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O melancólico fim da Lava Jato
Reportagem Especial

O melancólico fim da Lava Jato

Após quase sete anos e quase 300 condenações, a operação anticorrupção mais marcante da história do País chega ao fim com questionamentos legais e seus protagonistas em xeque

O melancólico fim da Lava Jato

Após quase sete anos e quase 300 condenações, a operação anticorrupção mais marcante da história do País chega ao fim com questionamentos legais e seus protagonistas em xeque
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Em 26 de junho do ano passado, três integrantes do grupo de trabalho da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República pediram desligamento das funções, alegando discordâncias com a coordenação dos trabalhos. Dois dias depois, o procurador-geral da República, Augusto Aras, lançou nota sobre o caso destacando que a operação não era um "órgão autônomo” e que não poderia virar "instrumento de aparelhamento".

Se escancarava ali um processo de desgaste interno no Ministério Público Federal (MPF) que culminaria, em 1º de fevereiro deste ano, com o encerramento da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, o mais emblemático núcleo condutor da operação. Por determinação de Aras, parte do grupo perdeu a dedicação exclusiva à investigação, e outra parte foi deslocada para o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPF paranaense.

“Não foi algo que surpreendesse, há alguns anos a queda do apoio internacional e falta de recursos à Lava Jato já se mostravam”, diz Vladimir Feijó, professor de Direito do Ibmec-MG. Segundo ele, o desgaste da operação atingiu novo ápice após Jair Bolsonaro indicar Aras para a PGR.

 

"Independentemente da vontade interna, a chefia passou a estar ‘do outro lado’, a se mostrar mais cautelosa no combate à corrupção, menos disposta a malabarismos jurídicos" Vladimir Feijó, professor de Direito do Ibmec-MG

O jurista atribui a postura do PGR, que vem isolando procuradores da Lava Jato desde a posse, em setembro de 2019, a uma questão de “ambição e sobrevivência política”.

“Ele prefere um caminho mais silencioso, pois é uma das formas de ele ter apoio tanto no Parlamento quanto na possibilidade de ser reconduzido por Bolsonaro, ainda mais se levando em conta que isso parte de um presidente que pretende concorrer à reeleição”, avalia.

Do início da queda de braço com o PGR para cá, a Lava Jato só perde espaço e protagonismo no MPF. A operação, que em sete anos gerou quase 300 condenações, recuperou mais de R$ 4,6 bilhões aos cofres públicos e prendeu empresários ricos e políticos de alto escalão, acabou descaracterizada um ano após a chegada de Aras, com saída do procurador Deltan Dallagnol, uma das "caras" da Lava Jato, da força-tarefa paranaense em setembro de 2020.

Após a chegada de Augusto Aras à PGR, operação passou por processo de esvaziamento contínuo
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Após a chegada de Augusto Aras à PGR, operação passou por processo de esvaziamento contínuo

 


 

Quem matou a Lava Jato?

Nesse sentido, Feijó e outros juristas avaliam como “secundários” na derrocada da Lava Jato os questionamentos jurídicos que a operação vem recebendo nos últimos anos.

A apuração é colocada em xeque sobretudo a partir de junho de 2019, quando o periódico virtual The Intercept passou a vazar conversas entre a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro, titular da Vara na Justiça Federal no Paraná do início das apurações até o fim de 2018.

Jornalista estadunidense Glenn Greenwald estava à frente do Intercept na época das primeiras publicações da Vaza Jato
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Jornalista estadunidense Glenn Greenwald estava à frente do Intercept na época das primeiras publicações da Vaza Jato

 

A ida de Moro para o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), somada ao teor das revelações da “Vaza Jato”, consolidou e ampliou críticas de que o juiz havia sido parcial contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT, abrindo caminho para questionamentos dos métodos da operação.

No início de fevereiro deste ano, a lista de más notícias para a Lava Jato cresceu, após o Supremo Tribunal Federal (STF) conceder acesso das mensagens vazadas no escândalo à defesa de Lula.

"Claro que o combate à corrupção é sempre importante, ninguém é a favor da corrupção. Mas um dos grandes problemas é que, nessa história de que os fins justificam os meios, os métodos utilizados violaram a própria legislação”, diz Alexandre Bahia, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).

"Se o Estado, para prender pessoas por crimes, também comete atos ilícitos, você fica em uma situação de jogo zero, perde-se a legitimidade" Alexandre Bahia, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop)

 

Bahia destaca que, neste sentido, podem ter sido violados princípios constitucionais básicos, como o devido processo legal e a imparcialidade do juiz. Ele afirma, no entanto, que a questão política ainda é determinante no fim da operação.

