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Dinheiro traz felicidade? Maioria dos brasileiros diz que sim
Reportagem Especial

Dinheiro traz felicidade? Maioria dos brasileiros diz que sim

Os brasileiros consideram de "extrema importância" boa condição financeira como base para felicidade. No Brasil, 86% das pessoas concordaram que o dinheiro é um item importante. Até que ponto isso é verdade?

Dinheiro traz felicidade? Maioria dos brasileiros diz que sim

Os brasileiros consideram de "extrema importância" boa condição financeira como base para felicidade. No Brasil, 86% das pessoas concordaram que o dinheiro é um item importante. Até que ponto isso é verdade?
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Até que ponto ter dinheiro pode ser um fator decisivo para alcançar a felicidade? Esse questionamento foi feito e 86% dos entrevistados concordam que o dinheiro é um item importante. Destes, 32% têm extrema convicção.

Ao todo, 1.682 pessoas participaram da pesquisa "A importância abstrata do dinheiro" desenvolvida pelo Instituto Locomotiva. Com faixa etária entre 18 e 77 anos, os dados permitiram traçar alguns perfis básicos.

Os mais jovens (entre 18 e 40 anos) tendem a destacar o dinheiro como ponto "muito importante" para obter a felicidade, enquanto os mais velhos (60+) julgam menos importante.

Pessoas brancas também respondem mais que pessoas negras e pardas que consideram o dinheiro como item primordial para felicidade.

Para o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, a pesquisa mostra que existe um "alvo" para a maioria das pessoas: alcançar um padrão mínimo de renda para não viver no perrengue, mas é diferente do que considerar uma garantia.

 

 

O papel do dinheiro como "importante" para a felicidade - Perfil por idade

 

Na visão do pesquisador, o dinheiro aproxima as pessoas da felicidade, funcionando como uma garantia mínima. No entanto, os brasileiros não têm muita noção da realidade de como são enquadradas as proporções do que é riqueza.

A pesquisa revela que a percepção dos brasileiros sobre o próprio estado de riqueza e oportunidades chega ao ponto de que 47% das pessoas se enquadram em um nível de riqueza média, enquanto existem mais pessoas que se apresentam como ricos ou muito ricos, do que pobres ou muito pobres.

"Vemos que muita gente se acha classe média, isso é normal, pois conhecemos sempre alguém que tem mais grana e outros que têm menos grana", destaca.

Mas enfatiza: "Observamos também que a perspectiva de melhora existe para os mais ricos, mas para a classe média e os pobres está em garantir o sustento. Por isso, não possuir o luxo não é o que deprime os mais pobres, o que ele quer é ter a garantia do básico para não viver num universo de restrições."

Se uma pesquisa de opinião pode indicar caminhos com base no que as pessoas pensam, que tal observar a partir de uma pesquisa científica?

Na disciplina de Formação em Felicidade no Trabalho, da Universidade de Berkeley, na Califórnia-EUA, diversos estudos produzidos revelam que pessoas felizes são três vezes mais criativas e 31% mais produtivas, alcançando 37% a mais de vendas do que aquelas que não se percebem felizes.

A partir da experiência internacional, pesquisadores brasileiros estão estudando o quanto a felicidade pode também contribuir no mundo do trabalho. O Centro de Estudos em Gestão de Serviços em Saúde do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ) lidera o projeto.

Cláudia Araújo, professora da UFRJ e coordenadora do CES, explica que a linha de pesquisa em desenvolvimento quantifica a felicidade e como isso afeta positivamente o ambiente das empresas.

Aqui, foram definidos os atributos que levam à felicidade, o que é preciso oferecer para fazer com que os colaboradores sejam felizes.

Cláudia Araújo, professora da UFRJ e coordenadora do CES/UFRJ.(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Cláudia Araújo, professora da UFRJ e coordenadora do CES/UFRJ.

A pesquisa se mostra importante na medida em que boa parte do dia das pessoas em idade produtiva são preenchidos dentro do ambiente de trabalho. Mas é só o salário que traz felicidade ao colaborador? Com base nas informações obtidas, Cláudia diz que não.

