Em 2016, o Supremo Tribunal Federal votou um recurso que concedia 180 dias de licença-adotante a uma servidora federal de Pernambuco que adotou uma criança de um ano de idade e que havia obtido o direito a uma licença de apenas 30 dias (150 a menos do máximo que as trabalhadoras do setor privado poderiam ter). O entendimento era de que os prazos da licença para quem adota uma criança não poderiam ser inferiores aos de quem teve um filho biológico. Além disso, não seria possível fixar prazos de afastamento diferentes por causa da idade da pessoa adotada.
Passados cinco anos da votação que foi um dos marcos na história da adoção no país, o que se vê hoje é uma diversidade de prazos e tipos de licenças-adotantes: no âmbito do serviço público estadual, apenas um terço das unidades federativas concedem às servidoras prazos iguais à licença-maternidade, independentemente da idade dos adotados: Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia e Rio Grande do Sul.
O que você acha que pode ser feito na seguinte situação: Joana e Felipe têm 16 e 14 anos, respectivamente. Juca, o irmão caçula, tem apenas cinco meses de vida. Eles foram adotados juntos por um casal. O tempo da licença-adotante será maior por causa das idades deles?
É de se imaginar que o prazo seria maior tanto por causa do bebê, que demanda mais cuidados, quanto por causa dos adolescentes, que precisam de mais atenção para se adaptarem à nova rotina, mas o que acontece na prática é que a maioria dos estatutos dá maiores prazos apenas para crianças com cinco anos ou menos.
A maioria dos regimentos estaduais oferece maiores prazos de licenças de acordo com a idade da criança - quanto mais novas elas são, maiores os prazos. A medida é criticada por especialistas por desconsiderar o fato de que crianças mais velhas passaram mais tempo em abrigos e precisam de um tempo maior de adaptação ao novo lar.
O levantamento feito nos 27 estatutos de servidores estaduais revelou que, com exceção dos estados mencionados, a licença concedida é inversamente proporcional à idade do adotado, ou seja, quanto mais velho ele for, menor é o prazo concedido. O correto seria 120 dias, prorrogável por mais 60, totalizando 180 dias, seja para qual for a faixa etária. As licenças para crianças maiores de um ano vão de 30 a 90 dias. Só garante o prazo máximo quem tem bebês de 0 até um ano de idade. As licenças mais recorrentes são as 30, 60 e 90 dias, com maior predominância da de 30 dias.
O levantamento foi feito pelo Data.doc — Núcleo de Dados do O POVO — com base nos estatutos e em 27 pedidos de Lei de Acesso à Informação (LAI) para checagem de atualizações. Até o fechamento desta reportagem, os seguintes estados não enviaram respostas: Acre, Amazonas, Roraima e Piauí.
O que você acha que pode ser feito na seguinte situação: Arthur e Lorena adotaram dois irmãos de uma só vez. Como o casal vai precisar se dedicar em dobro para cuidar dos bebês, Lorena foi pedir a licença-adotante e explicou que os filhos eram gêmeos. Essa informação será levada em conta para a concessão da licença?
Muitas pessoas pensam que para crianças adotadas de uma vez, a licença será dada a cada adoção, mas não é o que acontece.
Assim como na licença-maternidade, o período é o mesmo, independentemente da quantidade de filhos gerados ou adotados. Ou seja, a licença é concedida independentemente de quantos filhos foram adotados de uma só vez.
“A primeira coisa que ocorre como consequência dessas discrepâncias é a judicialização de vários processos de adoção. Isso acontece porque apesar de não haver previsão sobre o direito do servidor estadual aos mesmos prazos de licenças na lei, há jurisprudência que defere o mesmo prazo a que teria direito uma mãe biológica”, ressalta Andreia Paz Rodrigues, defensora pública e dirigente do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (Nudeca) da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul.
