Logo O POVO+
Ceará de vento e mar: turismo de aventura atrai 10% dos visitantes
Reportagem Especial

Ceará de vento e mar: turismo de aventura atrai 10% dos visitantes

ESPORTES RADICAIS | Paraíso das águas e dos ventos, o Ceará é referência em condições para os esportes náuticos e atrai milhares de turistas por ano, entre profissionais e amadores na prática de kitesurfe, windsurfe, wing foil, entre outros

Ceará de vento e mar: turismo de aventura atrai 10% dos visitantes

ESPORTES RADICAIS | Paraíso das águas e dos ventos, o Ceará é referência em condições para os esportes náuticos e atrai milhares de turistas por ano, entre profissionais e amadores na prática de kitesurfe, windsurfe, wing foil, entre outros
Tipo Notícia Por

Com 573 quilômetros de praia, o Ceará é referência na prática de esportes náuticos. Em meio aos cenários paradisíacos do litoral cearense, esportistas — amadores e profissionais — do mundo inteiro vêm ao Estado para se aventurar em regiões que reúnem condições ideais para kitesurfe, windsurfe, wing foil (ou wingsurfe), entre outras modalidades. Direta e indiretamente, a busca pela meca do esporte sobre ondas movimenta a economia local.

Os dados mais recentes da Secretaria do Turismo do Ceará (Setur), divulgados em janeiro de 2020, apontam que 3.708.821 turistas passaram pelo Estado, gerando renda de mais de R$ 20 milhões. Deste número, 382.009 afirmaram que o motivo da viagem foi o turismo de "esporte aventura", representando 10,3% do valor total. Conforme o levantamento do órgão, 70% se identificaram como praticantes de kitesurfe, principal modalidade praticada no litoral cearense.

As praias de Jericoacoara e Preá, localizadas nos municípios vizinhos de Jijoca e Cruz, estão entre os destinos preferidos dos apaixonados pelos velejos aquáticos. Além de desfrutar de cenários paradisíacos, os velejadores podem deslizar sobre os mares do litoral cearense com condições perfeitas de vento, fator determinante para a prática destas modalidades.

 

 

Além de Jericoacoara e Preá, as praias de Cumbuco (Caucaia), Paracuru, Canoa Quebrada (Aracati) e Porto das Dunas (Aquiraz) recebem a nata dos esportes náuticos, principalmente do kite. Assim, as pipas erguidas no céu guiando pranchas que deslizam sobre o mar viraram retrato no horizonte.

Metereologista da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), David Ferran explica que o Estado possui mescla única de fatores favoráveis aos esportes náuticos. No Ceará, os ventos alísios, principalmente no segundo semestre, possuem características regulares e com intensidade de rajadas entre 15 a 25 nós.

"Essa regularidade é uma vantagem quando o turista vai comprar uma passagem para fazer o kitesurfe aqui. Ele pode comprar com dois anos de antecedência para agosto ou setembro, por exemplo, já que a probabilidade de ventos é altíssima. A chance de comprar e não ter vento é pequena", afirma.

O visual paradisíaco traz um elemento a mais para os esportes de aventura no litoral cearense. Jericoacoara, esportes radicais, surfe
Foto: Eliseu Souza / Divulgação
O visual paradisíaco traz um elemento a mais para os esportes de aventura no litoral cearense. Jericoacoara, esportes radicais, surfe

Associado ao vento, o Ceará possui praias longas e com pouca gente. A temperatura amena da água e a ausência de histórico de ataque de tubarões são outros pontos de destaque.

A característica do vento, que sopra paralelo à costa, diminui o risco em caso de contratempos como a quebra do equipamento. Desta forma, o kitesurfista não seria empurrado para dentro do mar.

"É possível praticar no primeiro semestre também, mas a chance de vento diminui. No segundo semestre, de 30 dias, 29 vão ter vento. No primeiro, de 30 dias, talvez, 15 tenham vento", explica David Ferran.

Fora as condições climáticas, o Ceará possui infraestrutura que facilita o acesso dos "turistas radicais", com malha aérea e rodoviária. Quem vem ao Estado tem opções de hospedagem desde simples a luxuosas pelo litoral cearense, com entorno dedicado aos praticantes com ofertas de transporte, equipamento e profissionais.

