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Ecoemoções: como a crise climática afeta nossa saúde mental
Reportagem Especial

Ecoemoções: como a crise climática afeta nossa saúde mental

Os sentimentos de preocupação constante, medo e angústia com o futuro do planeta têm recebido o nome de ecoansiedade, ecodepressão e até ecorraiva. Ainda que não sejam diagnósticos, as ecoemoções ajudam a compreender como o cenário de crise ambiental afeta a saúde mental das pessoas e a propensão a agir contra as mudanças climáticas

Ecoemoções: como a crise climática afeta nossa saúde mental

Os sentimentos de preocupação constante, medo e angústia com o futuro do planeta têm recebido o nome de ecoansiedade, ecodepressão e até ecorraiva. Ainda que não sejam diagnósticos, as ecoemoções ajudam a compreender como o cenário de crise ambiental afeta a saúde mental das pessoas e a propensão a agir contra as mudanças climáticas
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As alterações causadas pela humanidade nos sistemas climáticos são tão drásticas que falar de "mudanças" é insuficiente; o mais apropriado é compreendê-las como "crise, emergência". É isso que vivemos atualmente: uma crise climática, que ultrapassou até as projeções mais pessimistas dos cientistas. 

O Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no dia 5 de junho, é um dos vários momentos para se discutir sobre os impactos do cenário emergencial na sobrevivência da sociedade, incluindo fatores ambientais, sociais, econômicos e, é claro, de saúde física e mental (especialmente entre os mais jovens).

Física porque favorece temperaturas extremas, pandemias e piora a qualidade da água, da terra e do ar, por exemplo. E mental porque é angustiante imaginar um futuro esperançoso com o que tem sido feito (ou não) para reverter ou impedir a situação climática ― e a essa sensação chamamos de ecoansiedade.

Uma praia cheia de lixo na Indonésia.(Foto: The Ocean Agency)
Foto: The Ocean Agency Uma praia cheia de lixo na Indonésia.

Para se ter uma ideia, um levantamento da Royal College of Psychiatrists, da Inglaterra, mostrou que 57% das crianças e adolescentes acompanhadas por psiquiatras ingleses estavam angustiadas com a crise climática e as condições ambientais.

Outra pesquisa, dessa vez um preprint "É uma pesquisa que ainda não foi revisada por outros pesquisadores. Logo, os dados devem ser considerados com cautela." publicado na revista científica The Lancet, mostrou que 59% dos jovens entre 16 e 25 anos estão extremamente ou muito preocupados com a emergência climática. O estudo entrevistou 10 mil jovens de dez países, entre eles o Brasil.

 

 

O Brasil é o país com mais tendência a ter medo do futuro, sentir que falhamos com o planeta e achar que a humanidade está condenada. Depois dele, Filipinas e Índia.

Ainda que a ecoansiedade não seja um diagnóstico ou uma doença mental propriamente dita, mas a especificação da causa dos sentimentos de angústia e medo, alguns pesquisadores compreendem que ela entra no rol de fatores que podem favorecer o desenvolvimento dessas patologias. Em nota, a doutora Bernadka Dubicka, da Royal College of Psychiatrists, afirma que “as gerações mais jovens estão crescendo com um pano de fundo constante de medo e preocupação compreensíveis sobre seu futuro e o futuro do planeta”.

 

Para João Guilherme, de 10 anos, essa inquietude com o porvir está presente desde muito cedo. Quem conta é a mãe dele, Aidee Araújo, 28, estudante de Ciências Ambientais na Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela explica que a emergência climática é assunto das aulas de Ciência do filho, mas com a pandemia e as consequentes aulas remotas, ele teve muito mais contato com a temática.

João Guilherme, 10, ao lado da mãe, Aidee Araújo, de 28 anos.(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal João Guilherme, 10, ao lado da mãe, Aidee Araújo, de 28 anos.

Enquanto usava o computador para assistir às disciplinas, João via os alertas de notícias abordando a pandemia, o aquecimento global, o derretimento de geleiras… “Faz parte do cotidiano dele”, comenta Aidee. Aliado a isso, ouvir os conteúdos das aulas da mãe na faculdade acabou por deixá-lo cada vez mais curioso e temeroso.

“Por diversas vezes a gente o vê um pouco chateado. Ele fica se questionando. E às vezes essas perguntas vêm do nada, então é uma forma de preocupação", explica. E as dúvidas sempre envolvem o que pode vir a acontecer caso a situação piore: Os animais vão morrer? Nós não teremos o que comer?

O mesmo vale para as crianças acompanhadas por Aidee no projeto Clubinho Catingueiro, promovido pela Associação Caatinga. A iniciativa de educação ambiental remota e gratuita para crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos visa a discutir assuntos sobre a natureza em rodas de conversas abertas.

“É grandioso ver uma criança de 8 anos com consciência crítica sobre os impactos ambientais”, orgulha-se a estudante. Ao mesmo tempo, quando fala sobre si mesma, as emoções vão da tristeza à esperança. “Eu, estudando isso, em certo ponto me sinto preocupada, muito ansiosa.”

