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Fama e depressão: entre a arte de esconder e a necessidade de expor
Reportagem Especial

Fama e depressão: entre a arte de esconder e a necessidade de expor

Munidos de tudo o que a maioria das pessoas podem desejar (sucesso, dinheiro ou fama), a trajetória de alguns ídolos ilustram como, em algum grau, a saúde mental e o contentamento não estão ligados apenas a realizações profissionais e fama.

Fama e depressão: entre a arte de esconder e a necessidade de expor

Munidos de tudo o que a maioria das pessoas podem desejar (sucesso, dinheiro ou fama), a trajetória de alguns ídolos ilustram como, em algum grau, a saúde mental e o contentamento não estão ligados apenas a realizações profissionais e fama.
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A ex-BBB Juliette, a cantora Anitta e o youtuber Whindersson Nunes. Nomes de ídolos atuais, com força na internet e fora dela. Mas, além da fama, esses três possuem algo em comum: atravessaram algum grau de adoecimento psíquico ou até mesmo depressão, vindo posteriormente a público falar sobre o assunto.

Whindersson Nunes é youtuber e comediante. Em entrevista com Rafinha Bastos, em março de 2021, ele conta: "Eu sou uma pessoa depressiva, sim. Já saí de um lugar de depressão muito ruim. Entrei nesse buraco por fama e isolamento. Trabalhei muito, demais, a ponto de não saber o quanto eu tinha (de dinheiro)".
Foto: reprodução/twitter
Whindersson Nunes é youtuber e comediante. Em entrevista com Rafinha Bastos, em março de 2021, ele conta: "Eu sou uma pessoa depressiva, sim. Já saí de um lugar de depressão muito ruim. Entrei nesse buraco por fama e isolamento. Trabalhei muito, demais, a ponto de não saber o quanto eu tinha (de dinheiro)".

Um dos casos mais recentes foi o do empresário e youtuber Felipe Neto, de 33 anos. O empresário comunicou aos seus seguidores, no dia 1º de janeiro, que estava em um luta contra um quadro depressivo. Durante a mensagem,  fez um apelo. "A depressão é uma doença da mente, como a gastrite é uma doença do estômago. Amigos e família fazem você se sentir melhor, mas sem remédio, você não vai curar essa gastrite. Enfim, o resumo é: busque ajuda. Não enfrente sozinho".

O desabafo do empresário repercutiu nas redes e nos veículos de imprensa. Afinal, é comum que algo do cotidiano de famosos ganhe peso na mídia, seja o novo relacionamento de tal artista, a viagem daquele influencer ou a gravidez daquela atriz.

Felipe Neto é youtuber e empresário
Foto: Play9 / Divulgação
Felipe Neto é youtuber e empresário

A história da mídia de celebridades lembra que até mesmo estacionar o carro no Leblon, pode virar notícia (e meme) — caso você seja Caetano Veloso, isto é. Mas, munidos de tudo o que a maioria das pessoas costumam desejar (sucesso, dinheiro ou fama), a trajetória de alguns ídolos ilustram como, em algum grau, a saúde mental e o contentamento não estão ligados apenas a realizações profissionais e fama.

"Comecei a ter problemas de ansiedade no início da pandemia, mas não era algo patológico, a se tratar. Agora, está muito intenso, chego a me tremer toda. Tenho medo de tudo. Quando tem muita gente junta, temo que as pessoas se machuquem. Quando falo, temo machucar alguém. Tenho receio de usar uma palavra errada. Eu me assusto com o poder da minha opinião e as consequências dela", afirmou Juliette em entrevista ao jornal Extra, em maio de 2021.

Sobre o assunto, a psiquiatra e professora do curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Luísa Bisol, argumenta que há demandas extras que são enfrentadas por pessoas com relevância na nossa sociedade e presentes na mídia. “Muitas vezes essas pessoas precisam aparentar beleza, plenitude, magreza, felicidade e, de certa forma, esconder dor e sofrimento”.

