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Estudantes se preparam para Enem em meio a mais grave crise sanitária em um século
Reportagem Especial

Estudantes se preparam para Enem em meio a mais grave crise sanitária em um século

Pandemia de Covid-19 impactou estudantes de diferentes formas. Agora o sentimento de ansiedade se soma ao medo e às incertezas sobre o futuro para candidatos que tiveram estudos prejudicados pela pandemia.

Estudantes se preparam para Enem em meio a mais grave crise sanitária em um século

Pandemia de Covid-19 impactou estudantes de diferentes formas. Agora o sentimento de ansiedade se soma ao medo e às incertezas sobre o futuro para candidatos que tiveram estudos prejudicados pela pandemia.
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Nem mesmo a melhor preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020 poderia vislumbrar a conjuntura que se apresenta. A maior prova de acesso ao ensino superior do Brasil acontece nos próximos domingos, 17 e 24 de janeiro, em meio a mais grave crise sanitária do século 21, com o País vivenciando um repique de casos de Covid-19. O sentimento de ansiedade se soma ao medo e às incertezas sobre o futuro para quem teve os estudos prejudicados.

“Assim que a pandemia começou, tentei bastante me manter firme, mas fiquei deprimida durante semanas pela ansiedade e a frustração. Voltar a estudar não foi fácil e tenho certeza que estudo no máximo 60% do que conseguia antes da pandemia”, relata a estudante cearense Aisha Paz, 18, aluna do terceiro ano da Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Paulo VI, em Fortaleza. Ela está entre os 325.706 candidatos da prova no Ceará.

Aisha Paz e a sua preparação para a prova do Enem(Foto: Deisa Garcez/Especial para O POVO)
Foto: Deisa Garcez/Especial para O POVO Aisha Paz e a sua preparação para a prova do Enem

Ao todo, cerca de 5,8 milhões de estudantes estão inscritos para fazer o Enem no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) — autarquia do Ministério da Educação (MEC), responsável pela aplicação da prova. Antes, o Enem estava previsto para novembro último, mas foi adiado devido à pandemia do coronavírus. Neste ano, o exame terá pela primeira vez a versão digital, nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro de 2021.

A adaptação às aulas remotas foi certamente um dos maiores obstáculos para a preparação, conta Aisha. Frequentemente, problemas de conexão na internet impediam a jovem de acompanhar plenamente os conteúdos. Já são dez meses sem aulas presenciais.

Além de tudo, Aisha também sentiu a saúde emocional abalada. “É frustrante e também assustador. De repente, me vi sem nenhuma certeza para me agarrar. Definitivamente, meus estudos foram prejudicados por isso”, avalia. O contexto pandêmico quase fez a jovem desistir do sonho de cursar Enfermagem. Hoje ela coloca a área como primeira opção, mas também considera Design como segunda.

Na opinião do estudante João Pedro Morais Pereira, 17, a reta final do ensino médio por si só é um período delicado tendo em vista a pressão maior por bons resultados de estudantes pré-universitários, como ele.

“No meu caso, tive alguns momentos difíceis durante o ano de 2020, mas consegui superar e me manter focado”, explica o aluno do Colégio Christus, escola privada da Capital. Ele pretende cursar Direito e ressalta o apoio da família, amigos e namorada durante o último ano de estudos para o Enem.

João Pedro acredita que a perda na absorção dos conteúdos é indiscutível em razão das suspensão das aulas, porém reconhece que esse dano é sentido de forma diferente entre os participantes. Desde outubro, sua escola, por exemplo, já retomou as atividades pedagógicas presenciais.

FORTALEZA, CE, Brasil. 13.01.2021: ENEM: João Pedro Morais e a sua preparação para a prova do ENEM. (Fotos: Deisa Garcez/Especial para O Povo)
FORTALEZA, CE, Brasil. 13.01.2021: ENEM: João Pedro Morais e a sua preparação para a prova do ENEM. (Fotos: Deisa Garcez/Especial para O Povo) (Foto: Deisa Garcez/Especial para O Povo)

“Prefiro as aulas presenciais em todos os aspectos, mas as aulas remotas foram de suma importância durante esse ano. Sem elas não conseguiria manter uma rotina de estudos. E digo isso como um privilegiado de ter aulas online e acompanhamento remoto com professores, o que muitos não puderam ter”, reconhece. 

Num exame de 180 questões objetivas com redação, como é no Enem, administrar emoções e organizar o tempo é fundamental. Todavia, é preciso levar em conta neste ano uma série de impactos psicossociais da pandemia — famílias enlutadas, receio de ser infectado, frustração de um preparo que não se deu nos moldes ideais.