“Existe uma pressão do Centrão no sentido de isolar e acabar com a Lava Jato, porque ela eventualmente poderia chegar em lideranças desse bloco. Essa questão política parece mais relevante que qualquer problema técnico”.

A questão apontada pelo jurista se reflete sobretudo na primeira indicação feita por Bolsonaro ao STF. Apesar de ter prometido ministro "terrivelmente evangélico" ou que "tome uma cerveja" com ele, o presidente acabou optando por Kássio Nunes Marques para a vaga de Celso de Mello na Corte. Cacifado por lideranças do Centrão, Marques é visto como garantista e adversário do voluntarismo lavajatista, que vem perdendo espaço no Supremo.

“A Lava Jato termina dessa forma meio esquisita, dentro de um governo que teoricamente seria o maior apoiador, porque tinha esse discurso contrário à corrupção. Mas, lá atrás, a indisposição do presidente com Moro já mostrava bem que havia uma distância muito grande entre o discurso de campanha e a prática. Me parece que, a partir de agora, a própria PF vai ter uma atuação bem mais modesta do que chegou a ter”, avalia Alexandre Bahia.

Rompimento entre Jair Bolsonaro e Sergio Moro colaborou para derrocada da operação
Foto: IsaacAmorim/AG.MJ
Rompimento entre Jair Bolsonaro e Sergio Moro colaborou para derrocada da operação

 

 

Políticos se dividem sobre legado da Lava Jato

FORTALEZA,CE,BRASIL,16.08.2015: Pessoas cantam hino nacional durante protesto contra Dilma. Cerca de 15 mil pessoas se reúnem na Praça Portugal, em protesto pedindo impeachment da Presidente Dilma Rousseff e a punição ao envolvidos na Operação Lava Jato. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO)
Foto: TATIANA FORTES
FORTALEZA,CE,BRASIL,16.08.2015: Pessoas cantam hino nacional durante protesto contra Dilma. Cerca de 15 mil pessoas se reúnem na Praça Portugal, em protesto pedindo impeachment da Presidente Dilma Rousseff e a punição ao envolvidos na Operação Lava Jato. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO)

 

A maior operação de combate à corrupção da história. Uma farsa que perseguiu políticos de determinados partidos e protegeu outros. Uma ação anticorrupção importante, mas com vícios de metodologia que colocam em risco todo o trabalho realizado em sete anos.

Dependendo de a quem se pergunta, a Lava Jato pode evocar respostas diametralmente opostas entre políticos. Questionados pelo O POVO sobre a operação, deputados eleitos pelo Ceará seguiram roteiro previsível de respostas, com críticas entre os integrantes de partidos mais atingidos pelas investigações, ou elogios entre quem ficou livre da mira da Justiça.

Guimarães é uma das principais vozes críticas à operação
Foto: pablo valadares
Guimarães é uma das principais vozes críticas à operação

"A Lava Jato de Curitiba, protagonizada por Moro e Dallagnol, foi uma farsa e será reconhecida como o maior escândalo judicial da história da humanidade", resumiu, nas redes sociais, o deputado José Guimarães (PT).

Líder do governo Dilma Rousseff (PT) no auge das denúncias e do processo de impeachment, o petista é crítico antigo da "seletividade" da investigação. "Moro e seus cúmplices contribuíram para quebrar as empresas estratégicas para o desenvolvimento nacional do país. Hoje o Brasil amarga um desemprego altíssimo", diz.

 

"A Lava Jato era um projeto de poder. As mensagens (reveladas na Vaza Jato) comprovam o conluio para perseguir Lula" José Guimarães (PT), deputado federal

 

Eleito na esteira do bolsonarismo e do discurso anticorrupção em 2018, o deputado Heitor Freire (PSL) vai no sentido contrário, se dizendo um "entusiasta" da Lava Jato. "Foi a operação que mais prendeu bandidos do colarinho branco no Brasil, gente que praticava crimes de corrupção há anos, e que agora estão atrás das grades”, diz.

Heitor Freire consolidou vitória nas urnas em 2018 com os discursos bolsonarista e anticorrupção
Foto: DEÍSA GARCÊZ/Especial para O POVO
Heitor Freire consolidou vitória nas urnas em 2018 com os discursos bolsonarista e anticorrupção

Para Capitão Wagner (Pros), a operação também tem saldo muito mais positivo que negativo. “O Brasil demonstrou para o mundo que buscava se livrar desse grande mal, que é a corrupção. Justamente por isso, não acho que ela deveria acabar".