 

Onde o vento faz a curva: o italiano que vive entre Jeri e Preá 

Marco Dalpozzo deixou emprego em empresa multinacional para morar em Jericoacoara, se tornou sócios de pousadas e proporciona estrutura adequada para velejadores do mundo inteiro
Foto: Acervo pessoal
Marco Dalpozzo deixou emprego em empresa multinacional para morar em Jericoacoara, se tornou sócios de pousadas e proporciona estrutura adequada para velejadores do mundo inteiro

Era uma manhã de 1995. O italiano Marco Dalpozzo abre a janela da pousada onde estava hospedado com a esposa, na praia de Jericoacoara, em Jijoca (a 283km de Fortaleza). A paisagem emocionou o europeu, que buscava no Ceará as condições ideais para velejar. O choro de encanto foi o chamado do lar. Era hora de desarmar a barraca porque a vida agora seria dedicada aos esportes radicais e ao turismo na região.

"Tem algumas coisas na vida que possuem a força na beleza, vão além do sorriso e nos levam a chorar. Minha mulher me levou para conhecer Jeri. Quando vi aquilo, eu me emocionei a ponto de chorar. E quando isso acontece é de uma beleza extraordinária. É uma pintura, algo desenhado por Deus", relembra.

A partir deste episódio, Dalpozzo decidiu fazer de Jericoacoara morada. Na época, o italiano era executivo em uma empresa multinacional e foi expatriado para trabalhar em uma unidade em São Paulo. Velejador apaixonado pelos esportes náuticos, ele passou a rodar pelo Brasil atrás do pico dos sonhos.

 

"O Ceará tem o melhor vento do mundo, é a terra dos ventos, abençoada" Marco Dalpozzo


De lá pra cá, o italiano deixou a empresa e se tornou sócio das pousadas Vila Kalango, em Jeri, e Rancho do Peixe, no Preá (Cruz). Encantado pelo vento do litoral cearense, Marco passou a se dedicar a receber e proporcionar a estrutura para velejadores do mundo inteiro. Nos dois lugares, os turistas podem praticar esportes como kitesurfe, windsurfe, wing foil, entre outros.

"Entre Jeri e Preá, o vento faz a curva, é o ponto mais forte. Tem vento sempre. É uma região que deve viver do vento, é um recurso precioso. É o melhor do mundo, além de gerar empregos com o esporte, energia e outros tipos de atividades socioeconômicas. Na Itália, temos esportes de neve, regiões que se desenvolvem ao turismo atrelado à neve. Aqui temos que fazer a mesma coisa, ter uma indústria prioritária ao velejador", explica.

 


Relembre os voos de Ruediger Ran, o kitesurfista alemão de 81 anos

 


Marco é o idealizador do primeiro "Water Sport Center" do Norte-Nordeste, localizado em Jericoacoara e criado para atender à alta demanda do público que busca adrenalina nas águas salgadas do Ceará. No centro esportivo, parceria firmada entre a pousada Vila Kalango com a escola Tico Wind, é possível velejar, surfar, e aprender modalidades novas do kite e do windsurf como wind foil e wing foil.

O italiano também criou o Surfin Sem Fim, projeto que oferece experiências através de downwinds — modalidade de velejo na qual se fazem trajetos extensos de um ponto até o outro. Os participantes fazem uma verdadeira viagem deslizando pelos mares do litoral cearense.

"É uma viagem de um ponto A para o ponto B, toda em kite. É um sentimento de liberdade total. Por exemplo, ir do Cumbuco até Jeri em três, quatro dias, todo trajeto pelo mar. Dorme em lugares diferentes. Tem toda uma organização de logística para levar as coisas. Há uma equipe que gerencia a viagem. Já fizemos etapas diferentes, já fomos de Natal até o Macapá com turistas", detalha.

 

Wing foil: conheça novo esporte que virou febre no Ceará

O wingfoil, ou wingsurfe conta com a "pipa" (asa) direto nas mãos do surfistas, dando total controle para o voo. Jericoacoara, esportes radicais
Foto: Eliseu Souza / Divulgação
O wingfoil, ou wingsurfe conta com a "pipa" (asa) direto nas mãos do surfistas, dando total controle para o voo. Jericoacoara, esportes radicais

O praticante da modalidade desliza sobre as águas segurando com as duas mãos uma espécie de asa inflável. Nos pés, a prancha — chamada foil — possui uma quilha gigante com asas.

A atual sensação do universo de esportes náuticos é o wing foil. E como o Ceará é a meca deste microcosmos, a "prancha alada" também voa aqui. As praias de Jericoacoara e Preá são pioneiras no Estado na prática da modalidade, que virou a febre do momento e viu a procura aumentar.

A busca pelo wing foil já representa cerca de 80% da clientela da Tico Wind, escola situada em Jeri, na primeira temporada do esporte. Dono do espaço, o argentino Eduardo Giudici, há 13 anos vivendo na outrora "vila de pescadores", está acostumado a presenciar a paixão pelos esportes náuticos na região e o surgimento de novas modalidades.