A coordenadora do estudo enfatiza que mais fatores compõem o escopo necessário para uma pessoa feliz e um funcionário produtivo. "As empresas ainda estão engatinhando nessa jornada, é uma discussão recente, vai além da satisfação no emprego, mas de felicidade ampla da pessoa".

"Sobre o questionamento sobre salários e se o dinheiro traz felicidade, a resposta é: Sem dinheiro não conseguimos atender às necessidades básicas que vão permitir que você seja feliz, mas não é só o salário. Sozinho, ele não traz felicidade ao colaborador", diz Cláudia, citando a oferta de benefícios e a segurança dentro da organização, que passa por outros atributos como comunicação clara, procedimentos justos, valorização e respeito às pessoas.

O contexto macroeconômico em que o desemprego aumentou nos últimos anos, junto com a inadimplência das famílias e a queda da massa salarial média. O cenário negativo contribui para a queda do nível de felicidade dos trabalhadores.

+Celso Athayde: Falta de perspectiva, a maior crise que o Brasil poderia passar

Ainda assim, os brasileiros se mostram resilientes. "O Brasil é um caso especial em diversos estudos indicando o quanto a renda per capita dos moradores de um país é necessária para que a pessoa seja feliz. O brasileiro é um povo que ganha menos do que é necessário para ser feliz, segundo as médias, mas o povo brasileiro se apresenta como feliz", pontua.

Adriana Bezerra, CEO da Flow Desenvolvimento Integral, entende que num país em que há tanta pobreza é natural que as pessoas achem que o dinheiro é o caminho para a felicidade, que neste caso é sinônimo de vencer a pobreza extrema com o atendimento de necessidades básicas de alimentação, moradia, emprego e segurança.

Ela destaca ainda o Paradoxo de Easterlin, estudo que demonstrou que só há correlação entre dinheiro e felicidade até certo patamar, em que "mais não é melhor".

"Isso explica porque muitas pessoas que têm dinheiro suficiente para além de manter suas necessidades básicas, nem sempre sentem satisfação com a vida. Buscar viver uma vida significativa que coloque o bem comum acima dos interesses individuais, muitas vezes é o caminho que traz muito mais sentido."

 

 

Entre ter, perder e conquistar, o maior patrimônio é a família

Eduardo Noleto, empreendedor dos restaurantes Jipe Véio (@jipeveiofoods), dirigia uma construtora no Maranhão, mas o negócio faliu em 2020 e ele perdeu tudo. Resolveu juntar o que sobrou e viajou com a esposa para Fortaleza e começou a empreender vendendo água na Feira Buraco da Gia. Hoje tem um negócio no ramo de alimentação e está abrindo o terceiro restaurante em Fortaleza.
Eduardo Noleto, empreendedor dos restaurantes Jipe Véio (@jipeveiofoods), dirigia uma construtora no Maranhão, mas o negócio faliu em 2020 e ele perdeu tudo. Resolveu juntar o que sobrou e viajou com a esposa para Fortaleza e começou a empreender vendendo água na Feira Buraco da Gia. Hoje tem um negócio no ramo de alimentação e está abrindo o terceiro restaurante em Fortaleza. (Foto: AURÉLIO ALVES)

O processo de encontro com a felicidade não se trata somente de ter dinheiro. Essa é a avaliação de Eduardo Noleto, 36, empreendedor dos restaurantes Jipe Véio (@jipeveiofoods). E para corroborar com a afirmação, ele apresenta sua história.

Entre ter, perder e conquistar patrimônio profissional e dinheiro, os últimos quatros anos foram uma montanha-russa que o fizeram valorizar mais a família.

Ele detalha que dirigia uma empresa de construções no Maranhão, que já tinha reconhecimento no mercado, assinava contratos a partir de licitações. Aquela vida de estabilidade financeira ruiu quando o negócio faliu em 2020 e levou a família à falência.

