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Gratidão: por que e como agradecer pelas reais situações da vida
Reportagem Especial

Gratidão: por que e como agradecer pelas reais situações da vida

Quantas vezes nos pegamos pensando no quanto é difícil nos sentirmos gratos. Mas afinal o que de fato é a gratidão e quais benefícios ela pode trazer? O POVO explica sobre esse sentimento e como inserir a prática na nossa rotina

Gratidão: por que e como agradecer pelas reais situações da vida

Quantas vezes nos pegamos pensando no quanto é difícil nos sentirmos gratos. Mas afinal o que de fato é a gratidão e quais benefícios ela pode trazer? O POVO explica sobre esse sentimento e como inserir a prática na nossa rotina
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Se antes vivíamos em um constante fluxo de tarefas e a pandemia nos inquietou para um olhar individual, coube a nós o exercício de percepção de nossas ações. Dentre elas, a da gratidão. Pesquisas como "mensagens de gratidão a uma pessoa" aumentaram mais de 250% no Google Trends, em 2021, quando comparado há um ano. Exercitar o sentimento, entretanto, não é fácil como parece nas redes sociais com hashtags.

Parar, observar e agradecer são os pilares do sentimento de gratidão. É apreciar e trazer para si um agradecimento às coisas boas que acontecem, pontua a psicóloga Ivana Teles. "Nós somos tratados como se fôssemos máquinas que estão sempre no piloto automático", refuta. "Mas é importante olharmos para o nosso dia e tentarmos identificar o que de bom aconteceu."

O sentimento pode ser expressado de diversas formas na nossa rotina. Trabalhos voluntários, realizar tarefas diárias e até mesmo ter uma boa noite de sono podem ser exemplos de atividades em que podemos agradecer pela capacidade de realizá-las. Mas nutrir em si a gratidão não significa agradecer por qualquer coisa — tudo mesmo, inclusive a crise sanitária devido ao coronavírus e seus “aprendizados” obrigatórios.

Um exemplo clássico de como não praticar a gratidão aconteceu com a brasileira Gabriela Pugliesi. Após ficar doente pela Covid-19, a influencer foi bastante criticada ao postar um vídeo com o título "Obrigada, coronavírus" no Instagram, em março de 2020. Ivana resgata a banalização do termo em meio ao uso das redes sociais e à crise de saúde pública e política no Brasil. "Imaginamos que falar de gratidão é ignorar os sentimentos negativos. Mas isso nos deixa mal e até pode resgatar a questão da positividade tóxica", cita a também pedagoga.

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Final de tarde no rio Cocó. A natureza posta para qualquer pessoa bem coexistir e agradecer pela contemplação(Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Final de tarde no rio Cocó. A natureza posta para qualquer pessoa bem coexistir e agradecer pela contemplação

Trata-se do equilíbrio. "Alguns pensam 'poxa, diante de toda a pandemia, como eu vou ser grato?'. Mas aí entra o verdadeiro sentido da gratidão: reconhecer que, diante de todos esses problemas, coisas boas também nos acontecem", conversa Teles, relacionando o sentimento de culpa por estarmos bem. "A vida não é a situação, mas como lidamos com ela. Em prática, sempre vão existir momentos ruins e bons para todos. É importante que quem está com o sentimento de culpa ao sentir gratidão questione o porquê de estar assim e busque ajuda."

Enquanto seres sociais, não é possível construir a gratidão sem termos as relações cotidianas em sociedade, aponta o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marcelo Galuppo. "Normalmente, achamos que os outros não estão fazendo nada mais do que a obrigação. Mas a gratidão precede a retribuição”, explica. “É um sentimento que reconhece que dependemos uns dos outros ao longo do tempo."

Por um ano, Marcelo e o teórico Davi Lago desenvolveram estudos sobre a sensação. Os resultados da pesquisa foram expostos em um livro que desafia o leitor a ficar 24 horas sem reclamar, junto a outras atividades para incluir a gratidão na rotina. “Faça isso e você vai perceber como é difícil ser grato”, brinca o professor.