Embora o Rio Grande do Sul seja um dos dois estados que garantem os 180 dias de licença à adotante - independente da idade do adotado - até 2017 o estado tinha quatro tipos de licenças que variavam conforme a idade da criança ou do adolescente (o outro é Roraima). A nova redação foi dada em 2018, por meio da Lei Complementar nº 15.165, de 27 de abril de 2018.
Anteriormente, a antiga redação da norma dava as mães apenas 30 dias de licença, isso se adotassem crianças a partir de seis anos e adolescentes com menos de 18. A regra era preocupante, pois segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, essa faixa etária corresponde à maior população disponível para adoção no País.
O que você acha que pode ser feito na seguinte situação: Paula e Marcela são casadas e adotaram um filho. As duas são “mães de primeira viagem”, e querem pedir licença dos respectivos trabalhos para cuidar melhor da criança. Elas têm esse direito?
O leitor pode até pensar que se há duas mães, a licença (maternidade ou adotante) será em dobro. O que acontece nesses casos é que para a outra mãe, o afastamento será por período equivalente à licença-paternidade.
Apesar da licença só poder ser pedida por uma das mães, assim como a licença-maternidade, há várias decisões favoráveis na Justiça para a dupla concessão.
Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), 4.259 crianças e adolescentes estavam em processo de adoção e outras cinco mil se encontravam à espera de uma família no final de maio. O descompasso é que existiam 32 mil pretendentes disponíveis e habilitados para receber uma criança ou adolescente em seu núcleo familiar, ou seja, havia mais pessoas querendo adotar do que crianças e adolescentes disponíveis para adoção no Brasil.
O que você acha que pode ser feito na seguinte situação: A pequena Roberta nasceu prematura e tem uma malformação grave. Quem a adotou terá direito a licença mais longa para cuidar dela?
Mesmo que a criança tenha problemas de saúde, a apresentação de laudos médicos, por exemplo, não serve para a obtenção de uma licença mais longa.
No caso dos estatutos que regem a concessão de licença para servidores públicos estaduais, o único fator que influencia na duração das licenças é a idade da criança.
Em Fortaleza, segundo a Defensoria Pública do Ceará, existem 48 crianças e adolescentes disponíveis para adoção e 318 pretendentes na fila. “A proporção entre pretendentes e crianças é um pouco menor em relação aos números nacionais, o que pode ser consequência do Ceará estar em uma situação pacificada em relação à Constituição e posicionamento do STF”, indica Julliana Andrade, defensora pública supervisora do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública da Infância e Juventude (Nadij).
Apesar do Ceará não fazer distinção nos prazos de licença, há diferença na liberação do salário-maternidade. Enquanto para as mães biológicas o pagamento é condicionado à apresentação da certidão de nascimento do filho, ao atestado de vacinação e de comprovação de frequência escolar, para a adotante o pagamento está atrelado à idade da criança (oito anos no máximo).
O que você acha que pode ser feito na seguinte situação: Júlia e Fernando concluíram o processo de adoção. Pouco tempo depois, Fernando morre e Júlia decide que não tem como cuidar da criança sozinha. Ela pode recorrer à Justiça para devolver a criança?
Muitas pessoas imaginam que a possibilidade de devolução está na lei para tornar o processo de adoção mais acessível, já que pode ser desfeito, mas a verdade é que apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente prever a situação, ela é altamente indesejável.
Como forma de responsabilização pelos danos causados por mais um abandono à criança, a Justiça tem aplicado algumas formas de punição, dentre elas a exclusão do cadastro e a indenização por danos morais, entre outros.
De padrinho afetivo a pai adotivo
“Professor, o que o senhor está fazendo aqui?”
A pergunta foi feita pelo Fábio, que tinha 12 anos, ao Ricardo, que era seu professor de Inglês em uma escola estadual de Curitiba, Paraná.
