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Biden e Putin: o novo capítulo na tensão EUA-Rússia
Reportagem Especial

Biden e Putin: o novo capítulo na tensão EUA-Rússia

Costumeiramente em polos opostos do tabuleiro mundial, EUA e Rússia têm algo em comum: a defesa de seus interesses

Biden e Putin: o novo capítulo na tensão EUA-Rússia

Costumeiramente em polos opostos do tabuleiro mundial, EUA e Rússia têm algo em comum: a defesa de seus interesses
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“Assassino” e “alguém que não tem alma”. Foram esses os termos que o presidente dos EUA, o democrata Joe Biden, utilizou para qualificar o líder russo, Vladimir Putin, na semana passada, ao provocar o primeiro grande ruído diplomático de sua estadia na Casa Branca. Com pouco mais de dois meses de gestão, o americano sinaliza que deve conduzir o tratamento com os russos de maneira distinta àquela adotada pelo seu antecessor, o ex-presidente Donald Trump.

Aclamado entre os democratas por ser um político considerado moderado, Biden deu a declaração em entrevista à emissora ABC News no dia 17 de março. Ao ser questionado se acreditava que Putin, acusado de ordenar o envenenamento do líder da oposição russa, Alexei Navalny, é um assassino, o democrata não titubeou: "Acho", afirmou, gerando reações imediatas de Moscou e de Putin que ironizou: "Sempre vemos no outro as nossas próprias características", disse no dia seguinte.

Biden tem seus motivos para azedar a relação. Um relatório da inteligência americana, do ano passado, apontou que Putin tentou minar a candidatura do americano nas eleições de novembro em benefício de Trump. "Logo verão o preço que ele vai pagar", disse Biden sem dar mais detalhes. O Kremlin, por sua vez, nega qualquer interferência e classifica as declarações de Biden como “terríveis”.

O presidente dos EUA Joe Biden fala durante uma reunião virtual
Foto: POOL / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / VIA AFP
O presidente dos EUA Joe Biden fala durante uma reunião virtual

As rusgas mais recentes englobam ainda casos como o ataque de hackers associado ao governo russo, a sistemas operacionais de departamentos do governo americano, no caso que ficou conhecido como “Solarwinds”; a anexação da Crimeia; a guerra na Ucrânia; o conflito na Síria; dentre outros.

É natural que desavenças entre americanos e russos repercutam mundo afora, consequentemente, revivendo o termo: “Guerra Fria”. O Kremlin declarou que sempre espera o “melhor”, mas se prepara para o “pior” quando indagado sobre a possibilidade. Entretanto, é pouco provável que aquele modelo de guerra se repita. Os tempos e as relações são outros.

Presidente dos EUA, Joe Biden, ligou para presidente russo Vladimir Putin, em janeiro de 2021, pela primeira vez desde que assumiu o cargo, e levantou preocupações com o líder do Kremlin sobre o envenenamento do líder da oposição Alexei Navalny e sobre conflitos com a Ucrânia
Foto: JIM WATSON - Alexander NEMENOV / AFP
Presidente dos EUA, Joe Biden, ligou para presidente russo Vladimir Putin, em janeiro de 2021, pela primeira vez desde que assumiu o cargo, e levantou preocupações com o líder do Kremlin sobre o envenenamento do líder da oposição Alexei Navalny e sobre conflitos com a Ucrânia


A Rússia tem pedido diálogo publicamente, mas já trabalha nos bastidores para responder a novas sanções americanas; tendo inclusive convocado seu embaixador em Washington, Anatoly Antonov, para consultá-lo sobre as relações com os EUA. Na última segunda-feira, o Kremlin lamentou a postura americana. "Outra oportunidade perdida para romper a estagnação das relações russo-americanas que existe por culpa de Washington", afirmou o ministério das Relações Exteriores.

Vladimir Putin, presidente da Rússia vive imbróglio político com Estados Unidos
Foto: SERGEI CHIRIKOV
Vladimir Putin, presidente da Rússia vive imbróglio político com Estados Unidos

Costumeiramente em polos opostos do tabuleiro mundial, EUA e Rússia têm algo em comum: a defesa de seus interesses. Na Síria, os russos têm colaborado para a manutenção de Bashar Al-Assad no poder, enquanto os EUA tentam derrubar o ditador. As interferências no conflito ocorrem por conta do desejo de controle sobre uma área estratégica para a geopolítica mundial; mesmo que às custas de uma guerra civil que já matou quase 400 mil pessoas e refugiou mais de seis milhões de sírios em dez anos.