Resolveu juntar o que sobrou de patrimônio da família, um carro, e viajou com a esposa para Fortaleza. Quando chegou, quatro meses após a falência, passou a trabalhar como motorista de app. No entanto, uma experiência negativa com um assalto o fez abandonar a ocupação.

Eduardo Noleto destaca sua família como seu principal patrimônio.
Eduardo Noleto destaca sua família como seu principal patrimônio. (Foto: AURÉLIO ALVES)

O momento extremo, sem ocupação ou renda, o fez partir para uma ocupação que nunca havia cogitado e até renegava: vender produtos na rua.

Começou vendendo água, na Feira Buraco da Gia, no Centro de Fortaleza. Depois evoluiu, montando um carrinho de lanches no local. A evolução nos negócios continuou e montou o segundo carrinho de lanches, com a esposa.

Hoje tem um negócio no ramo de alimentação, com marca registrada, e está abrindo o terceiro restaurante Jipe Véio na Capital.

Em meio aos altos e baixos da vida, diz que passou a valorizar mais a família e as pessoas. No ambiente profissional, voltou a ter empregados, mas adquiriu uma nova visão: "Na verdade, antes, eu só enxergava números".

"Eu e minha esposa trabalhávamos sozinhos e hoje temos 12 funcionários. Para mim é maravilhoso gerar emprego e poder pagar bem. Hoje ao invés de números, eu vejo pessoas", acrescenta.

E ainda enfatiza que, para ele, riqueza é dormir em paz e abraçar o maior patrimônio: a família.

"Dinheiro é importante, proporciona muita coisa e permite viver bem. Mas aquilo é momentâneo. Você construir uma paz de espírito, uma família que se ama e ter a oportunidade de viver, ter tempo, saúde e qualidade de vida, isso é importante", complementa.

Após quase todo patrimônio em uma falência, Eduardo Noleto decidiu empreender por necessidade no ramo de alimentação. O projeto deu certo e ele está próximo de abrir a terceira unidade.
Após quase todo patrimônio em uma falência, Eduardo Noleto decidiu empreender por necessidade no ramo de alimentação. O projeto deu certo e ele está próximo de abrir a terceira unidade. (Foto: AURÉLIO ALVES)

 

 

Veja dicas: Os hábitos que você precisa ter para salvar sua vida  financeira em 2023

 

 

Fatores negativos: Nível de endividamento tem tirado o sono dos brasileiros

Um dos fatores negativos para o nível de felicidade dos brasileiros certamente é o alto nível de endividamento e inadimplência. O sufoco nas finanças tem "tirado o sono" de 84% dos brasileiros, de acordo com o "Raio X dos Brasileiros em Situação de Inadimplência".

Os dados ainda revelam que esse cenário negativo em relação às dívidas faz com que 82% dos entrevistados com problemas financeiros admitam que isso tem afetado muito sua felicidade.

O levantamento, feito em parceria entre MFM Tecnologia e Instituto Locomotiva, ouviu 1.020 pessoas com mais de 18 anos, em novembro passado, e ainda revela que 81% dos entrevistados admitem que as dívidas têm sido motivo de brigas dentro de casa.

Outro aspecto admitido por 66% das pessoas é que as dívidas em atraso afetam o apetite. Para Darla Lopes, sócia da Aveiro Consultoria e diretora do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Ceará (Ibef-CE), na fase adulta, os erros financeiros são verdadeiras armadilhas.

E, na maioria dos casos, as pessoas não são preparadas para isso no ambiente familiar, pois orçamento, planejamento financeiro, dinheiro ou controle de gastos geralmente não fazem parte das conversas familiares.

"Ocorre que existe uma lacuna no que tange os assuntos relacionados a dinheiro, e por isso mesmo hoje temos muitos brasileiros endividados", acrescenta.

+VÍDEO: Veja a entrevista com Renato Meirelles nas Páginas Azuis

Por conta disso, a situação de muitas pessoas se complica ao tentar realizar "sonhos". "A psicologia econômica destaca que o ser humano vive tentando maximizar o prazer e afastar o sofrimento, e por isso alimenta uma série de estratégias para manter-se aparentemente feliz. Uma delas é gastar descontroladamente, realizando compras sem necessidade, acreditando no prazer imediato de possuir alguma coisa."