“No geral, tudo na vida dessas pessoas precisa ser perfeito: o corpo e a ditadura da felicidade o tempo todo. Há umas semanas, eu vi uma notícia sobre as estrias da (atriz e modelo) Giovanna Ewbank, esposa do Bruno Gagliasso. É como se ela, por ser uma mulher famosa, não pudesse ter os mesmo problemas estéticos que a grande parte das mulheres têm. A fama pode gerar uma pressão muito maior que a que as pessoas podem suportar”.

A psiquiatra explica que os transtornos depressivos são entendidos de acordo com um modelo biopsicossocial. Ou seja, existe a interação de fatores genéticos, que envolvem a neuroquímica, com fatores sociais e ambientais. Ela também orienta que, nesses casos, o importante é realizar uma avaliação especializada. "É importante realizar uma cuidadosa história clínica, uma observação da pessoa que está na nossa frente e um exame do estado mental para prosseguir com o tratamentos dos casos de adoecimento psíquico".

Em relação às manifestações da doença, as mais frequente são caracterizada pelos sintomas de tristeza predominante, falta de prazer. “Além disso, há alterações no apetite, no sono, na atividade motora, na concentração, (há) o sentimentos de culpa ou inutilidade e pensamentos sobre morte e suicídio”.

“(Sobre) A questão da fama e depressão, é preciso de uma análise melhor. Existem essas pessoas que adquirem fama de forma muito rápida e talvez tenham dificuldade de lidar com todas as demandas da sua nova situação de vida. Nem tudo é glamour. Só que precisamos ficar atentos e identificar corretamente se é um episódio depressivo maior, um quadro devido uma condição médica geral ou parte do Transtorno afetivo bipolar "alternância, às vezes súbita, de episódios de depressão com os de euforia (mania e hipomania) e de períodos assintomáticos entre eles." ”, relata.

 

 

Respeitar as possibilidades existenciais

 

Para o professor de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), José Braga, sempre que excedemos o ritmo de funcionamento e não respeitamos os limites e nos submetemos às expectativas alheias e às nossas próprias escolhas, instalam-se diferentes níveis de estresse. E as consequências disso podem ser graves.

“Esse estresse pode, em um determinado momento, explodir em forma de pânico, melancolia, ansiedade generalizada, estados depressivos, podendo chegar à suscetibilidade a diversas enfermidades orgânicas e/ou psíquicas”, revela.

O mais comum deles, em termos da dinâmica da ambiência profissional, é o burn-out, que se caracteriza por uma exaustão extrema, obrigando a uma parada forçada das atividades sociais e laborais. Algo parecido foi relatado pela cantora e empresária Anitta. “Era bem difícil sair de casa, levantar da cama, sair do quarto. Era uma luta. Eu não estava conseguindo atender as pessoas no camarim, atender os fãs”, relatou em entrevista ao programa Bem Estar, da TV Globo, ainda em 2018. 

Cantora e empresária Anitta
Foto: Divulgação
Cantora e empresária Anitta

“Consegui encontrar um remédio que não me dá nenhum efeito e está super-funcionando. Tirei um pouco de trabalho, cancelei alguns compromissos, para poder ter um tempo para mim, viajar, descansar. Temos que (nos) cuidar sempre. Não é porque você está bem agora que você tem que esquecer de olhar para você. Eu amo trabalhar, trabalhei muito essa semana, fiquei cansada. E pensei: 'Cara, vou cancelar, porque preciso ter um momentinho para mim'”, complementa a cantora.

O psicólogo explica que alguns desses famosos têm um preço psíquico a pagar por todas essa visibilidade. "Elas passam a ter que abdicar de muito do que antes elas usufruíam, como a privacidade. São pessoas que lidam muito com cobranças e vivem sob pressão internas e externas. A própria pessoa se cobra muito para se manter em um nível estável de visibilidade. Muitos têm relevância estrondosa, mas depois desaparecem inteiramente da mídia. O que é provocador de grande sofrimento", explica o professor José.

 

 

Não existe saúde sem saúde mental

 

Os apontamentos da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) indicam que a depressão é um problema médico grave e altamente prevalente na população em geral. Embora não haja dados atualizados sobre o assunto, a doença afeta 322 milhões de pessoas no mundo, segundo estimativa feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda em 2015. 