Além da ansiedade natural da prova, todos esses fatores adicionais devem atrapalhar o rendimento. É o que observa a professora Andrea Cordeiro, pesquisadora na área de psicologia educacional e docente do departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

“Quando se fala de uma prova não é só a questão intelectual envolvida, até porque não tem como fazer essa separação. O ser humano é um conjunto integrado, o afeto e a inteligência caminham juntos para a execução de uma tarefa. Quando essa dimensão afetiva está atravessada pelo medo ou pelo luto, isso com certeza vai impactar no desempenho e na disposição desse sujeito na hora de realizar a prova”, complementa.

A professora se preocupa também com os reflexos da ampliação das disparidades educacionais no País — análise igualmente compartilhada pelo professor Wagner Andriola, titular da Faculdade de Educação (Faced) da UFC, e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).

Especialista na área avaliação educacional, Wagner projeta que a pandemia resultará em ingressantes do ensino superior com um perfil educacional “fragilizado”, pensando nos efeitos na qualidade do aprendizado dos alunos a partir dos novos processos educacionais remotos executados em caráter emergencial.

“Provavelmente haverá perda na presença dos candidatos nas provas por conta dos impactos emocionais e afetivos da pandemia. Estimo que também que haverá perda significativa no que diz respeito às notas médias em cada uma das grandes áreas”, indica.

A despeito das expectativas e cobranças relacionadas ao Enem, a professora Andrea Cordeiro lembra da necessidade de exercitar a auto compreensão neste contexto excepcional. "Entender que vivemos uma situação atípica, completamente caótica e que nos afeta para além do que podemos imaginar", sugere. Aos estudantes, ela aconselha reservar momentos para atividades que sejam mais prazerosas nesta reta final, como ouvir músicas ou encontrar amigos de maneira virtual.  

 

 

56 escolas públicas no Ceará retomam atividade presencial de preparação intensiva para Enem

No Ceará, existem 104.154 estudantes da rede estadual inscritos no Enem 2020, o equivalente a 99,7% da matrícula da terceira série do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) II. Destes, 122 optaram por fazer as provas digitais.

Atualmente, 56 escolas estão com atividades presenciais preparatórias para o Enem 2020, “obedecendo aos decretos governamentais vigentes e aos protocolos de segurança sanitária orientados pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”, conforme a Secretaria da Educação (Seduc).

Segundo a Portaria nº 0616/2020, as unidades de ensino da rede pública estadual cearense estão autorizadas a realizar atividades extracurriculares preparatórias para o Enem e vestibulares aos seus alunos, observando normas sanitárias e o limite de pessoas em cada espaço.

“No que se refere à logística para a realização das provas, a Seduc oferece transporte para deslocamento dos estudantes no interior do estado e, para os da capital, são disponibilizados créditos nas carteiras de estudante. Há, ainda, pontos de apoio com a distribuição de kits de alimentação, canetas e água para os dois dias das provas, conhecidos como “Dia E”, comunica a Seduc em nota.

Desde novembro de 2020, as atividades intensivas para o exame são ofertadas na rede estadual conforme os cronogramas de cada unidade de ensino, contando com o apoio das Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação (Crede) e Superintendência das Escolas Estaduais de Fortaleza (Sefor).

A Seduc ainda citou como uma das estratégias de desenvolvimento das competências socioemocionais na escola, “o acompanhamento individual de cada aluno”. “Para auxiliá-los a lidar com os efeitos psicológicos do distanciamento social, a rede pública estadual de ensino conta com recursos como o Projeto Professor Diretor de Turma”, informa a pasta.

O projeto mantém diálogo entre escola e família por meio de um professor da unidade de ensino que acompanha todo o desempenho escolar dos estudantes até o fim de sua escolarização, identificando vulnerabilidades e fazendo intervenções necessárias.

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 +Pandemia agrava impactos psicológicos de estudantes

Enem digital requer estudos detalhados, dizem especialistas

A edição provavelmente mais desafiadora da história do Enem devido à pandemia terá ainda a novidade da versão digital da prova, aplicada de forma piloto para 96 mil candidatos em 99 municípios brasileiros.

No Ceará, Fortaleza, Quixadá, Sobral serão polos do Enem Digital. São 3.112 inscritos no Estado que optaram por essa modalidade. Maria Kailane Gurgel Batista, 17, fez a opção pelo modelo inédito pensando principalmente em evitar aglomerações.

“Moro com a minha avó, ela é do grupo de risco por já ser idosa e eu cuido dela. Acho que vai haver menos pessoas na prova digital”, afirma a estudante do terceiro ano do ensino médio da Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Júlia Giffoni, no bairro Pici em Fortaleza.