Ricardo Gouveia, 53, estava em um evento promovido por uma Organização Não-Governamental para apadrinhamento de crianças e preparação de futuros pais adotivos, encontros que são comuns em instituições que se dedicam à adoção e que geralmente servem para que as próprias crianças escolham seus padrinhos e madrinhas, que podem ou não contribuir mensalmente com doações revertidas para os programas e projetos dos quais essas crianças participam. O principal objetivo é desenvolver vínculos afetivos dos adultos com as crianças por meio da oferta de tempo, escuta, disponibilidade e companhia — sem que no entanto envolva guarda ou nenhum tipo de tutela legal.
Naquele dia, Fábio era uma das crianças e escolheu o então professor como padrinho. Dois anos depois, em 2019, o rapaz passaria a chamá-lo de pai.
"Dentre tantas coisas ruins que a pandemia trouxe, pelo menos uma coisa boa foi a gente poder estar junto mais tempo em casa."
Corta para 2021. Pai solo, o professor se desdobra em dar aulas online e cuidar do filho que hoje tem 15 anos e já o ultrapassa na altura. “Dentre tantas coisas ruins que a pandemia trouxe, pelo menos uma coisa boa foi a gente poder estar junto mais tempo em casa”, reflete. Ele lembra que após a adoção ter sido oficializada, teve apenas os três meses de licença-adotante prevista no estatuto dos servidores do estado para ajustar o estilo de vida que incluía viagens prolongadas e tardes tranquilas de sono. “Mudou tudo!”, brinca, enquanto pede uma pausa na entrevista para ver o bolo que estava no forno e seria o lanche do “menino”.
Ricardo se questiona por que não teve o mesmo tempo de licença-adotante que teria se ele fosse mulher. “As demandas com as quais tive de lidar ao criar um filho sozinho foram as mesmas”, acrescenta.
A batalha pelo tempo
Semiramis Magalhães tem 50 anos e é professora de Sociologia da rede estadual de ensino do Ceará. Há quatro anos, é também mãe de Ana Rayla, de 10 anos, uma menina que já viveu mais histórias do que a pouca idade que nela cabe.
"Mãe, você sabe por que eu não aceitei as outras famílias? Porque eu ‘tava’ esperando a senhora chegar."
Corria o ano de 2017 quando Semiramis chegou à Vara da Infância e Juventude cercada de psicólogos e assistentes sociais para acompanhar a primeira visita à pequena, que estava debruçada sobre um papel desenhando o que seria uma família com pai e mãe. Semiramis se aproximou e começou a explicar que uma família de verdade é onde tem amor e afeto, e isso uma única pessoa seria capaz de compartilhar com alguém, desde que esse alguém também quisesse. Rayla era muito novinha mas entendeu o que a professora queria dizer.
Semiramis conquistou o amor de Rayla mas depois teve que lutar contra as regras dos adultos que teimavam em conceder apenas um mês de licença para que ela aprendesse a ser a mãe que a filha precisava que ela fosse. A professora entrou na Justiça para ter direito ao mesmo tempo que uma mãe teria após ganhar um filho biológico. Após muito custo, teve ganho de causa porque antes dela havia acontecido o processo do Pedro (a gente conta essa história também!).
“Sim, foi uma luta tê-la ao meu lado, o que é uma pena, porque assim como ela, outras tantas crianças estão crescendo em abrigos e perdendo a chance de ter alguém para amá-las”, lamenta Semiramis. “Minha filha foi uma adoção tardia, que é como se chama quando a criança já é grandinha e relativamente independente, mas o aprendizado ‘para valer’ dela, foi comigo. Eu que ensinei as coisas mais simples que uma criança aprende em um lar, que foi o que ela não teve durante a maior parte da vida dela”, lembra.
Uma história de referência no Ceará
A saga de Pedro Henrique Sampaio, 48, e do auxiliar administrativo Carlos Rocha, 35, para ficarem com a filha Adriely foi um dos marcos na adoção no Ceará. Isso porque o caso deles serviu para que outros servidores públicos estaduais conseguissem a licença-adotante com o mesmo tempo de uma licença-maternidade antes que a regra valesse para todos. Além disso, ela foi concedida pela primeira vez a um servidor que tinha em uma relação homoafetiva.
