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O que aconteceu na COP 27: acordos truncados e o retorno do Brasil
Reportagem Especial

O que aconteceu na COP 27: acordos truncados e o retorno do Brasil

Entenda os resultados da 27ª Conferências das Partes e o que elas significam para o mundo

O que aconteceu na COP 27: acordos truncados e o retorno do Brasil

Entenda os resultados da 27ª Conferências das Partes e o que elas significam para o mundo
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Após duas semanas, a 27ª Conferência das Partes das Nações Unidas (COP 27, na sigla em inglês) chegou ao fim. Pela primeira vez discutindo oficialmente perdas e danos, as reuniões entre nações mundiais para o combate das mudanças climáticas foram truncadas e, em alguns aspectos, decepcionantes. Mas ao menos chegaram a um acordo em comum inédito, mesmo com dois dias de atraso ― o documento final só foi publicado na madrugada do domingo, 20.

 

Por outro lado, o Brasil representado pelo presidente eleito Lula (PT) saiu como um dos astros principais da COP 27, aplaudido pelo público e bem recebido pelos líderes mundiais. Já o Brasil do presidente Jair Bolsonaro (PL), que perdeu a reeleição, não teve força para chamar a atenção que o País teria normalmente.

 

 

Acordo sobre perdas e danos

A crise climática tem diversas consequências, uma delas sendo os extremos climáticos e desastres ambientais. Apesar de os países desenvolvidos serem os que mais emitem gases de efeito estufa (GEE), são os países em desenvolvimento que primeiro sofrem (e com mais força) os impactos.

Até hoje, os países mais ricos não cumpriram promessa de investir 100 bilhões de dólares por ano para ajudar os países em desenvolvimento.(Foto: Johann Olivier)
Foto: Johann Olivier Até hoje, os países mais ricos não cumpriram promessa de investir 100 bilhões de dólares por ano para ajudar os países em desenvolvimento.

Enchentes, desmoronamentos, tsunamis e tornados, por exemplo, destroem a infraestrutura dos países e provocam mortes que, consequentemente, também afetam a economia da nação. A partir disso, a COP 27 veio com um questionamento: como lidar com essas perdas e danos?

Em decisão inédita, as partes decidiram criar um fundo de financiamento para perdas e danos. As discussões, no entanto, foram travadas e atrasaram o texto final, que só foi publicado no domingo 20 de novembro, dois dias após o encerramento oficial da conferência. A demora se deu pela dificuldade de países em desenvolvimento e desenvolvidos de entrarem em acordo sobre criar ou não um novo fundo e o modo de financiamento.

A proposta dos países em desenvolvimento era criar um fundo novo e urgente que financie a reconstrução socioeconômica dos locais afetados pelas mudanças climáticas. A ideia é garantir que os países ricos historicamente responsáveis pela maior emissão ajudem financeiramente os países mais vulneráveis. No entanto, as duas semanas foram de debate truncado e pouco conciliativo.

O tema principal da COP 27 foi o financiamento de perdas e danos. (Foto: Kiara Worth)
Foto: Kiara Worth O tema principal da COP 27 foi o financiamento de perdas e danos.

Enquanto o V20 ― grupo de 58 nações mais vulneráveis à crise climática e responsáveis por apenas 5% das emissões mundiais ― exige ações imediatas e investimento rápido, os países mais ricos propõem parcimônia e mais análise. Para eles, é necessário analisar os fundos já existentes e melhorá-los. Isso implicaria em um novo grupo de trabalho e mais alguns anos de análise. Tempo que muitas nações vulneráveis não têm.

Houve, ainda, um grande esforço dos países desenvolvidos para incluir China e Índia no rol de financiadores de perdas e danos, considerando que são duas grandes economias.


No final das contas, a conferência precisou ser adiada para o sábado, 19, por falta de concordância entre as partes. Os países em desenvolvimento querem a oficialização do compromisso político dos outros ainda nesta COP, apesar de oficialmente as discussões poderem seguir até 2024.

Em uma espécie de rascunho da carta final da COP 27, publicada na madrugada de sexta-feira, 18, os países têm três opções:

As partes entraram no final de semana com a pressão de sair da COP 27 com algum resultado. Apesar da demora, a criação de um fundo para perdas e danos foi vitoriosa; a partir de agora, um grupo de trabalho terá até o ano que vem para estudar como o fundo será operacionalizado. As recomendações devem ser apresentadas na COP 28 (2023) para consideração e adoção do mecanismo.

Na decisão publicada na madrugada do dia 20, define-se que o novo fundo beneficiará "países em desenvolvimento que estão particularmente vulneráveis aos efeitos adversos das mudanças climáticas". Ainda não há definição de quais países em específico são esses.

