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O preço do céu: Prefeitura de Fortaleza arrecada R$ 174 mi para liberar 21 superprédios
Reportagem Especial

O preço do céu: Prefeitura de Fortaleza arrecada R$ 174 mi para liberar 21 superprédios

No novo limite de teto da Capital, a tendência é de torres residenciais acima até do que é estabelecido pelo Plano Diretor de Fortaleza. A área de metro quadrado mais caro da cidade vai se enchendo de megaprédios de alto padrão acima dos 30, 40, 50 andares… E subindo

O preço do céu: Prefeitura de Fortaleza arrecada R$ 174 mi para liberar 21 superprédios

No novo limite de teto da Capital, a tendência é de torres residenciais acima até do que é estabelecido pelo Plano Diretor de Fortaleza. A área de metro quadrado mais caro da cidade vai se enchendo de megaprédios de alto padrão acima dos 30, 40, 50 andares… E subindo
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O capítulo final, de uma história de seis décadas de existência, da última casa da avenida Beira Mar mostra qual é — ou qual será — o novo padrão de verticalização habitacional em Fortaleza para os próximos anos. A chave do imóvel nº 4.558, já foi passada aos novos proprietários, a Construtora Diagonal, no primeiro dia de fevereiro. Agora são dias contados.

A professora aposentada Mary Lúcia Miranda e sua irmã, Márcia, que moraram na casa até a penúltima semana de janeiro de 2023, preferiram sair sem nenhum ato mais solene. Já haviam chorado reservadamente. Ficarão só o apego e as memórias de várias épocas da família — pai, mãe, seis irmãos, netos e agregados. O local mudará por completo.

Num terreno de quase 2.700 m², que reúne as áreas da casa e de mais três prédios ao lado — dois hotéis e um restaurante, estes já em processo de demolição — será elevada uma torre de 165,38 metros de altura. Será o edifício residencial Pininfarina Beira Mar. Isso é mais que o dobro do teto médio de 72 metros estabelecido como regra para aquela região da cidade. É o novo conceito de superprédios para moradia, fincados em sequência pela zona de metro quadrado mais caro do mapa da Capital.

O perfil é de mega-edifícios de alto padrão, entre 200 e 800 metros quadrados por apartamento, ambiente opulente, estética chamativa e estruturas suntuosas — heliponto em vários deles. Mas o porte altíssimo, no superlativo, é a descrição mais obrigatória. Ao nível do mar, o Pininfarina será 54 metros maior que o limite estabelecido para os prédios das avenidas Heráclito Graça e Santos Dumont, que estão 32 metros acima do nível da praia. Regiões da Aldeota e Centro têm o limite de teto em 95 metros (32 andares), a maior altura definida pelo Plano Diretor.

Chave da casa 4.558 da avenida Beira Mar: família abriu mão de ato solene para entrega do imóvel.(Foto: CLÁUDIO RIBEIRO)
Foto: CLÁUDIO RIBEIRO Chave da casa 4.558 da avenida Beira Mar: família abriu mão de ato solene para entrega do imóvel.

Há outros empreendimentos despontando ou articulados na orla e em seu entorno: Acqualina, Artis Meireles, Dona Cotinha, São Carlos Condominium, Mansão Diogo, Solar Praça Portugal, Edge, Epic, Beira Mar Miami… só para citar alguns. Dentro de meia década, serão a nova “paisagem” da cidade. E terão visão privilegiada lá de cima.

“Não vou saber precisar o número exato, mas hoje, acima dos 45 andares, mais de 20 (prédios) aprovados e começando obra eu sei que tem”, estima o empresário André Montenegro, ex-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) por dois mandatos (2014-2016 e 2017-2019). “(Prédio) Dessa altura, é de uns quatro anos para cá. São muitos”, reconhece. Na conta, seriam cerca de mil novos apartamentos nesse modelo projetado.