De acordo com estudo epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde (MS), a prevalência de depressão ao longo da vida no Brasil está em torno de 15,5%. O quadro é um transtorno mental frequente, que, no pior dos casos, pode levar ao suicídio. Atualmente, existem vários tratamentos medicamentosos e psicológicos eficazes para dirimir os efeitos da depressão.

Um episódio depressivo pode ser categorizado como leve, moderado ou grave, de acordo com a intensidade dos sintomas. Indivíduo com um episódio depressivo leve terá alguma dificuldade em continuar um trabalho simples ou atividades sociais, mas sem grande prejuízo ao funcionamento global. Durante um episódio depressivo grave, é improvável que a pessoa afetada possa continuar com atividades sociais, de trabalho ou mesmo domésticas.

*Com informações da Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde, Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo e Ministério da Saúde.

 

 

 

Qualquer pessoa pode ser vítima de despressão

 

Transtornos depressivos podem atingir qualquer pessoa, em qualquer idade, independentemente da fama. Segundo Suzana "Nome fictício" , o quadro faz ela parecer outra mulher. "A depressão me leva para uma versão minha que eu não gosto. Ela faz com que eu fique isolada das outras pessoas. Eu me sinto exausta por dentro. Em crises, já cheguei a tomar alguns medicamentos para dormir e não viver a minha realidade, principalmente porque minha mente não me permitia desviar de pensamentos ruins, então o sono era sinônimo de fuga".

O primeiro efeito, para ela, é a falta de apetite. "Quando em crise, não consigo fazer refeições normalmente. Já tive tempos de passar quase 48 horas sem comer nada, sem fome e bebendo pouquíssima água. Outro efeito muito constante são as crises de choro e a vulnerabilidade emocional. Sinto que a qualquer momento eu posso começar a chorar 'do nada'".

Tiago "Nome fictício"  é outro a enfrentar esse peso. "A depressão é uma doença especialmente difícil. Quando a gente quebra um braço, é bem fácil mostrar onde dói, é fácil das pessoas entenderem o motivo da dor. Já na depressão, nós não conseguimos fazer a mesma coisa, tudo fica mais confuso de entender e explicar para as pessoas próximas. Acredito que essa experiência de dúvida e descrença foi muito predominante", relata.

Apesar de se considerar uma pessoa ativa, ele acaba tendo de parar quando acometido por um quadro depressivo.. "A depressão me toma isso, acabo não conseguindo sair de casa, executar meus trabalhos ou me exercitar. Isso me afeta bastante e também as pessoas do meu convívio. Eu descobri esse quadro bem jovem, na pré-adolescência tive que começar meu primeiro tratamento. Esse surgimento tão cedo na vida foi um desafio, pois as pessoas não esperam que a depressão afete também crianças e adolescentes, mas pode afetar".

 

 

>> Entrevista

Ídolos também são pessoas como nós

Ticiano Paludo, doutor em Comunicação, professor da PUCRS, autor de "Mitologia Musical: Estrelas, Ídolos e Celebridades Vivos em Eternidades Possíveis".(Foto: Natália Pegorer)
Foto: Natália Pegorer Ticiano Paludo, doutor em Comunicação, professor da PUCRS, autor de "Mitologia Musical: Estrelas, Ídolos e Celebridades Vivos em Eternidades Possíveis".

Autor de “Mitologia Musical: Estrelas, Ídolos e Celebridades Vivos em Eternidades Possíveis”, Ticiano Paludo Ticiano Paludo é doutor em Comunicação, professor da PUCRS. Ao O POVO, ele fala sobre a construção da fama, a importância dos ídolos para as pessoas não-públicas e os estresse aos quais os seres adorados podem ser expostos.

O POVO - O que as pessoas famosas representam na nossa sociedade?

Ticiano Paludo - Desde que o homem é homem, a gente sempre teve a necessidade de ter líderes para seguir. Isso existe em todas as esferas da nossa vida: música, esporte, ciência e política. Essas pessoas nos geram identificação, e a partir disso, nós acabamos seguindo os passos delas. Se a gente estudar a Teoria dos Mitos, podemos perceber que os ídolos fornecem modelos de conduta humana. Nos espelhamos nos mitos para dar um sentido à nossa vida, nos empoderar e agir.