Quem também optou pelo Enem 2020 digital foi o estudante João Willame dos Santos Coelho, 18, da Escola de Ensino Médio (EEM) Deputado Francisco de Almeida Monte. Ele explica que fez a escolha mais motivado pela curiosidade. “Me interessa ter essa experiência na forma digital. Mais para saber como vai ser mesmo”, diz.

Apesar de considerar a novidade um avanço, o professor Wagner Andriola pondera sobre a necessidade de se ter realizado um estudo pormenorizado “demonstrando que não há diferença no que diz respeito ao desempenho dos alunos quando submetidos a uma situação de teste tradicional versus quando submetidos a uma prova confeccionada em forma digitalizada”.

A intenção do Inep é que o exame se torne totalmente digital até 2026. As discussões e os testes para que isso seja possível ocorrem desde 2016, de acordo com a autarquia do MEC.

Segundo analisa a professora Lis de Maria Martins, da Faculdade de Educação (Faced) da UFC, pensar em transpor uma prova com a dimensão do Enem para o ambiente virtual exige um trabalho profundo de estruturação de políticas de informatização nas escolas públicas brasileiras.

"Precisa pensar desde a estruturação, onde esse material vai ficar, quem vai garantir esse acesso, como virtualizar as questões, se vai ser um material interativo ou somente questões objetivas. Isso passa por uma gama de equipes das mais diversas áreas e pesquisadores que trabalham com tecnologias digitais para educação no Brasil", enfatiza a também pesquisadora do Laboratório de Pesquisa Multimeios da UFC.

O que diz o Inep

Em entrevista ao O POVO, Camilo Mussi, diretor de Tecnologia e Disseminação de Informações Educacionais do Inep, garantiu que foram realizados testes práticos em 2019 com uma amostra representativa de estudantes de todo o País, simulando a aplicação da prova no sistema próprio desenvolvido.

“Fizemos pré-testes digitais, testamos o sistema para ver a usabilidade dele. Dos alunos participantes, a maior parte gostou muito de fazer a prova no computador, mas fez algumas sugestões que incorporamos nessa versão final [do sistema]”, afirma. Ele diz que haverá a possibilidade de fazer rasuras na interface da prova, por exemplo, similarmente ao que ocorre na prova tradicional, com a caneta.

O Inep não informou o número exato de alunos que participaram desses testes e os locais onde foram realizados. No ano passado, o sistema também foi submetido a avaliações periódicas, segundo o diretor. “Avaliamos e ele está funcionando muito bem, está pronto”, reforça.

Mussi esclarece que os candidatos do Enem digital também terão acesso a um vídeo tutorial e a um material escrito com o passo a passo sobre o acesso à plataforma, disponíveis na página do participante a partir desta sexta-feira, 15. A cada dia de prova, os estudantes receberão uma senha para iniciar e encerrar o exame em suas máquinas.

Discussão sobre novo adiamento

O momento temerário para a realização do Enem levou estudantes e entidades educacionais a criar uma campanha nas redes sociais pedindo novo adiamento da prova. Na última semana, a Defensoria Pública da União (DPU) havia entrado com recurso no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) pedindo o retardamento do exame em razão dos riscos de contágio maior, diante do recrudescimento nos números da pandemia de Covid-19

Nessa terça-feira, 12, a juíza Marisa Claudia Gonçalves Cucio, da 12ª Vara Cível Federal de São Paulo, negou o pedido. A magistrada entendeu que “as medidas adotadas pelo Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira] para neutralizar ou minimizar o contágio pelo novo coronavírus são adequadas para viabilizar a realização das provas nas datas previstas”. A DPU recorreu da decisão.

A União já se manifestou contra o adiamento, alegando ter gasto 25% a mais no orçamento do exame para a adoção de medidas de segurança contra o contágio. A protelação da prova, segundo o governo, poderia prejudicar o início do ano letivo em universidades e institutos federais e também o andamento de programas de financiamento estudantil, para ingresso em universidades privadas. (com informações da Agência Brasil)

 

Regras para evitar infecção pelo coronavírus no Enem

Para a aplicação do Enem 2020, o Inep adotou uma série de medidas de biossegurança e adequações nos locais de prova como forma de prevenir a infecção por Covid-19. As mudanças incluem a disponibilização de álcool em gel e materiais para higienização dos espaços, obrigatoriedade do uso da máscara por participantes e aplicadores, além da realização de procedimentos controlados e orientados para acesso ao local de prova e distanciamento entre as carteiras.

Outra adaptação foi a redução do número de participantes por sala, com previsão de ocupação de aproximadamente 50% da capacidade máxima. O investimento destinado às ações é avaliado em R$ 64 milhões, englobando aquisições de equipamentos de proteção individual, produtos de higiene e mais locais de aplicação de prova. 

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