O Ceará tem, atualmente, pelo menos 68 espécies classificadas como exóticas invasoras. A informação é da Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras, do Instituto Hórus, que desde 2004 coleta informações sobre estes seres.
Apesar de o nome pode indicar, "espécies exóticas invasoras" não são, necessariamente, seres diferentes daqueles a que estamos habituados. São, em suma, fauna ou flora inseridas no ecossistema local por ação humana e que, portanto, apresentam diferentes riscos à biodiversidade local. Isso acontece porque, muitas vezes, nos locais onde essas espécies estão inseridas elas não possuem predadores ou doenças que regulam o crescimento da população.
“Quando ela (a espécie) se reproduz de forma desenfreada, passa a ocupar o espaço que outras espécies, que são nativas daquele local, estariam ocupando, e passa a dominar esse sistema, e isso vai causar uma redução da diversidade,” explica a ecóloga vegetal Anna Abrahão.
É o caso do Aedes aegypti, transmissor de arboviroses como a dengue, zika e chikungunya. O mosquito-da-dengue tem origem no continente africano, mas foi disseminado no Brasil ao chegar por meio de navios e embarcações.
Comida típica no Nordeste, a tilápia (Oreochromis niloticus), é outro exemplo. Nativa de rios e lagos africanos, esta espécie foi introduzida pela primeira vez para cultivo na Região na década de 1930. Além de serem peixes agressivos e predadores de espécies nativas, a criação deles utiliza ração rica em fósforo, que altera o ambiente aquático e tem impacto ambiental massivo, segundo a Classificação de Impacto Ambiental para Taxa Alienígena (Eicat).
A questão não se limita à fauna. Como explica Anna Abrahão, plantas como dendê, algarobeira e unha-do-diabo também apresentam ameaças à biodiversidade. No caso da primeira, cientificamente chamada Prosopis juliflora, a ecóloga coloca que esta planta “tem raízes muito profundas que podem chegar ao lençol freático, absorver a água e secar aquele solo onde ela está crescendo”. Um risco dentro de um bioma seco como a Caatinga.
Da mesma forma, espécies nativas cearenses também podem se tornar invasoras em outras regiões. Um dos exemplos disso é a unha-de-gato (Uncaria tomentosa), muito usada como cerca-viva, que foi reproduzida em diferentes regiões e entrou para a lista dos invasores no Espírito Santo, onde o bioma predominante é a Mata Atlântica.
Conforme explica Sílvia Ziller, engenheira ambiental e fundadora do Instituto Hórus, o conceito de exótico não tem a ver com a divisão política, mas com os ecossistemas de onde essas espécies vieram e nos quais estão inseridas.
Além disso, a denominação "exótica", apesar de remeter ao incomum e menos frequente, não exclui a possibilidade de que animais e plantas bastantes conhecidos integrem a lista. É o caso dos cães (Canis lupus familiaris) e gatos domésticos (Felis catus), ostras (Isognomon bicolor), camundongos (Mus musculus) e pardais (Passer domesticus), que não têm origem no território cearense, mas foram deslocados para o estado por meio da ação humana.
Apesar de a presença de animais domésticos entre as espécies invasoras causar incômodo a alguns tutores, Sílvia explica que “um gato ou um cachorro, quando está na casa do seu dono, ele não é problema nenhum.” Do contrário, o que causa os impactos ambientais é o abandono destes animais ou a falta de controle dos ambientes nos quais eles circulam.
Estes animais se tornam um risco à fauna nativa, por exemplo, quando vivem na natureza em decorrência do abandono ou quando não são impedidos pelos seus tutores de caçarem outros seres.
Outros animais que têm um impacto considerável sobre os ecossistemas são as cabras (Capra hircus). Natural de áreas montanhosas e rochosas, esta espécie é considerada invasora no Ceará, mas não foi aqui que a sua presença causou as piores consequências.
