As alterações causadas pela humanidade nos sistemas climáticos são tão drásticas que falar de "mudanças" é insuficiente; o mais apropriado é compreendê-las como "crise, emergência". É isso que vivemos atualmente: uma crise climática, que ultrapassou até as projeções mais pessimistas dos cientistas.
O Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no dia 5 de junho, é um dos vários momentos para se discutir sobre os impactos do cenário emergencial na sobrevivência da sociedade, incluindo fatores ambientais, sociais, econômicos e, é claro, de saúde física e mental (especialmente entre os mais jovens).
Física porque favorece temperaturas extremas, pandemias e piora a qualidade da água, da terra e do ar, por exemplo. E mental porque é angustiante imaginar um futuro esperançoso com o que tem sido feito (ou não) para reverter ou impedir a situação climática ― e a essa sensação chamamos de ecoansiedade.
Para se ter uma ideia, um levantamento da Royal College of Psychiatrists, da Inglaterra, mostrou que 57% das crianças e adolescentes acompanhadas por psiquiatras ingleses estavam angustiadas com a crise climática e as condições ambientais.
Outra pesquisa, dessa vez um
O Brasil é o país com mais tendência a ter medo do futuro, sentir que falhamos com o planeta e achar que a humanidade está condenada. Depois dele, Filipinas e Índia.
Ainda que a ecoansiedade não seja um diagnóstico ou uma doença mental propriamente dita, mas a especificação da causa dos sentimentos de angústia e medo, alguns pesquisadores compreendem que ela entra no rol de fatores que podem favorecer o desenvolvimento dessas patologias. Em nota, a doutora Bernadka Dubicka, da Royal College of Psychiatrists, afirma que “as gerações mais jovens estão crescendo com um pano de fundo constante de medo e preocupação compreensíveis sobre seu futuro e o futuro do planeta”.
Para João Guilherme, de 10 anos, essa inquietude com o porvir está presente desde muito cedo. Quem conta é a mãe dele, Aidee Araújo, 28, estudante de Ciências Ambientais na Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela explica que a emergência climática é assunto das aulas de Ciência do filho, mas com a pandemia e as consequentes aulas remotas, ele teve muito mais contato com a temática.
Enquanto usava o computador para assistir às disciplinas, João via os alertas de notícias abordando a pandemia, o aquecimento global, o derretimento de geleiras… “Faz parte do cotidiano dele”, comenta Aidee. Aliado a isso, ouvir os conteúdos das aulas da mãe na faculdade acabou por deixá-lo cada vez mais curioso e temeroso.
“Por diversas vezes a gente o vê um pouco chateado. Ele fica se questionando. E às vezes essas perguntas vêm do nada, então é uma forma de preocupação", explica. E as dúvidas sempre envolvem o que pode vir a acontecer caso a situação piore: Os animais vão morrer? Nós não teremos o que comer?
O mesmo vale para as crianças acompanhadas por Aidee no projeto Clubinho Catingueiro, promovido pela Associação Caatinga. A iniciativa de educação ambiental remota e gratuita para crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos visa a discutir assuntos sobre a natureza em rodas de conversas abertas.
“É grandioso ver uma criança de 8 anos com consciência crítica sobre os impactos ambientais”, orgulha-se a estudante. Ao mesmo tempo, quando fala sobre si mesma, as emoções vão da tristeza à esperança. “Eu, estudando isso, em certo ponto me sinto preocupada, muito ansiosa.”
“Você quer ajudar, quer alertar o máximo de pessoas para elas acreditarem… Até porque a gente está vivendo uma onda de negacionismo. E é um pouco assustador saber que você depende do mundo todo. Mas a minha esperança é que no futuro a gente possa deixar um planeta seguro e melhor para as crianças”, reflete.