ONU denuncia dez anos de crimes de guerra na Síria
Foto:
ONU denuncia dez anos de crimes de guerra na Síria

A disputa pode, inclusive, prejudicar países de regiões em conflito, como o Oriente Médio. Isso porque novos focos de tensão podem surgir a partir dos apoios de russos e americanos; o que prolongaria as guerras. Apesar das ameaças, Biden diz que o cenário não implica no corte das relações com Moscou.

O gestor usou uma metáfora para definir eventual situação onde negocia pautas globais com a Rússia, enquanto os retalia com sanções: "Dá para andar e mascar chiclete ao mesmo tempo", disse. A curto-prazo a relação russo-americana deve ser de cooperação no que convém, com farpas trocadas pelo caminho. Algo comum na trajetória de Putin com presidentes dos EUA; democratas ou republicanos.

Na última sexta-feira, Biden expressou apoio dos EUA à Ucrânia, defendendo sua soberania e integridade territorial "diante da contínua agressão da Rússia em Donbass e na Crimeia", segundo comunicado emitido. As fronteiras do país do leste europeu têm sido ocupadas por forças militares russas, que se movimentam na região. O fato gerou preocupação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). 

 Várias maneiras de fazer uma guerra

 

A polêmica envolvendo os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da Rússia, Vladmir Putin, na semana passada, quando o americano concordou que o russo era um “assassino”, gerou apreensão e expectativa de todo o mundo, em especial de regiões que estão sob a influência dos dois países e que vivem à sombra de conflitos ainda sangrentos como é o caso Oriente Médio. Uma guerra direta entre Moscou e Washington é improvável; o que não significa que não haja outras maneiras de se impor no tabuleiro político.

Fabio Gentile, cientista político e PhD em Filosofia e Política pela Universidade L'Orientale, de Nápoles, descarta qualquer chance de conflito direto, a exemplo da Guerra Fria. “Não houve um conflito direto entre essas potências. É provável que teremos uma estratégia parecida, mas num cenário diferente. O papel de novos atores como China, Índia e União Europeia também conta nesse cálculo”, argumenta.

" A guerra comercial; a guerra com embargos econômicos; potências aliando-se em novos tratados para isolar outras; boicotagem. Todas são formas de guerra e às vezes mais eficazes." Fabio Gentile, cientista político

O especialista ressalta ainda que há novas maneiras de fazer guerra. “A guerra comercial; a guerra com embargos econômicos; potências aliando-se em novos tratados para isolar outras; boicotagem. Todas são formas de guerra e às vezes mais eficazes. Se você quiser provocar crise em um país, a guerra direta não é a primeira opção. A questão financeira gera turbulência e desestabiliza tanto quanto”, diz.

Em termos de conflito armado, o que pode ocorrer são novas guerras indiretas em locais onde há interferência de ambos os países. É o caso da guerra civil na Síria que já dura dez anos.

Fabio Gentile professor associado do Departamento de Ciências Sociais da UFC
Foto: Acervo pessoal
Fabio Gentile professor associado do Departamento de Ciências Sociais da UFC

As desavenças entre americanos e russos são carregadas de ideologia em sua origem, meio e fim. No caso americano, os presidentes, democratas ou republicanos, têm compromisso com uma linha política que envolve interferências em questões mundiais. “Eles se apresentam como o modelo de democracia a ser replicado no mundo ocidental, o que justificaria exportar esse modelo aos outros países, de qualquer jeito, até mesmo promovendo guerras. É uma estratégia para justificar sua presença em regiões como o Oriente Médio, a América Latina e demais áreas de interesse”, aponta Gentile.

Já no caso russo, o polo é o oposto. Para o cientista, a Rússia sempre teve um projeto de política internacional e Putin se apresenta como líder que resgatará essa tradição. “Como? Apoiando todos os líderes que colocam o ‘interesse nacional’ contra o modelo globalizado dos EUA. É a lógica de quem se coloca como defensor do estado-nação, da soberania nacional e contra invasores. Quando ele apoia um soberano, mesmo que seja um ditador, fala que está defendendo o ataque do capitalismo americano”, encerra.

 

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