Como conta a engenheira ambiental, as cabras tiveram um impacto considerável sobre a vegetação nativa de algumas ilhas oceânicas quando, durante as navegações, eram deixadas nestes locais como reservas de alimento em casos de naufrágio.
“A preocupação maior que se tem com as cabras não é no sistema de produção, é nesses ambientes naturais onde elas foram largadas e as populações crescem porque nesses lugares não tem nenhum tipo de predador”, coloca. No Brasil, cabras são consideradas espécies de alto risco.
Até o momento, o País registra 487 espécies invasoras, segundo colaboradores do Instituto Hórus. Sejam animais, como cracas, água-vivas e caracóis, ou plantas como trepadeiras, jacas e mangueiras, a presença destes seres, que tiveram origem em outras regiões, apresenta ameaças ao meio-ambiente.
De acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza, a presença dessas espécies é uma das principais causas de processos de extinção e perda de biodiversidade no mundo. Em nível nacional, além de 272 espécies de animais e 210 de plantas, quatro espécies do Reino Protista (protozoários e/ou algas) e uma do Reino Monera (bactérias) também integram a lista de invasoras.
No caso de algumas espécies exóticas invasoras, o impacto ambiental atrelado à sua presença no bioma pode requerer políticas de manejo, sejam preventivas ou para controle das populações já estabelecidas nos locais.
Geralmente, essas iniciativas são voltadas para áreas e espécies prioritárias. “Algumas espécies são muito persistentes, então requerem estratégias, técnicas e bastante conhecimento técnico para que isso seja atingido”, relata Sílvia.
No entanto, no Brasil, políticas públicas no sentido de controlar estas espécies já foram implementadas em estados como São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal e são atualmente discutidas na Bahía e em Pernambuco.
Para Sílvia, o uso das informações disponíveis na Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras para elaboração de iniciativas governamentais com foco na gestão dessas espécies é uma das formas como o trabalho realizado pelo Instituto Hórus pode contribuir para a preservação da biodiversidade. Ela coloca que a base de dados “ajuda as iniciativas locais ou regionais a definirem prioridades em função dos riscos que elas oferecem para cada tipo de ambiente”.
Além disso, a plataforma também pode ser acessada pela população que, por meio do acompanhamento destes impactos, pode entender, por exemplo, quais plantas ornamentais são invasoras e evitar o seu cultivo.
No caso de iniciativas de restauração ambiental, o uso desses dados por levar à compreensão de quais espécies não devem ser plantadas e “para que as pessoas saibam que essas espécies são exóticas e são um problema, e que não plantem, por exemplo, goiaba, que é uma espécie comumente usada em iniciativas de restauração e não é nativa do Brasil”, alerta Sílvia. (Com Agência Brasil).
O Governo Federal está preparando um plano de detecção precoce e resposta rápida a espécies exóticas invasoras. A informação foi divulgada em 27 de março de 2023, pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), como uma das ações para combater a invasão dos ecossistemas brasileiros por espécies que ameacem a biodiversidade do país.
O Programa Nacional de Alerta, Detecção Precoce e Resposta Rápida já teve sua proposta elaborada de forma participativa com apoio de uma consultoria especializada, finalizada, segundo o MMA. Neste momento, a proposta está sendo revista pelo Ministério para que seja publicada, mas ainda não há previsão para a implementação.
O objetivo do programa é identificar focos de invasões biológicas ainda em estágio inicial e implementar protocolos de resposta rápida para aumentar a eficácia de ações de erradicação e controle. Para isso, deverá contar com uma rede de colaboradores e serão criados manuais específicos de alerta, detecção e resposta rápida, para os ambientes terrícola, marinho e dulcícola.
O Ministério do Meio Ambiente também informou que uma lista de espécies exóticas invasoras prioritárias para detecção precoce e resposta rápida está sendo elaborada. As unidades de conservação são um dos focos do monitoramento e vigilância para essa detecção e controle. (Agência Brasil)