 

"Normalmente, achamos que os outros não estão fazendo nada mais do que a obrigação. Mas a gratidão precede a retribuição. É um sentimento que reconhece que dependemos uns dos outros ao longo do tempo"

 

Mesmo longo, o caminho à gratidão traz benefícios físicos e mentais já comprovados em pesquisas, como uma de 2016 da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. Após escrever cartas e mensagens de agradecimento destinada a doadores financeiros da pesquisa, os participantes demonstraram mais atividade cerebral nas áreas relacionadas ao sentimento.

Mesmo inicial, a pesquisa comprova não existir prejuízos ao sermos gratos e ao reconhecermos o que nos faz bem. “É um processo de formação de uma autoconsciência e conhecimento”, relembra Marcelo. “Quando percebemos que somos ingratos, é porque queremos mudar isso.”

 

 

Por que somos ingratos e como podemos mudar isso?

Começar a ser grato não é fácil, e isso é um fato. Afinal, como podemos olhar para as coisas boas que acontecem enquanto há tanta maldade acontecendo contra nós e contra todas as outras pessoas? Ao ter em mente que gratidão é equilíbrio, nós devemos entender o que nos gera felicidade e por quais situações ou sentimentos podemos agradecer após um dia. Mas em um mundo tido como egoísta e frio, o sentimento de ingratidão pode, perigosamente, ser soberano.

Antônimo para a gratidão, a ingratidão é citada pelo professor Marcelo Galuppo como a sensação de que visualizamos tudo o que recebemos como um direito nosso. "Achamos que os outros não estão fazendo nada mais do que uma obrigação para nós. Mas, na verdade, a palavra gratidão vem como algo que recebemos e temos um comportamento diante disso: agradecer. Não é retribuir, porque às vezes é impossível”, conversa, exemplificando ações como a doações de órgãos.

Segundo o autor, a sensação de ingratidão é vista como um padrão do ser humano devido ao fato simples de sempre querermos estar no controle das situações que acontecem. "O ingrato sempre vê demais: há uma certa ganância", relembra. "Quando se está no trânsito e você começa a buzinar, essa é uma forma de não manifestar gratidão porque você está reivindicando o direito de passar na frente de outras pessoas. A buzina não foi criada para isso", exemplifica.

 

"As pessoas têm uma visão muito otimista da duração da sua vida e da oportunidade para agradecer. Como a gente não tem controle sobre essas coisas, o tempo para agradecer é agora"

 

Não exercitar a ingratidão é entender nossa rotina e ter em mente que não ser ingrato não significa ser grato a tudo que nos acontece. "Eu não posso só sentir a gratidão porque eu estaria invalidando sentimentos ruins dentro de mim", reforça Ivana Teles. “Precisamos entender o que está acontecendo.”

Por parecer fácil, Galuppo chama a atenção para o fato de sempre adiarmos a gratidão em nossas vidas, como um movimento de deixar para agradecer tardiamente por algo que nos acontece hoje. “As pessoas têm uma visão muito otimista da duração da sua vida e da oportunidade para agradecer. Como a gente não tem controle sobre essas coisas, o tempo para agradecer é agora”, relembra.

 

 

"Me senti grato"

No Ceará, a ONG Mão Certa atende mais de mil famílias nos bairros Carlito Pamplona, Jacarecanga e Vila do Mar. Dentre as ações do projeto, estão o cadastro de moradores para receber a vacina contra a Covid-19 e uma horta comunitária. Coordenador do instituto, David do Moema recorda que o plantio começou em uma tarde de domingo com apenas duas pessoas. Ao longo do dia, cerca de 15 moradores apareceram no local com o intuito de ajudar na horta. "Eu me senti realizado. Você começa uma atividade e, do nada, tem uma adesão das pessoas! É muito bom. Me senti grato", comemora.