É impossível desvincular a crise climática da gestão mundial, e para os brasileiros o governo não está fazendo o suficiente. De acordo com a pesquisa do The Lancet, 80% dos jovens acreditam que o País está “descartando a angústia das pessoas”. Apenas 18% acreditam que a gestão está protegendo o meio ambiente e as gerações futuras.
“As defesas contra as ansiedades provocadas pelas mudanças climáticas foram bem documentadas, incluindo descartar, ignorar, repudiar, racionalizar e negar as experiências dos outros. Esse comportamento de adultos e governos pode ser visto como levando a uma cultura de "descuido", deixando de agir diante das ameaças enfrentadas”, analisam as autoras da pesquisa. Elas continuam:
“A consciência dos jovens sobre as mudanças climáticas e a inação dos governos são vistas aqui como associadas a sequelas psicológicas negativas. A lesão moral tem sido descrita como 'um sinal de saúde mental, não desordem', mas inflige danos e ferimentos significativos, pois os governos estão transgredindo crenças morais fundamentais sobre cuidado, compaixão, saúde planetária e pertencimento ecológico. Esse sentido da perspectiva pessoal, coletiva e ecológica se resume nas palavras de um jovem de 16 anos: ‘Eu acho que é diferente para os jovens. Para nós a destruição do planeta é pessoal’”
"Não dá para esperar que as crianças de hoje se transformem nas lideranças globais."
Mas responsabilizar as crianças e adolescentes por resolver a crise climática é um erro. “A minha geração não pode assumir um discurso de que os jovens são melhores que nós. Nós temos que ser os adultos da sala”, frisa o cientista do clima Alexandre Costa, 52. Professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pai de três filhos ― Bárbara, 24, Arthur, 20, e a pequena Ana Greta, de 2 anos de idade ―, Alexandre é um dos principais nomes do ambientalismo brasileiro, sendo um dos autores do Primeiro Relatório de Avaliação Nacional sobre Mudanças Climáticas (RAN1/PBMC).
Ainda que a juventude atual tenha parcela de interferência nos resultados eleitorais dos Estados Unidos da América e da Alemanha, por exemplo, ainda são os políticos com mais de 50 anos que batem os martelos. No Brasil, analisa Alexandre, a dinâmica de poder e questões ambientais é complexa, pois não consegue ser definida apenas como boa ou ruim.
No primeiro governo de Lula (PT), lembra o cientista do clima, a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, passou um dia inteiro discutindo com cientistas como reduzir o desmatamento no País; principal contribuinte nacional das mudanças climáticas. Foi então que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) recebeu as ferramentas de monitoramento em tempo real do desmatamento, o que ajudou a reduzir o avanço do desflorestamento. Foi também a época em que o Brasil virou uma das lideranças em encontros mundiais como as Conferências das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
No entanto, o presidente Lula começou a defender os biocombustíveis e, posteriormente, a indústria do petróleo. Em 2005, um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicava a queima de combustíveis fósseis como o principal emissor de gás carbônico (CO2) no século XXI. O CO2 é um dos gases que mais acelera o efeito estufa, um mecanismo natural de aquecimento do planeta Terra. O problema é que em 1980 o planeta já tinha concentrado CO2 " igual ou superior ao valor máximo já experimentado na Terra por milhões de anos".
No governo Dilma (PT), o investimento ao petróleo somou-se à aliança com o agronegócio, que impulsiona não só o desmatamento, como também a degradação dos biomas. Desde o governo Temer (MDB) e de Jair Bolsonaro (PL), o Meio Ambiente como pasta tem sido desmantelado.
Sabendo dessas movimentações e de outros bastidores em órgãos públicos, Alexandre conta que entrou em depressão profunda. “Tem um artigo no meu blog (O que você faria se soubesse o que eu sei?) que eu escrevi vertendo lágrimas do começo ao fim”, relembra. Ele estava traduzindo um artigo científico sobre a acidificação oceânica e a consequente perda de muitos ecossistemas marinhos.