No entanto, o caminho foi tortuoso: na época em que eles decidiram dar entrada no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), descobriram que a comarca de Pacatuba não tinha o sistema implantado, apesar da legislação estabelecer a obrigatoriedade. “A busca ativa [para encontrar uma família para crianças acima de sete anos ou com algum tipo de deficiência] teve que ser em Fortaleza, mesmo com a lei exigindo que o cadastro acontecesse na cidade onde residíamos e proibindo a realização em outra cidade”, lembra Pedro.
"É importantíssimo o trabalho de instituições como a Acalanto, em Fortaleza, que ajudam as pessoas com troca de experiências e apoio psicológico e jurídico."
“Enquanto isso, a Adriely, que estava no perfil de adoção tardia, pois tinha oito anos de idade, estava vivendo em abrigo. Todo o processo até ela morar conosco ainda levou meses. Sentíamos que estávamos perdendo a chance de vê-la crescer e ela, de ter uma casa”, acrescenta. Tudo isso aconteceu em 2017, ano em que a lei que alterava o Estatuto da Criança e do Adolescente e reduzia os prazos para a adoção foi sancionada pela presidência da República.
Pedro agradece aos grupos de apoio a pais como ele, os quais foram essenciais para que o casal pudesse encontrar amparo. “É importantíssimo o trabalho de instituições como a Acalanto, em Fortaleza, que ajudam as pessoas com troca de experiências e apoio psicológico e jurídico”, destaca.
Com o coração (e o cadastro) abertos para as crianças especiais
Mesmo toda a experiência de Janaina Machado com as crianças com necessidades especiais não impediu que batesse um frio na barriga ao adotar a filha Maria Vitória, hoje com seis anos. Com dois anos e meio e uma paralisia cerebral, a criança chegou à casa da família em Itararé (SP) apenas seis meses depois do casal ter entrado na fila de adoção. A professora do ensino fundamental e médio e o motorista Meuczadek Arruda, 36, estavam com o perfil aberto no cadastro — ou seja, estavam dispostos a adotar crianças de qualquer cor ou estado de saúde, sem exigência de idade (entra também nesta categoria quem se dispõe a acolher irmãos). Esperaram apenas seis meses, tempo médio de espera para esses casos.
“Tive direito a seis meses de licença maternidade, mas se nossa filha tivesse cinco anos, por exemplo, eu teria apenas três meses. Sinceramente, não sei se eu conseguiria em tão pouco tempo, já que é preciso conhecer as necessidades da criança e se organizar”, pondera. O estado de São Paulo só concede licença-adotante para crianças de até sete anos. Depois não prevê nenhum outro tipo de licença.
" Nossa filha é maravilhosa e a experiência de sermos pais dela está muito acima de qualquer deficiência que ela tenha. Ela é a nossa prova viva e diária de que milagres acontecem."
Janaina e Meuczadek têm filhos já crescidos de relacionamentos anteriores e passaram por um processo traumático da perda do filho biológico que tiveram juntos. “Levei cinco anos para me recuperar. Depois de tanto sofrimento, chegamos à conclusão de que o que queríamos mesmo era ser mãe e pai, independentemente de como fosse o processo para a chegada da criança. Aí optamos pela adoção. Nossa filha é maravilhosa e a experiência de sermos pais dela está muito acima de qualquer deficiência que ela tenha. Ela é a nossa prova viva e diária de que milagres acontecem, mesmo que seja em coisas simples, como ela aprender a usar o controle remoto da TV”.
Encarando as nuances do processo de uma adoção
A história da adoção no que se refere à legislação brasileira nos remete ao início do século 20. O assunto foi tratado pela primeira vez em 1916, no Código Civil. Depois da iniciativa, seguiram-se a aprovação de três leis (3.133/1957, 4.655/1965 e 6.697/1979) antes da chegada, em 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069), considerado inovador à época e alterado depois pela atual legislação.