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O voluntário Pedro Laurentino visualiza a gratidão em sua vida com as atividades cotidianas na ONG. "Gratidão é a única coisa que não se compra, mas se conquista. Ver o olhar de gratidão das pessoas e seus sonhos realizados nos faz ter a certeza de que nossos sonhos também podem ser realizados", conversa. “Queremos transformar a periferia em uma Aldeota: não no sentido de sermos pessoas iguais, mas de também termos direito a uma boa qualidade de vida, aos estudos e ao emprego.”

Diferenciar quais ações estamos aptas a fazer ou não em nossas vidas também pode ser uma boa forma de deixar a ingratidão ser prioridade em nossos sentimentos. "Nós não temos que ser gratos pela forma que o Governo Federal tem tratado a saúde pública. Nós temos que reivindicar mudanças", compara o professor Marcelo Galuppo. “A gratidão precede a retribuição. É um sentimento de reconhecer que dependemos uns dos outros ao longo do tempo.”

 

 

Outros exemplos de gratidão no dia a dia

Há seis anos, a empreendedora Aline Mendes recebeu o diagnóstico de autismo para a filha. "Você sai totalmente desorientada da sala", recorda. "É como se você planejasse a vida de uma forma e, do nada, tudo muda." Pensando no sentimento que teve ao sair daquela consulta, Aline conheceu outras mães durante a terapia da filha e, juntas, mobilizaram a criação do projeto TEApoio com Amor, em setembro de 2020.

O intuito é orientar mães de crianças com o mesmo diagnóstico a entenderem melhor os espectros do transtorno e de como ter acesso aos direitos garantidos em leis. Já são cerca de 240 mães reunidas em um grupo de WhatsApp. Dessas, cerca de 15 solicitaram apoio ao projeto e receberam cestas básicas. "Eu tenho o meu antes e depois de participar do grupo. Eu me descobri, era uma coisa que eu não sabia que precisava e me sinto muito grata e extremamente feliz de poder contribuir", celebra.

Todas as sextas-feiras em seu perfil do Instagram, o TEApoio com Amor divulga pequenos negócios de mães de crianças com autismo que são empreendedoras. "Quando ajudamos, nós vemos que a pessoa precisava de algo mínimo: uma conversa ou ajuda. Eu não tive o mesmo suporte que elas e creio que a sensação de ajudar me trouxe gratidão. Se eu tivesse esse apoio, teria sido bem mais fácil", conta Aline. "Essa é minha história atual de gratidão. É um momento que acontece agora em minha vida"

Ana Anselmo decidiu na pandemia deixar o emprego fixo como pedagoga para dedicar-se à arte: "Eu me sinto livre"(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Ana Anselmo decidiu na pandemia deixar o emprego fixo como pedagoga para dedicar-se à arte: "Eu me sinto livre"

No caso da artista Ana Anselmo, a instabilidade da vida foi ressignificada como gratidão. Graduada em Pedagogia, a empreendedora viu suas atividades em uma escola serem paralisadas devido à pandemia. Logo no primeiro lockdown em Fortaleza, ela se desafiou a pintar um enorme papel com uma obra pessoal.

Hoje a obra não está mais com a artista, mas Ana guarda o sentimento que teve durante a pintura: "Eu me sentia extremamente grata por existir no mundo e poder tirar algo que estava na minha mente e colocar no papel". Após retornar às atividades na escola, Ana percebeu a sobrecarga entre dedicar-se à arte e à pedagogia, separadamente. Daí decidiu deixar o emprego fixo e dar aulas de arte e outros conteúdos relacionados através do seu Instagram.

"É muito legal como eu consegui motivar outras pessoas a perceber a beleza e o significado da arte. Eu acho que a pintura me salva todos os dias e, quando chegam pessoas afirmando que se conectaram comigo, é até sem explicação a gratidão que sinto", agradece. Ana mantém um diário de agradecimento e relata que o exercício a ajudou a perceber a conclusão de etapas em sua vida. "Eu me sinto livre. Acho que é meu principal sentimento. Isso me motiva a continuar vivendo e traz um significado para a minha existência", conta.

 

 

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