A depressão, felizmente, não durou muito tempo. O professor criou resistência quando se envolveu no ativismo. Entre muitas ações, ajudou a organizar a Marcha pelo Clima em Fortaleza em 2015 e até chegou a se candidatar como deputado federal pelo Psol, em 2018. A mensagem é clara: “Não dá para esperar que as crianças de hoje se transformem nas lideranças globais.”
Mas além da ecoansiedade, existe outra emoção que pode até ter um efeito positivo ― a ecorraiva. Uma pesquisa publicada na revista científica The Journal of Climate Change and Health analisou os impactos da eco-ansiedade, ecodepressão e ecorraiva nas ações pelo clima e pelo bem-estar mundial.
Pelos resultados, enquanto a ecoansiedade e ec-depressão tendem a desmotivar e paralisar as pessoas, a ecorraiva as motiva a agir. Os pesquisadores exemplificam: se você está em uma situação de perigo e se sente ansioso, a tendência é fugir. Quando você se sente deprimido, não há forças para fazer nada. Mas a raiva te faz lutar, partir para a briga.
Não é à toa que quando a jovem ativista ambiental Greta Thunberg discursa, as palavras sejam fortes e combativas. “Como ousam? Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com palavras vazias”, questionou no dia 26 de setembro de 2019, aos 16 anos, na abertura do Encontro de Cúpula sobre Ação Climática. “Como se atrevem a vir aqui e dizer que estão fazendo o suficiente? ... Não importa quão triste e furiosa eu esteja, eu não quero acreditar no que dizem.”
De acordo com a psicóloga Ilana Landim, não existe isso de sentimento bom ou ruim. “A raiva é um sentimento importante e natural. Ela pode ser definida como uma emoção que faz parte do que chamamos de senso de humanidade compartilhada”, explica.
Ao mesmo tempo, Ilana também destaca que é possível sentir várias emoções (inclusive contrastantes) ao mesmo tempo. No estudo publicado, os autores indicam que a eco-raiva tem alta correlação com a ecoansiedade, enquanto a ecodepressão é experienciada em escala menor. “Nossas descobertas destacam que a frustração e a raiva sobre a crise climática são respostas adaptativas”, concluem.
Ainda, eles correlacionaram as ecoemoções a ações coletivas e a comportamentos pessoais. Entre as três emoções citadas, a ecorraiva é a que está mais relacionada com os dois parâmetros. Ou seja, “se pensarmos nas mudanças climáticas como uma injustiça, os ecorraivosos reconhecem a importância de abordar seus próprios comportamentos diários como parte do objetivo coletivo de mitigar as mudanças climáticas”.
Foi um pouco dessa raiva/indignação que levou o professor Alexandre Costa a criar o blog O que você faria se soubesse o que eu sei?. “A indignação do justo é mobilizadora”, concorda. Mas ele abre espaço para outro sentimento tão importante quanto: “Algo que tem mais força ainda é o amor profundo que eu tenho, não só pela humanidade, mas pela biodiversidade inteira.”
Por isso, não basta sentir raiva. É preciso que ela seja tratada de maneira saudável, focalizada em iniciativas que podem empoderar e dar um sentido de propósito para as pessoas. Alexandre encontrou no blog e outros movimentos. A filha mais velha dele, Bárbara, encontrou no ativismo do Fridays for Future. Famílias inteiras encontram em movimentos como o Famílias pelo Clima Brasil.
E você? Onde e como irá concentrar as suas ecoemoções?
BARTOLI, Gretta; HÖNISCH, Bärbel; ZEEBE, Richard E. Atmospheric CO2 decline during the Pliocene intensification of Northern Hemisphere glaciations. Paleoceanography, v. 26, n. 4, 2011. Disponível em: https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2010PA002055
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LIPPI, Adriana. As crianças não vão nos salvar. Blog Espraiada. Outubro de 2021. Disponível em: https://espraiada.wordpress.com/2021/10/11/as-criancas-nao-vao-nos-salvar/
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