"Entretanto existe um viés futuro referente a decisão consumista e imediatista: é a escassez e o endividamento precoce, trazendo infelicidade e arrependimento", finaliza.

Já Adriana Bezerra, CEO da Flow Desenvolvimento Integral, avalia que estimular uma crença popular de que apenas o dinheiro é crucial para a felicidade pode ser perigoso.

“Não apenas superestima quanto gera uma espécie de ‘corrida pelo ouro’, aliada a uma ansiedade de comparação que leva a pessoa a acreditar que a grama do vizinho sempre é mais verde e que é preciso ‘correr mais’ para também ter mais e ser mais feliz. E quanto maior a corrida, maior a ansiedade e menor a felicidade", analisa.

Desde 2012 é publicado o Relatório Mundial da Felicidade dos países, que abrange liberdade, políticas públicas, expectativa de vida, generosidade, confiança e percepção de corrupção, além da renda. Em 2022, o Brasil caiu novamente no ranking, ocupando a 38ª posição.

>> Entrevista

O equívoco ao associar felicidade ao dinheiro

Adriana Bezerra, CEO da Flow Desenvolvimento Integral

Adriana Bezerra do Carmo, fundadora da Flow Desenvolvimento Integral.
Adriana Bezerra do Carmo, fundadora da Flow Desenvolvimento Integral. (Foto: Divulgação)

O caminho da felicidade é uma estrada reta e se baseia em obter a maior quantidade de dinheiro possível? Na avaliação de Adriana Bezerra, não. Ao O POVO, ela detalha o quanto esse "caminho para felicidade" pode estar equivocado.

O POVO - Existe no imaginário das pessoas que ter dinheiro é o caminho para felicidade. Até que ponto isso pode ser real?

Adriana Bezerra - Respondo esta pergunta com uma pergunta: As pessoas que têm dinheiro são obrigatoriamente felizes?

Várias pesquisas mostram que o dinheiro não é ‘O’ caminho para a felicidade, mas que vencer a pobreza extrema com o atendimento das necessidades básicas relacionadas a comida, moradia, emprego e segurança, proporciona algum grau de felicidade.

Porém, acima desta linha, a riqueza não obrigatoriamente gera mais felicidade.

O Paradoxo de Easterlin, estudo que demonstrou que só há correlação entre dinheiro e felicidade até certo patamar, diz que ‘mais não é melhor’.

Isso explica porque muitas pessoas que têm dinheiro suficiente para além de manter suas necessidades básicas, nem sempre sentem satisfação com a vida. Buscar viver uma vida significativa que coloque o bem comum acima dos interesses individuais, muitas vezes é o caminho que traz muito mais sentido.

OP - Essa crença popular não superestima o papel do dinheiro?

Adriana - Não apenas superestima quanto gera uma espécie de ‘corrida pelo ouro’, aliada a uma ansiedade de comparação que leva a pessoa a acreditar que a grama do vizinho sempre é mais verde e que é preciso ‘correr mais’ para também ter mais e ser mais feliz. E quanto maior a corrida, maior a ansiedade e menor a felicidade.

OP - O aumento da pobreza e desemprego no Brasil em meio ao aumento da inflação e inadimplência da população nos últimos anos podem reforçar essa visão sobre a importância das condições financeiras para a felicidade?

Adriana - É fato que dificuldades financeiras impactam negativamente na saúde emocional, no bem-estar e na qualidade de vida das pessoas, sem dúvida. Porém, a correlação entre atender todas estas necessidades e sustentar a felicidade não obrigatoriamente é verdadeira.

Vejamos o caso do Felicidade Interna Bruta (FIB) termo criado pelo Butão para mostrar que não é apenas o PIB - Produto Interno Bruto - que define o desenvolvimento de uma nação.

O FIB traz uma visão sistêmica sobre os fatores que geram felicidade numa sociedade, contemplando desde condições materiais até a relação com a espiritualidade como sentido de vida e não obrigatoriamente como religião.

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