Para ele, o fenômeno da verticalização local ainda mais incisiva representa “um melhor aproveitamento do espaço da cidade”, que só foi possível após a criação da Outorga Onerosa de Alteração de Uso. Esse é um instrumento jurídico-administrativo que flexibiliza a utilização do solo e permite construções acima dos parâmetros estabelecidos nas diferentes zonas da cidade. Em contrapartida, o construtor paga, em dinheiro, por esse solo "criado" cada vez mais para o alto.

Conjunto de imóveis que será demolido. Da esquerda para a direita: a última residência da Avenida Beira Mar, o antigo restaurante Hong Kong, os hotéias Samburá e o Vela e Mar(Foto: Cláudio Ribeiro)
Foto: Cláudio Ribeiro Conjunto de imóveis que será demolido. Da esquerda para a direita: a última residência da Avenida Beira Mar, o antigo restaurante Hong Kong, os hotéias Samburá e o Vela e Mar

O valor arrecadado vai para o Fundo de Desenvolvimento Urbano de Fortaleza (Fundurb). A quantia financeira pode ser substituída, em valor correspondente, pela doação de imóveis ao município ou pela execução de obras de infraestrutura urbana. Em dois anos da atual gestão, o Fundurb arrecadou R$ 174.771.413,00 com pagamentos da Outorga Onerosa, segundo a secretária de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seuma), Luciana Lobo.

Foram 21 projetos que acionaram a regra, conforme dados da Seuma, sendo oito em 2021 e 13 no ano passado. Mais 19 processos estão atualmente tramitando na Pasta. O que puxa a conta para pelo menos 40 projetos recorrendo ao direito de pagar para superar os limites do Plano Diretor.

Em 2023, apenas um pedido de outorga onerosa foi protocolado junto à Seuma. O POVO não obteve dados mensais dos anos anteriores para efeito comparativo. O dinheiro coletado pelo instrumento deve ser usado prioritariamente em políticas públicas, obras de cunho social e melhorias urbanas — como reforma e manutenção de parques, praças ou avanços em áreas mais carentes.

 


Dados do Edifício Pininfarina Beira Mar

 

 

Falta de "matéria-prima"

A construtora Diagonal comprou a última residência da Avenida Beira Mar, que será demolida(Foto: Samuel Setubal/Especial para O Povo)
Foto: Samuel Setubal/Especial para O Povo A construtora Diagonal comprou a última residência da Avenida Beira Mar, que será demolida

Para o corretor de imóveis Alexandre Muniz, experiente no mercado e que atende a clientela classe A, a régua dos novos empreendimentos se explica pela carência de novos espaços na região. "O número de terrenos foi ficando escasso. Hoje a gente não encontra mais terrenos, que é a 'matéria-prima' para as construtoras", explica.

Mais pompa, mais altura, preços também para cima. Nesse padrão de luxo e localização, unidades de 200 m² a 800 m² que custam, na média atual, de R$ 3 milhões a R$ 16 milhões — como a cobertura duplex do Wave Beira Mar (652 m² de área privativa, valor inicial de R$ 16,3 milhões). "Mesmo assim, a procura aumentou tremendamente para esse tipo de imóvel de alto padrão", garante Muniz.

Dois quarteirões antes do Pininfarina Beira Mar, em frente ao riacho Maceió, está o prédio hoje com o título de mais alto de Fortaleza, o Residencial One. A edificação tem 170 metros, com 50 andares (sendo 46 com apartamentos, um por andar, mais pavimentos de garagem e lazer). Prestes a ser concluído, deverá ser entregue aos novos moradores ainda neste semestre pela construtora Colmeia. Vizinho, a mesma empresa trabalha para alçar outro gigante, o Sky Beira Mar. Serão mais 165 metros, também terá 46 apartamentos, um por andar, mais pavimentos de lazer e serviço.

No endereço da última casa da Beira Mar, o Pininfarina passará dos 50 andares, se contados os 46 apartamentos, a cobertura e mais os pavimentos de lazer e garagens (três andares). A ex-casa de dona Mary Lúcia tinha um carro na garagem. Agora, cada apartamento terá seis vagas, num pavimento de três andares para 288 veículos. “Nem teria como morar aqui, é só para rico”, admite a professora aposentada.