 


Quando desembarcou no Estado em busca das condições ideais para a prática do windsurfe, ele encontrou em Jeri o point dos sonhos e a morada para a família. Deixou o emprego formal numa empresa de sistemas para seguir a vida pelos ventos cearenses.

O wind foi a primeira modalidade a atrair velejadores do mundo inteiro para a praia no município de Jijoca. Depois, veio a onda do kitesurfe. "Agora a febre é o wing. Está assim, uma loucura. Vivenciei o que aconteceu quando chegou o kite. Movimentou o turismo. Agora a procura maior é pelo wing. Os europeus estão chegando atrás do novo esporte", conta.

O "carro-chefe" na escola Tico Wind sempre foi o windsurfe. Até a chegada do wing foil. Apaixonado pela modalidade, Guidici ouviu o conselho do amigo de longa data, o empresário Marco Dalpozzo, com quem firmou parceria no projeto de Water Sport Center, e investiu na nova modalidade.

 

"Os europeus estão chegando atrás do novo esporte" Eduardo Giudici


"Ele disse para eu acreditar que funcionaria. E está disparando. Parece com o kite, mas não tem linha. Estou direto no mar com as aulas de wing", comemora.

Um dos primeiros praticantes de wing foil na região, o atleta profissional e instrutor de kitesurfe há 20 anos, Eduardo Fernandes, explica que a procura disparou na praia do Préa, no município de Cruz. Gerente da pousada Rancho do Peixe, ele conta que 70% do público do empreendimento é formado por velejadores.

"Começou uma procura grande por aulas de wing no Preá e em Jeri. É uma coisa nova. A gente começou a divulgar desde o final de agosto que temos o destino perfeito para o wing. E já estava rolando essa nova febre lá fora. Há um aumento exponencial", comentou.

Em novembro, mesmo com a pandemia do novo coronavírus, o Ceará sediou o primeiro campeonato mundial de wing foil. A Praia de Iracema, em Fortaleza, foi o palco para velejadores do mundo inteiro se arriscarem sobre as ondas e serem empurrados pelos ventos do litoral cearense.

 

Esportes náuticos geram emprego e renda em Jeri 

Caso os visitantes passem mais de uma semana em Jericoacoara, será cobrada uma taxa extra de R$ 3 por pessoa a cada dia excedido
Foto: FABIO LIMA
Caso os visitantes passem mais de uma semana em Jericoacoara, será cobrada uma taxa extra de R$ 3 por pessoa a cada dia excedido

O turismo na praia de Jericoacoara, em Jijoca, é diretamente impactado pela prática de esportes náuticos na região. Em busca de ventos constantes, água quente e belezas naturais, praticantes ao redor do globo desembarcam na vila e movimentam a economia local, gerando emprego e renda.

A cadeia produtiva alimentada pelos esportes náuticos engloba, além das redes hoteleira, imobiliária e gastronômica, instrutores das modalidades, bugueiros e guarderias — onde se guardam equipamentos. Os municípios vizinhos, como Camocim e Cruz, também são beneficiados pelo fluxo em Jeri.

O prefeito de Jijoca de Jericoacoara, Lindbergh Martins (PSD), explica que a meta para 2021 é atrair entre 800 mil a 1 milhão de turistas. Antes do impacto da pandemia — que resultou no fechamento da vila para visitantes e do comércio —, a região recebia cerca de 600 mil por ano.

 


"Gera bastante emprego (esportes náuticos), praticantes dão aulas na região de Jeri e no Preá, são vários carros para o transporte. É um público muito selecionado que traz muita renda para o município. São turistas da Espanha, França, Itália, de toda parte do mundo, que vêm praticar aqui. É um instrumento muito forte para atrair turistas", afirma o gestor.

Superintendente da Autarquia de Desenvolvimento do Turismo, Mobilidade e Qualidade de Vida (Adejeri), Bené Neta conta que muitos turistas que vêm praticar esportes náuticos em Jeri ficam na região por temporada, entre três a seis meses, movimentando a cadeia produtiva. "Esses esportes se destacam demais no turismo. Hoje, o estrangeiro conhece muito o Estado pelos esportes. Jeri se destaca, além das belezas naturais, pela procura pelo esporte. Nossa vila é propícia para a prática  e tem atraído cada vez mais turistas. Isso traz visibilidade, gera renda e movimenta o turismo", diz ela.

Bené destaca ainda que o segundo semestre do ano, quando os ventos são constantes no Estado, coincide com o período de férias na Europa. "As escolas ficam cheias, sem falar no movimento — não só em Jeri, mas nas localidades vizinhas. Nesse período, esses esportes são bastante procurados. As condições favoráveis, a temperatura da água, impulsionam a procura."

 

 

O que você achou desse conteúdo?