“Você quer ajudar, quer alertar o máximo de pessoas para elas acreditarem… Até porque a gente está vivendo uma onda de negacionismo. E é um pouco assustador saber que você depende do mundo todo. Mas a minha esperança é que no futuro a gente possa deixar um planeta seguro e melhor para as crianças”, reflete.

Crianças do Clubinho Catingueiro mostram desenhos do planeta Terra após oficina.(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Crianças do Clubinho Catingueiro mostram desenhos do planeta Terra após oficina.

 

 

O que a política tem a ver com isso

É impossível desvincular a crise climática da gestão mundial, e para os brasileiros o governo não está fazendo o suficiente. De acordo com a pesquisa do The Lancet, 80% dos jovens acreditam que o País está “descartando a angústia das pessoas”. Apenas 18% acreditam que a gestão está protegendo o meio ambiente e as gerações futuras.

 

 

“As defesas contra as ansiedades provocadas pelas mudanças climáticas foram bem documentadas, incluindo descartar, ignorar, repudiar, racionalizar e negar as experiências dos outros. Esse comportamento de adultos e governos pode ser visto como levando a uma cultura de "descuido", deixando de agir diante das ameaças enfrentadas”, analisam as autoras da pesquisa. Elas continuam:

“A consciência dos jovens sobre as mudanças climáticas e a inação dos governos são vistas aqui como associadas a sequelas psicológicas negativas. A lesão moral tem sido descrita como 'um sinal de saúde mental, não desordem', mas inflige danos e ferimentos significativos, pois os governos estão transgredindo crenças morais fundamentais sobre cuidado, compaixão, saúde planetária e pertencimento ecológico. Esse sentido da perspectiva pessoal, coletiva e ecológica se resume nas palavras de um jovem de 16 anos: ‘Eu acho que é diferente para os jovens. Para nós a destruição do planeta é pessoal’”

 

"Não dá para esperar que as crianças de hoje se transformem nas lideranças globais." Alexandre Costa, cientista do clima

 

Mas responsabilizar as crianças e adolescentes por resolver a crise climática é um erro. “A minha geração não pode assumir um discurso de que os jovens são melhores que nós. Nós temos que ser os adultos da sala”, frisa o cientista do clima Alexandre Costa, 52. Professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pai de três filhos ― Bárbara, 24, Arthur, 20, e a pequena Ana Greta, de 2 anos de idade ―, Alexandre é um dos principais nomes do ambientalismo brasileiro, sendo um dos autores do Primeiro Relatório de Avaliação Nacional sobre Mudanças Climáticas (RAN1/PBMC).

Ainda que a juventude atual tenha parcela de interferência nos resultados eleitorais dos Estados Unidos da América e da Alemanha, por exemplo, ainda são os políticos com mais de 50 anos que batem os martelos. No Brasil, analisa Alexandre, a dinâmica de poder e questões ambientais é complexa, pois não consegue ser definida apenas como boa ou ruim.

Desmatamento é o maior problema ecológico no Brasil.(Foto: CHICO BATATA/ GREENPEACE)
Foto: CHICO BATATA/ GREENPEACE Desmatamento é o maior problema ecológico no Brasil.

No primeiro governo de Lula (PT), lembra o cientista do clima, a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, passou um dia inteiro discutindo com cientistas como reduzir o desmatamento no País; principal contribuinte nacional das mudanças climáticas. Foi então que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) recebeu as ferramentas de monitoramento em tempo real do desmatamento, o que ajudou a reduzir o avanço do desflorestamento. Foi também a época em que o Brasil virou uma das lideranças em encontros mundiais como as Conferências das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

No entanto, o presidente Lula começou a defender os biocombustíveis e, posteriormente, a indústria do petróleo. Em 2005, um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicava a queima de combustíveis fósseis como o principal emissor de gás carbônico (CO2) no século XXI. O CO2 é um dos gases que mais acelera o efeito estufa, um mecanismo natural de aquecimento do planeta Terra. O problema é que em 1980 o planeta já tinha concentrado CO2 " igual ou superior ao valor máximo já experimentado na Terra por milhões de anos".

No governo Dilma (PT), o investimento ao petróleo somou-se à aliança com o agronegócio, que impulsiona não só o desmatamento, como também a degradação dos biomas. Desde o governo Temer (MDB) e de Jair Bolsonaro (PL), o Meio Ambiente como pasta tem sido desmantelado.

 

 

Sabendo dessas movimentações e de outros bastidores em órgãos públicos, Alexandre conta que entrou em depressão profunda. “Tem um artigo no meu blog (O que você faria se soubesse o que eu sei?) que eu escrevi vertendo lágrimas do começo ao fim”, relembra. Ele estava traduzindo um artigo científico sobre a acidificação oceânica e a consequente perda de muitos ecossistemas marinhos.

A depressão, felizmente, não durou muito tempo. O professor criou resistência quando se envolveu no ativismo. Entre muitas ações, ajudou a organizar a Marcha pelo Clima em Fortaleza em 2015 e até chegou a se candidatar como deputado federal pelo Psol, em 2018. A mensagem é clara: “Não dá para esperar que as crianças de hoje se transformem nas lideranças globais.”

