O início do governo do democrata Joe Biden nos Estados Unidos é cercado de expectativas pela melhora do ambiente comercial envolvendo a maior economia do mundo. Depois de quatro anos conturbados nas relações comerciais com Donald Trump no poder, os países esperam que o diálogo com Biden seja construtor de pontes de entendimento. Nos negócios não é diferente. E, pelo indicativo inicial, a predileção do democrata por construir uma economia americana baseada em desenvolvimento sustentável anima o Ceará.
Essa já é certeza: no novo governo dos Estados Unidos há a priorização da questão ambiental, inclusive de investimentos sustentáveis. Segundo a indicada à secretaria do Tesouro, Janet Yellen, o combate às mudanças climáticas será foco da administração. "Este é um dos problemas mais críticos que nosso país e o mundo enfrentam, representa uma ameaça existencial. O Tesouro vai cooperar procurando maneiras de direcionar o investimento sustentável", disse.
Atualmente, o Ceará já desponta como centro brasileiro produtor de energia limpa, mas também como produtor de equipamentos para essa indústria. Hoje, a exportação de manufaturados relacionados às energias renováveis, como pás eólicas, são o segundo principal item da pauta de exportação cearense, atrás somente do aço.
Essa relação comercial, a do aço, no entanto, foi abalada no ano passado, principalmente por conta da pandemia. A participação americana no ranking de parceiros comerciais diminuiu 30% entre 2019 e 2020, ao mesmo tempo em que a relação com a China mais que triplicou de tamanho e com o Canadá mais do que dobrou.
Raul Santos, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Ceará (Ibef-CE), acredita que o bom relacionamento entre as economias pode ser ampliado com base no perfil do novo presidente. "A grande diferença é que Biden é mais aberto ao diálogo, é mais eclético, enquanto Trump tinha uma linhagem exclusivista."
"O Ceará tem proximidade com os Estados Unidos. A ligação do Ceará, além de comercial, também existe de forma geográfica (o que facilitaria a logística entre os países)", analisa.
No mercado internacional, o Ceará compra principalmente insumos para as indústrias. As compras nos Estados Unidos somaram US$ 708,5 milhões, o que corresponde a um aumento de 1% em 2020, se comparado com o ano anterior. O país foi responsável por fornecer 29,36% do valor total comprado no exterior pelo Ceará. Parceiro de longa data, o país é o principal fornecedor de combustíveis minerais e vegetais, trigos, fibras de carbono e resinas epóxidas.
Para o economista e consultor empresarial Alcântara Macêdo, o atual contexto de crise deixou muitos países em momento delicado, de forma que os governos priorizam o mercado interno. Mas, baseado na histórica visão liberal democrata, que é nacionalista, mas tem uma estratégia reconhecedora do mercado externo, investidores americanos podem voltar a investir no Brasil.
"O Biden como candidato explicitou que teria uma política de manutenção do meio ambiente, com empresas que possuíssem políticas claras de preservação, que seriam bem-vistas pelo governo. O Brasil é estratégico por ser a nona economia do mundo, o que os investidores querem é uma política com compromisso de marco regulatório que dê segurança aos investimentos", observa.
Com instalação industrial para produção de pás eólicas no Complexo do Pecém, o presidente da Aeris, Alexandre Negrão, afirmou à Reuters neste mês, que a demanda do mercado americano é muito aguardada e que a posição estratégica favorece. "O principal mercado é o norte-americano, porque é o maior mercado disparado em relação aos outros. Pecém é relativamente perto de Houston, para onde as pás vão, então a gente chega com preço bem competitivo", destaca.
Outro que comemorou as possibilidades em entrevista ao O POVO, o diretor de Vendas da Vestas no Brasil, Eric Gomes, afirma que a empresa observa com atenção o movimento de Biden e crê em impacto positivo na demanda por turbinas. "O investimento em energia renovável é essencial para combatermos a crise climática pela qual passamos e que ainda é a maior ameaça deste século. Dados governamentais dos Estados Unidos mostram que, em 2019, as renováveis ocuparam 11% da matriz energética do país."
PRINCIPAIS MUDANÇAS ESPERADAS COM O GOVERNO BIDEN
Meio Ambiente: A ratificação de retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris demonstra que o governo democrata está disposto a acatar a demanda do pacto, que prevê a redução de 28% na emissão de gases do efeito estufa até 2025.
Biden já afirmou que tem interesse em dar atenção prioritária ao desenvolvimento sustentável e defendeu durante a campanha a defesa da Amazônia. A forma como aconteceria essa "defesa" pode ser por meio de sanções econômicas ao Brasil, o que seria negativo.
Política de desenvolvimento: No primeiro momento, a grande preocupação do novo governo norte-americano é em conter a pandemia. País mais afetado pela Covid-19, os Estados Unidos estão prestes a votar um pacote de socorro financeiro. Passado o momento de contenção das perdas causadas pela pandemia, a ideia do novo governo é privilegiar o desenvolvimento de novas tecnologias sustentáveis. Apoio aos pequenos negócios e injeção na indústria americana também são planos.
ATUAL RELAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS COM O BRASIL
Sobretaxas: O alumínio brasileiro segue, desde 2018, sendo sobretaxado pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Em outubro passado, a taxa passou de 49,48% para 136,78%. A medida foi conseguida pelos produtores norte-americanos, numa clara ação protecionista, sustentada pelo argumento de que o produto brasileiro estaria sendo comercializado abaixo do preço de tabela, prática conhecida como "dumping".
Vale destacar que a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos gira muito em torno da venda de ferro e aço brasileiros, algo em torno de 10% do total.
Uma importante vitória nos últimos anos nessa relação, foi a abertura do mercado norte-americano para a carne bovina brasileira. O Itamaraty trabalha em três frentes principais que são a facilitação do comércio, boas práticas regulatórias e comércio digital.