As alterações atuais trouxeram mudanças expressivas, principalmente no entendimento jurídico de que as configurações familiares são diversas e não são apenas compostas por "pai" e "mãe". Há pouco mais de 40 anos, somente casais casados (e heterossexuais) poderiam ter filhos adotivos. Atualmente, diversas decisões judiciais já asseguraram aos casais homoafetivos a chance a acolher uma criança, que deve ter os mesmos direitos de qualquer descendente biológico.
Falar sobre adoção, no entanto, nem sempre é uma tarefa fácil porque ela possui muitas nuances e interpretações que acabam passando despercebidas para o público em geral. Nesse contexto, é essencial a a figura de instituições e profissionais que atuam na área do Direito Civil, como a advogada na área de direito de família e sucessões Joyceane Bezerra de Menezes, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade de Fortaleza (Unifor).
O POVO - Se há jurisprudência, por que os estatutos dos servidores estaduais no Brasil não igualam os períodos de licença-adotante à maternidade?
Joyceane Bezerra de Menezes - A licença maternidade surgiu com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943. Era de 84 dias e tinha que ser paga pelo empregador, o que causava restrições para as mulheres no mercado de trabalho. Com o passar dos anos, elas obtiveram conquistas profissionais, o que levou a uma recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para que a Previdência Social passasse a arcar com os custos da licença maternidade.
"Lembrando que a adoção é muito mais um direito da criança do que do adotante. A licença-maternidade, por exemplo, é mais para os cuidados com a criança do que para a mãe se recuperar."
No Brasil, isso ocorreu a partir de 1973, mas a mulher gestante não tinha garantia de emprego, e muitos empregadores dispensavam as grávidas, mesmo com os custos da licença sendo arcados pelos cofres públicos. A situação mudou com a Constituição de 1988, que garantiu a estabilidade para todas as empregadas gestantes, além de ampliar o período da licença de 84 para 120 dias. Em 2017, o recurso extraordinário do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, disse que os prazos da licença da adotante não podiam ser inferiores aos prazos da licença gestante, não sendo possível também fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada. Lembrando que a adoção é muito mais um direito da criança do que do adotante. A licença-maternidade, por exemplo, é mais para os cuidados com a criança do que para a mãe se recuperar. No entanto, muitos estados ainda não transformaram em lei tanto essa decisão do STF quanto o que está na Constituição.
O POVO - Então quem adotar e se sentir prejudicado precisaria necessariamente procurar a Justiça e esperar por todo o processo para usufruir do tempo da licença-adotante equivalente à da maternidade, por exemplo?
Joyceane Bezerra de Menezes - Não necessariamente. Se o setor administrativo da instituição estiver impedindo a pessoa de requerer a licença-adotante com o mesmo prazo da licença concedida a quem teve o filho por meios biológicos, ela pode alegar que seu direito está sendo violado por ato de autoridade e pedir uma liminar, bastando para isso ter a tutela antecipada da criança.
"A licença paternidade de pai solteiro não pode ser interpretada como a licença paternidade comum, concedida em paralelo com a licença maternidade."
O POVO - O homem tem direito ao mesmo prazo de licença que a mulher?
Joyceane Bezerra de Menezes - Essa é outra questão. Vamos tomar o caso de um homem solteiro que adota uma criança. A licença paternidade de pai solteiro não pode ser interpretada como a licença paternidade comum, concedida em paralelo com a licença maternidade. A criança não pode sofrer discriminação e perder esse momento de interação com a pessoa encarregada do poder familiar, seja homem ou mulher. Então ele deveria ter direito ao mesmo tempo de licença.