 

 

Ciclos e memórias do imóvel 4.558 da Beira Mar

"São os ciclos da vida, né?". Mary Lúcia Miranda, de 75 anos, professora aposentada, resigna-se com o destino da casa onde morou desde criança, a última da avenida Beira Mar. Que será substituída por uma torre residencial de mais de 165 metros. Lembra de quando o portão da frente era para a rua Bauxita. "Aqui onde é a frente era o quintal, a gente ficava olhando pro mar. O que eu mais gostava era quando nossa mãe chegava e dizia 'olha se a maré encheu. Mas não vão pro mar'. E a gente corria pra ver", rememora. A tristeza dela é resiliente. Conforma-se que o progresso lhe bateu à porta de vez, fez proposta e ficou com o lugar de seus afetos, mas não as lembranças.

Números na fachada da última casa que serviu de morada na avenida Beira Mar(Foto: CLÁUDIO RIBEIRO)
Foto: CLÁUDIO RIBEIRO Números na fachada da última casa que serviu de morada na avenida Beira Mar

Outras ofertas até haviam sido feitas antes, confirma. Construtoras desejavam a casa antes da negociação definitiva acontecer, em 2021, com a empresa Diagonal. Mary prefere não dizer por quanto saiu a venda. Os negócios foram conduzidos por todos os irmãos. Confirma que já estava difícil bancar despesas de impostos municipais e federais. Moravam até meados de janeiro somente ela e a irmã Márcia. Mirinha, outra irmã, mora em Belo Horizonte (MG). E Romero e Neném, irmãos, visitam-lhes regularmente — um terceiro irmão, Neto, faleceu dois anos atrás. Amazonina Pereira, 61 anos, que trabalha há 39 para a família, passava o dia, seguindo para casa todas as noites, também no Mucuripe.

Nesses dois anos, desde a venda até desocuparem o imóvel, a despedida foi sendo vivida. E a presença da casa desconstruída aos poucos, antes do fato em si.

"Essa casa tem tanta história boa, bonita", diz, como toda morada longeva. Foram seis décadas. Era casa e mercearia do pai, Luiz Gonzaga Freitas. Viveu até 1992, quando tinha 76 anos. "Antes de casar, meu pai trabalhou com o (cineasta americano) Orson Welles aqui na praia em frente, quando ele veio filmar 'It's All True' (É Tudo Verdade)", revela. Era guarda civil e protegia o set de filmagens. O documentário, de 1942, teve cenas gravadas no Mucuripe.

Mary Lúcia, professora aposentada, que morou até janeiro deste ano na última casa da avenida Beira Mar, prestes a ser demolida: "ciclos"(Foto: CLÁUDIO RIBEIRO)
Foto: CLÁUDIO RIBEIRO Mary Lúcia, professora aposentada, que morou até janeiro deste ano na última casa da avenida Beira Mar, prestes a ser demolida: "ciclos"

A mãe, dona Neuza, "conhecia muita gente", morreu em 2015 a dois meses de completar 99 anos. "Era uma ótima nadadora. Saía daqui, ia até a Ponte Metálica. A gente, criança, esperava chorando ela voltar do mar", remonta. Mary não nega ter chorado depois de deixar a casa. Estão, ela e a irmã, num apartamento próximo. Quiseram continuar no bairro.

O imóvel 4.558 ainda seguirá de pé — até agosto, diz previsão —, quando as empresas de demolição concluem a entrega do terreno total para a obra da torre. No desapego obrigatório, roupas e pertences antigos pararam em caixas para doações. Móveis e eletrodomésticos também.

E qual a sensação atual dela própria? Mary começa a citar como "uma perda...", mas substitui falar da própria emoção e junta momentos familiares, as visitas frequentes de amigos, as novenas da mãe e os cafezinhos. "O ar mudou e agora é seguir a vida. São os ciclos", repete a expressão inicial desse texto. No dia da entrega da chave, o repórter tomou um dos últimos cafés feitos na casa. Era conhecido. 