 

 

Importante mencionar: muitos países e ativistas estão insatisfeitos com a omissão do termo "carvão" na lista de combustíveis fósseis no documento de capa da COP 27. Mais uma vez, a conferência falha a nomear claramente os causadores das mudanças climáticas; em contrapartida, a indústria do petróleo participou em massa nessa edição, com pelo menos 636 lobistas do setor registrados, 25% a mais do que na COP 26.

Países que queriam todos os combustíveis fósseis incluídos no texto: Índia, Tuvalu (e a Aliança dos Pequenos Estados Insulares), Colômbia (e a Associação Independente da América Latina e do Caribe), União Europeia, Suiça, Nova Zelândia, Islândia, Reino Unido, Estados Unidos da América, Noruega, Austrália e Canadá.

 

 

 

Falta fiscalização

Apesar de os acordos políticos firmados durante a COP serem cruciais para o enfrentamento climático, eles têm muitas falhas. Uma delas é a inexistência de um órgão fiscalizador, ou a ausência de poder de mando das próprias Nações Unidas. Basicamente, todos os protocolos e acordos dependem do que cada congresso está disposto a fazer, retardando qualquer ação efetiva contra a emergência climática.

O tema principal da COP 27 foi o financiamento de perdas e danos. (Foto: Kiara Worth)
Foto: Kiara Worth O tema principal da COP 27 foi o financiamento de perdas e danos.

“Começa a existir essa demanda para ter uma certa mudança no sistema. Porque a ONU encaminha, mas não tem esse mandato, não são mandadores”, comenta Mercedes Bustamante, bióloga e professora da Universidade de Brasília (UNB) que já trabalhou no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e no Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PMBC).

Segundo ela, faltam mecanismos para transformar os engajamentos das nações em compromissos legais, passíveis de cobrança internacional. Na COP 15, por exemplo, os países ricos prometeram investir 100 bilhões de dólares por ano a partir de 2020 para ajudar os países menos desenvolvidos a enfrentar a crise climática. Até agora, nada.

Nesse contexto, uma das novidades da COP 27 foi a publicação do relatório Questões de integridade: compromissos líquidos zero de negócios, instituições financeiras, cidades e regiões. Nele, a ONU traz diretrizes mais incisivas para as metas de carbono zero.

O documento é uma tentativa de combater o greenwashing ― traduzido para lavagem verde, ou maquiagem verde, ocorre quando as empresas se posicionam como “eco” sem ser na prática.

 

 

Alguns dos pontos principais do relatório:

- Atores não estatais não podem alegar ser carbono zero enquanto continuam a construir ou investir em novas fontes de combustível fóssil.

- Atores não estatais não podem comprar créditos baratos em vez de cortar imediatamente suas próprias emissões em toda a sua cadeia de valor.

- Atores não estatais não podem se concentrar em reduzir a intensidade de suas emissões, em vez de seu valor absoluto.

- Atores não estatais não podem fazer lobby para minar políticas climáticas ambiciosas do governo, seja diretamente, seja por meio de associações comerciais ou outros corpos.

 

 

“O documento é bem incisivo: o greenwashing atrapalha. Não há mais espaço para continuar emitindo e tem coisas que não são mais negociáveis”, reforça Karina Lima, doutoranda em Climatologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), divulgadora científica e pesquisadora sobre eventos extremos e desastres.

 

 

O elefante no meio da sala: o autoritarismo do país sede

Mas nem todos os destaques importantes da COP 27 estão relacionados à diplomacia entre nações. Ativistas de todo o mundo denunciaram prisões de jornalistas e ativistas, sites bloqueados no evento e o impedimento de participação da sociedade civil nos debates. Tudo por causa do autoritarismo do governo egípcio, onde foi sediada a conferência.

Até hoje, os países mais ricos não cumpriram promessa de investir 100 bilhões de dólares por ano para ajudar os países em desenvolvimento.(Foto: Kiara Worth)
Foto: Kiara Worth Até hoje, os países mais ricos não cumpriram promessa de investir 100 bilhões de dólares por ano para ajudar os países em desenvolvimento.

Nas redes, alguns ambientalistas apoiaram um boicote à edição deste ano justamente pela escolha do país sede. Afinal, é contraproducente discutir justiça climática em um ambiente hostil.

A mesma tendência “desanimadora”, diz Karina, deve permanecer para a COP 28. Realizada em 2023, ela ocorrerá nos Emirados Árabes Unidos (EAU), país enriquecido pela indústria do petróleo.

 

 

Brasil volta gigante para a COP 27

Lula encontrou-se com a sociedade civil e representantes indígenas em reunião brasileira na COP 27.(Foto: Johann Olivier)
Foto: Johann Olivier Lula encontrou-se com a sociedade civil e representantes indígenas em reunião brasileira na COP 27.

As COPs são eventos extremamente políticos e movimentados, nos quais espera-se protagonismo de países específicos, como os Estados Unidos da América (EUA) ― no que tange o financiamento, por exemplo ― e o Brasil, por muitos anos expoente no combate ao desmatamento.