Metodologia e dados utilizados
Para a construção desta reportagem, o Data.doc coletou os estatutos dos servidores públicos de cada Unidade da Federação e baseado nos documentos oficiais, sistematizamos por Estado e Idade da Criança ou Adolescente, os tempos do benefício Licença Maternidade oferecidos às servidoras públicas que adotam no país. Os dados foram extraídos dos sites institucionais dos governos e checados via Lei de Acesso à Informação (LAI). Foram submetidos 27 pedidos de LAI a todos os estados brasileiros, essas solicitações requeriam os tempos de licença maternidade concedidos às servidoras que adotam crianças ou adolescentes, o tempo do benefício, as idades dos adotados e as normas que regem os benefícios.
Nossos dados são auditáveis. Como forma garantir a integridade e confiabilidade da nossa análise, disponibilizamos aqui as bases e documentos utilizados na produção deste material.
A investigação e os sentimentos
Por Flávia Oliveira e Thays Lavor
Eu nunca pensei em adotar uma criança. No entanto, a ideia da maternidade não era algo absurdo: ela não viria de forma biológica mas poderia se achegar por outras vias, caso eu me relacionasse com alguém que quisesse muito adotar ou já tivesse um rebento, por exemplo. Isso nunca aconteceu e nem era algo esperado ansiosamente, mas não sei mais se ainda posso dizer isso depois de escrever esta reportagem. É que é impossível não se indignar com a situação de tantas crianças e adolescentes sem lar esperando alento. Também é difícil não se sensibilizar ao conversar com pessoas que escolheram ter as suas vidas mudadas para ter o amor na sua forma mais natural. O amor aos filhos é um sentimento tão especial que só quem os tem, sabe.
"Espero que as histórias narradas aqui despertem em que as lê o mesmo tipo de emoção que eu tive escrevendo."
Ainda continuo sem querer ter descendência biológica e o distanciamento social me impede momentaneamente de sequer sair da solteirice, quanto mais constituir família. Aliás, estar em um relacionamento não é, desde o século passado, essencial para uma adoção, basta ver os exemplos de mãe e pai solo que demos aqui. No entanto, brotou em meu coração a vontade de ser madrinha afetiva e/ou financeira de alguém, ainda que sem avançar para uma adoção. O site da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (Angaad) tem uma lista de instituições que fazem isso e um tanto mais. Espero que as histórias narradas aqui despertem em que as lê o mesmo tipo de emoção que eu tive escrevendo.
Diferente da Flávia Oliveira, o pensamento da adoção vez ou outra passa pela minha cabeça. Ou seja, não descarto a possibilidade. Mas me assusta muito ver que estamos em 2021, e que direitos fundamentais ainda são cerceados as famílias que optam pela adoção. Se por um lado percebemos um empenho na facilitação desses processos no âmbito do judiciário, garantindo direitos de crianças e adolescentes a terem uma família e um lar, por outro vemos que nas esferas executivas estaduais essas famílias ainda são diferenciadas perante os olhos do estado.
" E é essa a realidade do Brasil, 67% dos estados brasileiros negam as suas servidoras públicas adotantes e as crianças e adolescentes adotados, o estabelecimento de vínculos afetivos e o acolhimento no novo núcleo familiar."
A via judicial é a arena onde essas negativas de direitos costumam desaguar. Esses casos retratam a omissão dos Ministérios Públicos em chamar o Executivo estadual e municipal para que atualizem seus estatutos, assim como representa uma total falta de informação. Quando o estado não atualiza a sua lei, de acordo com a nova decisão do STF, ele acaba gerando o ônus para quem deixa de ter o direito que deveria ter. E é essa a realidade do Brasil, 67% dos estados brasileiros negam as suas servidoras públicas adotantes e as crianças e adolescentes adotados, sob o prisma do melhor interesse da criança e do direito à convivência, o estabelecimento de vínculos afetivos e o acolhimento no novo núcleo familiar.
A adoção de crianças e adolescentes por servidores públicos estaduais esbarra em regimentos anticonstitucionais que estabelecem diferenças entre os filhos de pais adotivos e os biológicos. Maioria das licenças concedidas aos adotantes é de apenas 30 dias