 

 

Além de altura máxima, Outorga Onerosa pode flexibilizar outros itens da obra

A legislação da Outorga Onerosa é prevista em lei federal (Estatuto da Cidade). Em Fortaleza, foi regulamentada e aprovada em 2015 pelos vereadores e já teve medidas redefinidas em 2022. Flexibilizações que teriam sido ajustadas para tentar melhorar o efeito da regra. É muito bem recebida por quem constrói, tem sido acionada com cada vez mais frequência, mas é alvo de críticas por ambientalistas e urbanistas com visão diferente do segmento construtor.

O artifício da Outorga Onerosa não é válido somente para mudar a altura do projeto, "que é o que mais salta aos olhos", segundo a secretária municipal de Urbanismo e Meio Ambiente, Luciana Lobo. Pode ser acionado, por exemplo, para itens como índice de aproveitamento (área construída em relação ao terreno), taxa de ocupação do solo e do subsolo, taxa de impermeabilização e recuos (distância do imóvel para os muros).

A permissão é dada a partir de um processo formal, apresentado junto à Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma). "Mas é o CPPD (Conselho Permanente de Avaliação do Plano Diretor) que analisa e aprova o projeto", explica a secretária. É um colegiado vinculado à gestão urbana local, mas com autonomia para endossar ou invalidar as propostas. O CPPD é paritário, composto por 13 representantes de órgãos municipais do poder municipal e mais 13 de instituições, órgãos estaduais e federais e entidades da sociedade civil.

 

Luciana Lobo ressalta que os valores obtidos com a outorga são revertidos integralmente para obras dentro de Fortaleza. "Esse recurso é valioso para a cidade. A Prefeitura vende um solo criado, fictício, e se capitaliza para fazer investimentos". Um dos projetos de reforma que deverão ser contemplados brevemente, segundo ela, será a reforma do Parque Rio Branco, orçada em cerca de R$ 6 milhões.

Há uma fórmula, disponibilizada no site da Seuma, que simula quanto será cobrado pela Outorga sobre o direito de construir e alterar o uso do solo. O cálculo leva em conta variantes como a zona da cidade, altura do imóvel, itens a serem modificados e área do terreno disponível e quanto dele será utilizado, para cima e para o subsolo. Há casos, conforme a secretária, em que os projetos pleiteiam a outorga, mas as construtoras desistem quando valores não contemplam o planejamento financeiro para tocar a obra.

Na atualização da Lei da Outorga Onerosa feita em setembro do ano passado, foi concedida redução de valores da contrapartida em algumas áreas da cidade. A decisão foi trabalhada para estimular a dinamização e o adensamento ordenado. Segundo a secretária, entre esses espaços estariam zonas próximas ao metrô de Fortaleza. Redutores maiores para estimular mais ocupações também em pisos térreos, evitando apenas paredes de prédios sem a presença de pessoas. "Queremos uma cidade pulsante, as coisas acontecendo", defendeu.

 

 

Altura de prédio é definida a partir da pista do aeroporto

Para ser definido qual o teto autorizado de um edifício na cidade, a legislação toma como principal referência a altura da cabeceira da pista do aeroporto. Em Fortaleza fica 25,3 metros acima do nível do mar.

Altura dos prédios é definida a partir do raio de aproximação da cabeceira da pista do aeródromo da cidade. Em Fortaleza, prédios com 70 metros precisam estar a pelo menos 1km de distância do Aeroporto Pinto Martins(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Altura dos prédios é definida a partir do raio de aproximação da cabeceira da pista do aeródromo da cidade. Em Fortaleza, prédios com 70 metros precisam estar a pelo menos 1km de distância do Aeroporto Pinto Martins

Leva-se em conta a rampa de aproximação, que é a inclinação da aeronave no movimento de pouso e decolagem. Pelo cálculo aeronáutico, a rampa do Aeroporto Pinto Martins permite a presença de edificações na proporção de 1x7: um prédio poderá ter 70 metros de altura após o raio de 1 km de distância da pista.