Com a eleição de Bolsonaro, essa posição foi perdida. As taxas de desmatamento na Amazônia e em outros biomas explodiram no País, fato convenientemente ignorado no discurso do ministro de Meio Ambiente Joaquim Leite em um painel esvaziado da COP 27. Junto ao desmonte dos órgãos de fiscalização e a vista grossa para os crimes ambientais, a gestão de Bolsonaro é uma das mais desastrosas desde a redemocratização.

Presidente Lula foi convidado pelo presidente do Egito para a COP 27.(Foto: Johann Olivier)
Foto: Johann Olivier Presidente Lula foi convidado pelo presidente do Egito para a COP 27.

A eleição do presidente Lula, por outro lado, elevou os ânimos dos representantes mundiais. Quase imediatamente após o segundo turno, foi convidado pelo presidente do Egito, Abdul Khalil Al-Sisi, e pela Organização das Nações Unidas (ONU) para participar da conferência. Participou de reuniões bilaterais nos dias 16 e 17 e discursou às 12h15min de quarta-feira, 17.

À COP 27, Lula declarou: “O Brasil está de volta.”

Para Karina Lima, doutoranda em Climatologia pela UFRGS, o discurso de Lula foi excelente. “Ele trouxe dados científicos sobre os países mais ricos poluírem muito mais. Falou sobre as mortes adicionais e o impacto na economia. Sobre a ONU não poder ter a mesma lógica geopolítica desde a Segunda Guerra, em um mundo que já é diferente", elenca a pesquisadora e divulgadora científica.

Lula encontrou-se com a sociedade civil e representantes indígenas em reunião brasileira na COP 27.(Foto: Kiara Worth)
Foto: Kiara Worth Lula encontrou-se com a sociedade civil e representantes indígenas em reunião brasileira na COP 27.

O presidente deixou promessas ambiciosas de desmatamento zero para o mandato, o que reduziria 50% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) brasileiros; foco na transição para energia limpa; e reconstrução e fortalecimento da fiscalização para combater os crimes ambientais.

Lula também citou como meta a produção agrícola com sequestramento de carbono, baseada nas agroflorestas ― um sistema de agricultura regenerativa que se beneficia da variedade de culturas, em contrapartida à monocultura.

 

"Não precisamos desmatar sequer um metro de floresta para continuarmos a ser o maior produtor de alimento do mundo." Defendeu Lula, que pautou grande parte do discurso no combate à fome e na segurança alimentar mundial

 

Além disso, o presidente se posicionou como liderança para iniciativas diplomáticas, prometendo realizar a primeira Cúpula dos Países Membros do Tratado de Cooperação Amazônica. Vale lembrar que, apesar de o Brasil ter a maior parcela da floresta amazônica, o ecossistema ocupa outros oito países sul-americanos: Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.

 

 

Outra promessa recebida com aplausos foi a de oferecer o Brasil para sediar a COP 30, em 2025, especificamente no estado do Amazonas.

Mais cedo naquele dia, Lula tinha recebido dos governadores do Consórcio Amazônia Legal (CAL) a Carta da Amazônia, um documento que pede a cooperação entre os governos federal, estaduais e municipais para dar celeridade a financiamentos que possam mudar a realidade de destruição da Amazônia. Tudo orientado “pela ciência, estabilidade e reforço institucional e impulsionada pela determinação e pela vontade política de ambas as partes”.

Presidente Lula foi recebido com aplausos e cantoria na COP 27.(Foto: Johann Olivier)
Foto: Johann Olivier Presidente Lula foi recebido com aplausos e cantoria na COP 27.

Já quando o assunto é Ceará, a governadora Izolda Cela voltou do Egito com a assinatura de um novo memorando com a empresa Fortescue Future Industries (FFI). No documento, a multinacional australiana reafirma a intenção de implementar uma usina de hidrogênio verde no Porto do Pecém, conferindo investimento de 6 bilhões de dólares. O Ceará também já possui outros 24 acordos firmados “com grandes empresas para implantação de usinas de H2V”.

 

 

COP 27: outros destaques Brasil e mundo

Opep das Florestas: Brasil, República Democrática do Congo e Indonésia firmam mecanismos de pagamento por resultados de preservação de florestas. Ainda está por definir mais detalhes. Os três países detêm 52% das florestas primárias remanescentes no mundo.

Just Energy Transition Partnership: EUA, Japão e outros países firmam acordo de financiamento de 20 milhões de euros para ajudar a Indonésia a fazer uma transição energética do carvão para uma fonte de energia limpa.

 

 

 

Para ouvir: Sobre a COP 27, transição energética e mudanças climáticas

A doutoranda em Climatologia Karina Lima conversa com os repórteres do O POVO Samuel Pimentel e Catalina Leite no Twitter

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