Logo O POVO+
Dados defasados e políticas capengas: os riscos de ficar sem um Censo Demográfico
Reportagem Especial

Dados defasados e políticas capengas: os riscos de ficar sem um Censo Demográfico

As discussões sobre a realização do Censo em 2021 se aqueceram nas últimas semanas. Esta é a quarta vez desde 1872 que a pesquisa foi cancelada ou atrasou. Os prejuízos são reais e especialistas temem dificuldades futuras para o País

Dados defasados e políticas capengas: os riscos de ficar sem um Censo Demográfico

As discussões sobre a realização do Censo em 2021 se aqueceram nas últimas semanas. Esta é a quarta vez desde 1872 que a pesquisa foi cancelada ou atrasou. Os prejuízos são reais e especialistas temem dificuldades futuras para o País
Tipo Notícia Por

Conhecer o próprio País, as condições de vida de sua população e quais as políticas públicas que lhes devem ser direcionadas podem ficar ainda mais difíceis no Brasil com a falta de informações suficientemente atualizadas. Especialistas ouvidos pelo OP+ temem prejuízos para a nação, caso se confirme uma possível não realização - adiamento indefinido - do Censo Demográfico em 2021.

Responsável pela execução e divulgação da pesquisa, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) viu no parecer da Comissão Mista Orçamentária do Congresso Nacional um corte da ordem de R$ 1,76 bilhão do orçamento solicitado para poder ir a campo e coletar os dados.

Então presidente do órgão, Susana Cordeiro Guerra tentou negociar com mandatários de diferentes instituições o valor integral para viabilizar a pesquisa (R$ 2,3 bilhões), porém nada fez mudar a decisão dos legisladores. “De mãos atadas”, ela pediu demissão do cargo em 26 de março, deixando o alerta:

"Sem o Censo em 2021, as ações governamentais pós-pandemia serão fragilizadas pela ausência das informações que alicerçam as políticas públicas com impactos no território brasileiro, particularmente em seus municípios" Susana Cordeiro Guerra, em carta assinada em conjunto com o diretor de pesquisas do IBGE, Eduardo Rio-Neto

Dias após, em 28 de abril, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio deferiu liminar que determina à União e ao IBGE “a adoção de medidas voltadas à realização do Censo Demográfico de 2021”.

Apesar disso, algumas dúvidas ficaram no ar. Afinal de contas, qual a verdadeira importância do Censo e quais prejuízos acarretam o seu eventual cancelamento? O POVO consultou especialistas para dar respostas a essas e outras questões.

 

 A importância e possíveis prejuízos 

 

A contagem da população brasileira para a década de 2020 devia ter ocorrido no ano passado, mas a pandemia de Covid-19 fez o IBGE adiá-la para este ano.

Conforme explica o professor Tiago Vieira Cavalcante, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), a relevância do censo vai além dessa contabilidade. Pelo WhatsApp, ele comentou os eventuais prejuízos que poderiam afetar o Brasil caso a pesquisa censitária não fosse realizada.


“Vamos ficar com políticas capengas”

 

O censo demográfico pode ser considerado como um autorretrato do País. Nessa imagem, é permitido ver quais características sua população apresenta, como suas cidades estão se desenvolvendo, entre muitas outras informações. Com ele é possível que os poderes públicos e privados tomem decisões.

Quais políticas de moradia e emprego são necessários se um governo não sabe quais os traços e as condições de seu povo? Onde instalar uma fábrica sem antes saber as particularidades sobre a infraestrutura e a mão de obra de um determinado município? Onde construir um hospital, uma delegacia, uma escola, sem uma base de dados suficientemente atualizada?

As informações colhidas de casa em casa pelo IBGE a cada dez anos buscam responder essas e muitas outras questões que afetam diretamente na vida dos brasileiros dia a dia.

 

Ler também: A importância do Censo e os perigos de um País às escuras

 

“Não ter dados fidedignos que validem as políticas públicas e privadas é como ter uma fotografia opaca. A não realização do Censo corresponde a aumentar o nível de opacidade, portanto, fazer essa pesquisa é buscar dar nitidez para este retrato”, contou o geógrafo humano José Borzacchiello da Silva.

Professor da PUC-Rio e titular emérito da Universidade Federal do Ceará (UFC) com trabalhos em destaque sobre a geografia urbana, Borzacchiello diz que os dados contidos no levantamento contribuem para a compreensão de diferentes realidades no País.

Ele destaca o fato dela ocorrer de maneira domiciliar e com as próprias pessoas informando seus dados, sem intermédio.

 

Ainda no distante Brasil Império, em 1872 foi realizada a primeira contagem da população. Em uma sociedade bastante diferente da atual, à época ainda eram contabilizadas informações da ordem de quantas pessoas eram livres e quantas viviam em regime de escravidão.

De lá até 2020, em outras quatro oportunidades a contagem não aconteceu ou atrasou: 1910, 1930 e 1990. Nessas épocas, a falta de informações que dessem bases às políticas públicas do País causou “prejuízos para o Brasil” – e isso pode ocorrer novamente nesta década, alerta o professor Borzacchiello.

“É lamentável caso não seja realizado o Censo. Com certeza os fundos de investimentos, os repasses aos municípios, vão ficar defasados. Vamos ficar com políticas capengas. Você contar a população representa muita coisa: se ela está trabalhando, morando bem. O Censo é muito completo e indica dados muito preciosos. Ficar sem ele, todos nós perdemos.”

Falta de planejamento para alternativas

 

Em contato com O POVO, a assessoria de comunicação do IBGE considerou o Censo como “a ferramenta mais importante para o planejamento das políticas públicas de um país”. Em meio à pandemia de Covid-19, dúvidas sobre se ocorreram mudanças na configuração da sociedade brasileira surgem.

Com isso, a não realização da pesquisa censitária poderia implicar em políticas “cada vez mais desconectadas da realidade social, econômica e demográfica”, ainda conforme o IBGE.

Essa opinião é seguida pelo doutor em Economia pela UFC, Vitor Hugo Miro. De acordo com ele, “a pandemia pode distorcer alguns indicadores de renda, ou de acesso a determinados bens e serviços”.

"Mas concordo que estaremos em uma situação pior sem as informações da pesquisa. Alguns países optaram por adiar suas pesquisas censitárias, mas fizeram isso de forma planejada, e não por problemas orçamentários, ou políticos, como é o nosso caso" Vitor Hugo Miro, doutor em Economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC)

Ele ainda completou, dizendo que alternativas podem ser pensadas para amenizar os prejuízos, como a realização de uma contagem populacional e a própria pesquisa censitária nos próximos anos. “A questão é que estas alternativas não foram debatidas e planejadas”, declarou. (Colaborou Nadine Lima / Especial para O POVO)

O que você achou desse conteúdo?