Nos processos para pleitear a Outorga Onerosa, as construtoras precisam ter na documentação o cadastro das informações: altura, topo e coordenadas geográficas da obra implantada. O preenchimento é on-line, gratuito (sysaga.decea.mil.br). Os dados são analisados pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), que define qual a altura será permitida para o edifício.

 

 

Verticalização perto de 40% na área do m² mais caro

Não à toa, a zona de Fortaleza com maior "intensidade de verticalização habitacional" corresponde aos bairros Aldeota, Meireles e Mucuripe (incluindo a área do entorno da avenida Beira Mar), com índice de 37,71%. O número é do estudo mais recente sobre o tema, de dois anos atrás, mas com dados finais de quase uma década. Esse pedaço da cidade, com metro quadrado mais caro da Capital, reúne a maior concentração de prédios de alto padrão. É a fatia mais desejada por construtores para os imóveis de alto padrão, chamada de Zona de Ocupação Consolidada (ZOC) dentro do Plano Diretor Participativo (PDP) da Capital cearense.

Residencial One se torna em breve o prédio mais alto de Fortaleza(Foto: Cláudio Ribeiro)
Foto: Cláudio Ribeiro Residencial One se torna em breve o prédio mais alto de Fortaleza

O artigo científico, publicado em 2021 na revista Cadernos Metrópole, foi elaborado pelos pesquisadores Marcelo Capasso e Renato Pequeno, do Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab), do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC). É intitulado “A falência seletiva do Plano Diretor de Fortaleza”. No trabalho, eles consideram que alterações ao PDP na década seguinte à legislação, aprovada em 2009, “potencializaram vantagens para a construção civil em áreas estratégicas à captura da valorização do solo, especialmente onde há interesse privado na verticalização, ao passo que se inviabilizaram avanços na inclusão territorial e proteção do patrimônio cultural edificado”.

Segundo os urbanistas, 98 dos 232 imóveis com mais de 15 pavimentos em Fortaleza haviam sido elevados na região entre 2009 e 2015 — ano em que foi aprovada a Lei de Outorga Onerosa, que permitiu a régua da cidade subir ainda mais. O que já requer atualização. Atualmente há prédios mais de três vezes maiores que esse recorte do estudo, com mais de 50 pavimentos, em finalização ou projetados. A exemplo do Pininfarina Beira Mar.

“(A outorga onerosa) É uma superutilização do solo urbano. Você está superotimizando o valor da localização. A questão é saber se existe o interesse da coletividade na construção desses prédios”, pondera Capasso. E amplia: “Com a outorga, você paga pelo direito de não se limitar. A limitação é dada pela viabilidade de mercado. A outorga em si não é um problema. O problema é como ela está sendo feita”.

 


Intensidade de verticalização em Fortaleza 2009-2015

 

 

Preservada até o final, casa será a última a ser demolida

Pelo cronograma de demolição dos quatro imóveis que hoje ocupam a área onde será levantada a torre de 165 metros, a casa nº 4.558 da avenida Beira Mar será a última a vir abaixo. Ela servirá de ponto de apoio para os operários de três empresas contratadas para limpar e nivelar o terreno. Por isso, “sobreviverá” até os últimos momentos antes do início das obras do megaprédio. A previsão é que o espaço de quase 2.700 m² esteja liberado em agosto deste ano. A construção do residencial começa na sequência.

Última casa da Avenida Beira Mar será demolida após seis décadas como parte da paisagem(Foto: Samuel Setubal/Especial para O Povo)
Foto: Samuel Setubal/Especial para O Povo Última casa da Avenida Beira Mar será demolida após seis décadas como parte da paisagem

No momento, três empresas (Saxum, Ecocycle, LM Escavações) realizam o desmonte de portas, janelas, madeiras, peças e outras estruturas internas dos edifícios onde funcionaram os hotéis Samburá, Vela e Mar e o restaurante Hong Kong. Todo o material, das peças ao próprio entulho, será recolhido para reaproveitamento. Os trabalhos acontecem há cerca de 15 dias, com a retirada de material, depois colocação de escoras, redes e andaimes. São por volta de dez pessoas nessa operação de demolição.