"A continuação da operação é importante para a nação, por tudo que ela simbolizou. Ela iniciou uma limpeza, que infelizmente não foi concluída, até porque não é fácil concluir" Capitão Wagner (Pros), deputado federal

 

Capitão Wagner é um dos parlamentares entusiastas da força-tarefa
Foto: Aurelio Alves/ O POVO
Capitão Wagner é um dos parlamentares entusiastas da força-tarefa

Idilvan Alencar (PDT), por outro lado, avalia que a Lava Jato foi mais positiva que negativa para o País, mas faz ponderações sobre métodos da operação. “A Lava Jato teve sérios problemas de conduta, os responsáveis por ela tinham interesses políticos e descumpriram os preceitos jurídicos. Defendo o combate à corrupção, mas dentro da ordem jurídica”, afirma. Apesar das ponderações, o parlamentar diz que, por ele, as investigações deveriam continuar.

"Combate a corrupção deve ser visto como um processo contínuo. E não deve servir de palanque para os agentes públicos. Eles têm o dever de agir de acordo com a lei. Parece-me que a Lava Jato teve água suja para todos os lados" Idilvan Alencar (PDT), deputado federal

 

Idilvan Alencar faz ponderações quanto aos procedimentos adotados pela Lava Jato
Foto: MAURI MELO
Idilvan Alencar faz ponderações quanto aos procedimentos adotados pela Lava Jato

 

Preocupação do brasileiro com corrupção despencou entre 2016 e 2020

Poucos fatores foram tão fundamentais para o sucesso da Operação Lava Jato quanto a ressonância que as investigações encontraram entre a população brasileira. Nos anos mais ativos da força-tarefa em Curitiba, mobilizações de massa em defesa da operação foram essenciais para vencer pressões políticas contra o andamento das apurações.

Nesse sentido, a própria percepção da população com a corrupção parece ter relação direta com o andamento da Lava Jato. Em fevereiro de 2014, quase um mês antes da primeira fase da operação, pesquisa do Datafolha apontava que quase 10% da população brasileira considerava a corrupção o maior problema nacional.

Dois anos depois, quando o Congresso estava prestes a votar o impeachment de Dilma Rousseff (PT), o mesmo índice havia disparado para 37%. A preocupação se manteve elevada até depois da eleição de Jair Bolsonaro. Em dezembro de 2018, o Datafolha apontava que 20% dos brasileiros tinham a corrupção como principal preocupação.

A partir daí, quase que concomitantemente com a redução de força e expressividade da Lava Jato, o interesse da população no tema despencou. Em julho de 2019, já durante o governo Bolsonaro, a preocupação com o tema era de apenas 7%.



"Nessa questão do apoio popular, você acabou tendo um racha no que antes era um bloco. Quando tinham apoiadores do Bolsonaro e do Moro todos juntos nessa 'pseudocruzada' contra a corrupção, talvez nesse tempo alguém falar que ia acabar com a Lava Jato iria gerar uma comoção imensa. A partir do racha entre Bolsonaro e Moro, e com a existência de um terceiro lado que sempre criticou, houve então um esfacelamento da operação", diz o jurista Alexandre Bahia, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).

"É um fim melancólico, porque os principais envolvidos saem de heróis para eventuais criminosos. De gente que tinha grande potencial para limpar o país, viraram pessoas que tornaram o país menos produtivo, com menos indústria e menos empregos”, diz o jurista Vladimir Feijó, professor de Direito do Ibmec-MG.

Para o advogado Thiago Elias, no entanto, o legado da Lava Jato fala mais alto. "Que a operação fez muito pelo país é inegável. É um marco no combate à corrupção. Eu não diria que foi um fim melancólico, mas mais um fim antecipado. Até pela importância, merecia durar mais”.

FORTALEZA,CE,BRASIL,16.08.2015: Pessoas exibem cartazes durante protesto contra Dilma. Cerca de 15 mil pessoas se reúnem na Praça Portugal, em protesto pedindo impeachment da Presidente Dilma Rousseff e a punição ao envolvidos na Operação Lava Jato. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO) *** Local Caption *** Publicada em 17/08/2015 - PO 15
Foto: TATIANA FORTES
FORTALEZA,CE,BRASIL,16.08.2015: Pessoas exibem cartazes durante protesto contra Dilma. Cerca de 15 mil pessoas se reúnem na Praça Portugal, em protesto pedindo impeachment da Presidente Dilma Rousseff e a punição ao envolvidos na Operação Lava Jato. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO) *** Local Caption *** Publicada em 17/08/2015 - PO 15
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