão de auxílio emergencial, sem o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm), que garantiu a manutenção de parte dos empregos, e com a inflação pressionando o custo de vida e a sobrevivência das pessoas.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que, no ano passado, 10,93% dos domicílios no Ceará sobreviveram apenas com a renda do auxílio emergencial do governo. Além disso, dados do 3º trimestre de 2020 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad - IBGE) mostram que o rendimento médio real do trabalho principal habitualmente recebido no Estado não passou de R$ 1.613.
E se, no ano passado, o preço dos alimentos não deu folga e foi o grande vilão da inflação - o arroz, por exemplo, teve alta acumulada até novembro de 81,38% na Região Metropolitana de Fortaleza -, este ano, é esperada uma sobrecarga mais espalhada entre os itens, principalmente sobre os chamados preços administrados.
Planos de saúde, tarifas de ônibus, conta de água e esgoto são alguns dos itens que não foram reajustados em 2020 e voltam a subir neste ano.
Sobre o assunto:
O analista do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT/Sine), Erle Mesquita, também prevê um cenário difícil para retomada dos empregos. Ele diz que, apesar do saldo positivo de 16,4 mil novos postos de trabalho em novembro no Ceará, o melhor desempenho do Nordeste, conforme dados do Cadastro Geral de Empregos (Caged), é preciso considerar o contexto em que eles estão inseridos que é o da reabertura das atividades econômicas, o período eleitoral e a própria sazonalidade da reta final de ano que tradicionalmente emprega mais gente.
“Mas se olharmos a taxa de desemprego no Estado, desde 2016, está acima de dois dígitos. O quadro ainda é de muita incerteza, de preocupação frente ao grande número de trabalhadores desempregados, desalentados e subocupados no Estado. Isso sem falar que houve uma piora nas relações de trabalho, há mais precariedade.”
A taxa de juros, hoje em seu menor patamar histórico, de 2%, deve subir, mas não tanto. A projeção é de que chegue a 3%, segundo o Banco Central. Enquanto o dólar, que chegou no ano passado a superar a casa dos R$ 5, a tendência é de queda. “Deve cair, mas não tanto”, afirma o economista Luiz Antonio Trotta Miranda, presidente do Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças do Ceará (Ibef-CE).
Ele explica que se o cenário internacional começa o ano com menos turbulências em razão do início do processo de vacinação em muitos países e o perfil mais equilibrado do novo presidente dos EUA, Joe Biden, por outro lado, no Brasil, ainda há muitas incertezas que devem mexer com o câmbio. “Vai depender muito de como serão tratadas as reformas essenciais que precisam ser feitas."
Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Gesner Oliveira acredita que, de modo geral, o problema de paralisação da economia também deve ser superado neste ano, mas duas grandes incógnitas ainda persistem e devem ditar o ritmo de retomada. A primeira é a pandemia que no Brasil ainda não está controlada e nem há clareza sobre quando a vacina vai chegar. “E isso naturalmente afeta a economia e gera incerteza.”
E a outra é a questão fiscal. “Ainda serão necessários recursos para saúde, programas sociais para manter de alguma forma ou, pelo menos, parcialmente, os auxílios emergenciais. No entanto, as contas públicas estão quebradas e a previsão de déficit primário para 2021 supera os R$ 240 bilhões. Este com certeza será um grande problema a ser enfrentado.”