Segundo Nerisvan de Sousa Cruz, da Saxum, a derrubada dos prédios antigos começa dos andares de cima até chegar ao térreo. O mais alto deles, o Vela e Mar, tem dez andares. O Samburá tem sete; o Hong Kong, dois pisos. Afora coberturas e subsolos. Uma miniescavadeira, que pesa três toneladas, e uma britadeira serão içadas por guindaste até o último andar de cada um, auxiliando o trabalho das marretas manuais.

 

 

>> Artigo

Cidade pra quem?

Por Marcelo Capasso (*)

Já devem ter visto o tamanho dos prédios despontando na paisagem de Fortaleza, especialmente na orla leste. Esses novos edifícios atingem muitas vezes volumes e alturas maiores do que o dobro originalmente permitido na legislação urbana. Há quem julgue a estética desses “superprédios”, o que considero uma questão menor, enquanto outros sugerem a “falta de planejamento urbano” como razão de sua origem – na verdade uma das várias falácias do senso comum, diante de todo o aparelho de controle urbanístico que Fortaleza tem.

Marcelo Capasso, arquiteto e urbanista, pesquisador do Lehab/UFC(Foto: REPRODUÇÃO)
Foto: REPRODUÇÃO Marcelo Capasso, arquiteto e urbanista, pesquisador do Lehab/UFC

Fortaleza é sim uma cidade planejada, afinal, há mais de meio século vem formando um vasto código de urbanismo regulando a construção civil, de forma a minimizar, ou pelo menos administrar, os impactos sobre o ambiente urbano. A questão central é a quem esse planejamento tem se dirigido, e não me parece que seja ao interesse coletivo, problema que revela muito mais a negligência política em impor uma verdadeira ética urbanística: afinal, por que pode mais quem pode pagar?

O planejamento está longe de ser um instrumento meramente técnico – ele também é fortemente agenciado nas arenas políticas de articulação entre o setor imobiliário, o Executivo e o Legislativo. Se engana quem pensa que existe qualquer estudo técnico de larga escala sobre o impacto desse superadensamento.

Cada superprédio é aprovado segundo um estudo apenas de sua implantação imediata no espaço urbano, nas condições atuais de trânsito. Não se adequam mais às limitações urbanísticas vigentes: recuos, volume, altura, taxa de ocupação do terreno... tudo isso com o suporte legal de uma tal Lei de Outorga, aprovada em 2015: outorga-se a não adequação mediante contrapartida financeira, dando um verniz de legalidade a essas construções.

A controvérsia está no próprio mercado imobiliário de alto padrão se autorregular, com incorporadoras construindo no tamanho de seus próprios interesses – cidade pra quem? É como se as limitações urbanísticas servissem ao objetivo último de serem superadas, especialmente onde está o preço mais caro do solo urbano.

Quem vai pagar o saldo futuro dos superprédios, inocentes de impacto, é a sociedade. Aliás, nós já pagamos, e caro, por uma urbanização cujo protagonista sempre foi o preço da terra. Quase nada que seja antigo resiste onde o terreno é caro demais. A recente reforma da Aguanambi – na verdade a calha de um afluente do Cocó – custou milhões aos cofres públicos apenas para duplicar as galerias de drenagem, por uma ocupação inadequada nos arredores, pavimentando, cimentando tudo, impossibilitando a infiltração natural mínima das águas de chuva no solo.

A drenagem da chuva, a escassez de espaço viário, o inferno de pedra sem áreas verdes, a projeção da capacidade de abastecimento de água, a coleta de esgoto... não está resolvido agora, mas vai ser, num futuro próximo, pelo Poder Público, e o ônus vai ser sempre socialmente compartilhado.

(*) Marcelo Capasso é arquiteto, mestre em Gestão Urbana e doutorando em Geografia/ UFC-Lehab

 

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