Do extremo sul do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, de 35 anos, se tornou neste domingo, 19, o presidente mais jovem da história do país andino que tem grandes desigualdades sociais que o líder millennial quer resolver promovendo um Estado de bem-estar social.
O ex-líder estudantil foi eleito ao derrotar o advogado de extrema direita José Antonio Kast, de 55 anos, com quase 12 pontos de diferença. A retumbante vitória de Boric foi imediatamente reconhecida por Kast e suscitou os melhores votos do presidente cessante, o conservador Sebastián Piñera, em uma ligação tradicionalmente transmitida em todos os canais de televisão. O telefone costuma ser usado, mas desta vez uma videochamada foi realizada.
Boric, para quem “o país dá o melhor de si quando estamos unidos”, vai liderar uma nação que redige sua nova Constituição em uma Convenção Constituinte, criada após os protestos sociais de outubro de 2019. Também terá que lidar com a crise econômica derivada das restrições sanitárias de combate à pandemia do coronavírus.
“Percebi que para Gabriel isso era um apostolado e parei de brigar. Para mim, isso é pisar em pedras o tempo todo. Queria uma vida mais confortável, mais clássica (para ele)”, conta sua mãe, Maria Soledad Font, de sua terra natal, Punta Arenas, cerca de três mil quilômetros ao sul da capital Santiago.
Ela não queria que Boric entrasse na política, mas a parede de seu antigo quarto já mostrava um jovem focado nela: "Sejamos realistas, façamos o impossível" e "a razão faz a força" são algumas das mensagens que ainda estão nas paredes do cômodo, no segundo andar da casa de seus pais.
“Somos os herdeiros daqueles que lutaram para fazer do Chile um país mais justo e digno”, argumentou Boric em seu discurso de encerramento de campanha, durante o qual propôs um país voltado para a melhoria dos direitos básicos de uma população que sofre com graves desigualdades, após seguir por 31 anos durante a redemocratização o modelo neoliberal imposto durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Embora diga que "tem muito a aprender", Gabriel Boric garante que quer aproveitar a "experiência" de ex-presidentes que criticou quando era líder estudantil e deputado, entre eles os socialistas Ricardo Lagos (2000-2006) e Michelle Bachelet (2006-2010; 2014-2018). Ambos o apoiaram fortemente nas últimas semanas.
Boric não tem medo de mudar de direção. Durante os quase sete meses de campanha, ele foi de um discurso de menino rebelde que liderou os protestos estudantis de 2011 exigindo “educação pública, gratuita e de qualidade” para o de um social-democrata.
“Diria que sua honestidade e transparência, sua abertura ao diálogo, são duas das maiores virtudes de Gabriel, e isso em um próximo presidente do Chile é crucial”, ressaltou seu irmão Simón Boric, um jornalista de 33 anos.
Sua transformação política anda de mãos dadas com uma mudança de aparência.
Pouco resta do jovem barbudo e despenteado que chefiou a Federação dos Estudantes da Universidade do Chile (FECH) e que em 2014, aos 27 anos, assumiu seu primeiro mandato como deputado. Hoje ele usa paletó e camisa, cabelo mais curto, barba bem cuidada e óculos.
Boric nasceu na cidade austral Punta Arenas em uma família de classe média de bisavós croatas e catalães. Ele é o mais velho de três irmãos e se mudou para Santiago para estudar Direito na Universidade do Chile, mas ainda não se formou. Na campanha eleitoral, pediu que "a esperança vença o medo" diante das críticas que o classificam como "extremista" por sua aliança com os comunistas.
A frase não é por acaso e já foi utilizada em outras campanhas vitoriosas de lideranças da esquerda na América Latina como Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, em 2002, quando também impôs uma imagem mais moderada junto ao eleitorado. O ex-presidente brasileiro, inclusive, foi um dos que não tardou a felicitar Boric pela vitória ainda no domingo à noite.
Leitor ávido, Gabriel Boric diz que poesia e história o relaxam. Solteiro e sem filhos, tem um relacionamento de quase três anos com a cientista política Irina Karamanos.
Seus detratores o reprovam por sua falta de experiência para liderar um governo e por suas posições mais extremas do passado, pelas quais ele se desculpou ou declarou que foram um erro. "Nossa geração irrompeu na política em 2011, livrando-se um pouco dos medos que a ditadura havia gerado e dos pactos da transição", disse ele em entrevista antes do primeiro turno.
Sua fala se referia à Concertación, coalizão de centro-esquerda que, desde 1990, governou boa parte dos 31 anos de democracia, e hoje jaz desintegrada, desprestigiada como reflexo da crise de confiança institucional, mas que no segundo turno o apoiou.
Boric afirmou que, como presidente, quer "garantir um Estado de bem-estar social para que todos tenham os mesmos direitos, não importa quanto dinheiro tenham na carteira".
“Se o Chile foi o berço do neoliberalismo na América Latina, também será o seu túmulo”, declarou ao ser anunciado como candidato.