 

 

Use a raiva a seu favor

Mas além da ecoansiedade, existe outra emoção que pode até ter um efeito positivo  ― a ecorraiva. Uma pesquisa publicada na revista científica The Journal of Climate Change and Health analisou os impactos da eco-ansiedade, ecodepressão e ecorraiva nas ações pelo clima e pelo bem-estar mundial.

Pelos resultados, enquanto a ecoansiedade e ec-depressão tendem a desmotivar e paralisar as pessoas, a ecorraiva as motiva a agir. Os pesquisadores exemplificam: se você está em uma situação de perigo e se sente ansioso, a tendência é fugir. Quando você se sente deprimido, não há forças para fazer nada. Mas a raiva te faz lutar, partir para a briga.

Não é à toa que quando a jovem ativista ambiental Greta Thunberg discursa, as palavras sejam fortes e combativas. “Como ousam? Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com palavras vazias”, questionou no dia 26 de setembro de 2019, aos 16 anos, na abertura do Encontro de Cúpula sobre Ação Climática. “Como se atrevem a vir aqui e dizer que estão fazendo o suficiente? ... Não importa quão triste e furiosa eu esteja, eu não quero acreditar no que dizem.”

 

 

De acordo com a psicóloga Ilana Landim, não existe isso de sentimento bom ou ruim. “A raiva é um sentimento importante e natural. Ela pode ser definida como uma emoção que faz parte do que chamamos de senso de humanidade compartilhada”, explica.

Ao mesmo tempo, Ilana também destaca que é possível sentir várias emoções (inclusive contrastantes) ao mesmo tempo. No estudo publicado, os autores indicam que a eco-raiva tem alta correlação com a ecoansiedade, enquanto a ecodepressão é experienciada em escala menor. “Nossas descobertas destacam que a frustração e a raiva sobre a crise climática são respostas adaptativas”, concluem.

Ainda, eles correlacionaram as ecoemoções a ações coletivas e a comportamentos pessoais. Entre as três emoções citadas, a ecorraiva é a que está mais relacionada com os dois parâmetros. Ou seja, “se pensarmos nas mudanças climáticas como uma injustiça, os ecorraivosos reconhecem a importância de abordar seus próprios comportamentos diários como parte do objetivo coletivo de mitigar as mudanças climáticas”.

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Foi um pouco dessa raiva/indignação que levou o professor Alexandre Costa a criar o blog O que você faria se soubesse o que eu sei?. “A indignação do justo é mobilizadora”, concorda. Mas ele abre espaço para outro sentimento tão importante quanto: “Algo que tem mais força ainda é o amor profundo que eu tenho, não só pela humanidade, mas pela biodiversidade inteira.”

Por isso, não basta sentir raiva. É preciso que ela seja tratada de maneira saudável, focalizada em iniciativas que podem empoderar e dar um sentido de propósito para as pessoas. Alexandre encontrou no blog e outros movimentos. A filha mais velha dele, Bárbara, encontrou no ativismo do Fridays for Future. Famílias inteiras encontram em movimentos como o Famílias pelo Clima Brasil.

E você? Onde e como irá concentrar as suas ecoemoções?

 


BARTOLI, Gretta; HÖNISCH, Bärbel; ZEEBE, Richard E. Atmospheric CO2 decline during the Pliocene intensification of Northern Hemisphere glaciations. Paleoceanography, v. 26, n. 4, 2011. Disponível em: https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2010PA002055 

HEALTH, The Lancet Child Adolescent. A climate of anxiety. The Lancet. Child & adolescent health, v. 5, n. 2, p. 91, 2021. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lanchi/article/PIIS2352-4642(21)00001-8/fulltext# 

HICKMAN, Caroline et al. Young people's voices on climate anxiety, government betrayal and moral injury: A global phenomenon. Government Betrayal and Moral Injury: A Global Phenomenon, 2021. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3918955 

LIPPI, Adriana. As crianças não vão nos salvar. Blog Espraiada. Outubro de 2021. Disponível em: https://espraiada.wordpress.com/2021/10/11/as-criancas-nao-vao-nos-salvar/ 

METZ, Bert et al. IPCC special report on carbon dioxide capture and storage. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/carbon-dioxide-capture-and-storage/ 

ROMPS, David M.; RETZINGER, Jean P. Climate news articles lack basic climate science. Environmental Research Communications, v. 1, n. 8, p. 081002, 2019. Disponivel em: https://iopscience.iop.org/article/10.1088/2515-7620/ab37dd#fnref-ercab37ddbib34 

Royal College of Psychiatrists. The climate crisis is taking a toll on the mental health of children and young people. 2020. Disponível em: https://www.rcpsych.ac.uk/news-and-features/latest-news/detail/2020/11/20/the-climate-crisis-is-taking-a-toll-on-the-mental-health-of-children-and-young-people

STANLEY, Samantha K. et al. From anger to action: Differential impacts of eco-anxiety, eco-depression, and eco-anger on climate action and wellbeing. The Journal of Climate Change and Health, v. 1, p. 100003, 2021. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2667278221000018# 


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