Vale destacar que os ídolos também são pessoas como nós. A gente exige deles um comportamento que a gente mesmo não consegue ter. Mas, como eles são modelos, nós queremos que eles se comportem dessa maneira, e isso gera estresse. Além disso, há sempre uma cobrança por posições dos ídolos em relação a causas que nós defendemos, queremos uma união de representações entre gostar da arte e das posições dos artistas.

O POVO - Uma coisa que pode marcar a fama seria a intensidade das coisas. Do ápice da fama ou do “tombo”. Por que as coisas são tão expressivas de velozes para os novos ídolos? Por que o peso do estrelato é demais para os mortais?

Ticiano Paludo - O Andy WarholFigura máxima da "pop art", foi um multiartista norte-americano, mais famoso pelo trabalho como pintor. Morreu em 1987 disse uma vez que todo mundo ia ter seus 15 minutos de fama. Tem uma pesquisadora que complementa: “Mas a gente não sabia que só iria durar 15 minutos mesmo”. Eu completo essa equação com a seguinte frase: "As pessoas também querem construir toda a fama em 15 minutos”. Existe uma ideia de que carreiras podem se construir rapidamente. Há uma super-idealização a respeito das potencialidades do que se pode conseguir no (reality show) Big Brother Brasil, por exemplo.

Em três meses, acredita-se que podem construir uma carreira consolidada, encurtando um processo que poderia durar 10 anos. Alguns por exemplo saem vitoriosos do programa, mas não sabem se organizar com o dinheiro e a fama e são esquecidos. Todo mundo quer brincar de Deus, mas nada se sustenta por muito tempo apenas com o endeusamento. As grandes figuras históricas que permanecem até hoje na memória não visavam só esse estágio da fama.

O POVO - Por que o status de fama é atrativo para as pessoas?

Na Teoria dos Mitos, há uma naturalização do mito, ele nasce poderoso. Afinal, o que essas pessoas têm que as outras pessoas ordinárias não têm? Ela tem aparente superpoderes: são motivos de atenção, notícias e são desejadas. Por isso, o público quer acompanhar a vida dessas pessoas famosas, saber o perfume, as joias e as roupas que elas usam. No momento em que eu consumo o que essa celebridade está usando, eu me sinto mais próximo dela.

O POVO - Quais são os ônus da fama?

A pessoa se constrói para se naturalizar como um grande mito, mas aí vem a imprensa sensacionalista, por exemplo, com um prazer de desnaturalizar esse mito. A desnaturalização acontece quando eles buscam tirar a foto de paparazzi que mostra a modelo tal com celulite, pegar o ator simpático tendo um ataque de raiva, transformando pessoas superpoderosas em gente como a gente.

Muitas pessoas buscam a fama, mas possuem baixa autoestima. Nesse cenário, essa carência pode virar uma bola de neve. Quanto mais endeusamento elas têm, mais elas sentem necessidade (de afeto). Existe um paradoxo na fama e no reconhecimento público.

O famoso será julgado pelos méritos e condutas. Por exemplo, uma pessoa que lançou um disco legal e não conseguiu mais lançar algo bom como antes será cobrada. É um preço a se pagar, as pessoas acabam buscando consumir aspectos públicos e privados da vida dos ídolos.

O POVO - O que você acha dos ídolos que expõem fraquezas aos seus seguidores? Você acha que quando celebridades falam sobre a saúde mental e fragilidades, eles podem estar realizando uma boa performance? Qual pode ser o impacto desses discursos?

Isso tem um lado positivo. Por exemplo, a Lady Gaga consegue um paradoxo muito bom: ela consegue ser um mito e ser gente como a gente. Ela se coloca como freak (estranha, no sentido positivo da palavra) e está brilhando. 

Ela diz que está neste estado e os fãs também podem. As pessoas não querem seguir um perdedor, mas elas gostam de reconhecer humanidade nos ídolos. Se uma condição frágil é bem colocada, o mito pode inclusive gerar uma grande identificação projetiva. Eu olho para o mito e me identifico com a mensagem dele.

 

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