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Incríveis histórias de terror de fungos, pandemias e zumbis
Reportagem Especial

Incríveis histórias de terror de fungos, pandemias e zumbis

Como a ficção empresta casos e conceitos reais da Biologia para criar histórias assustadoras e cativantes? E por que é importante deixar o medo apenas para o mundo da imaginação?

Incríveis histórias de terror de fungos, pandemias e zumbis

Como a ficção empresta casos e conceitos reais da Biologia para criar histórias assustadoras e cativantes? E por que é importante deixar o medo apenas para o mundo da imaginação?
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Nós temos medo de perder o controle. De estarmos indefesos, assustados, impotentes. Perseguidos por todos os lados, sem saber se ao virar a esquina encontraremos alguém infectado silenciosamente — ou não.

De fato, um dos motivos para o prólogo da série The Last of Us, baseada no aclamado jogo homônimo, funcionar é que agora parte do mundo consumidor de histórias apocalípticas sabe o que é viver uma pandemia e o poder que pequenos organismos têm sobre a saúde mundial. Agora, nós conhecemos o medo de uma infecção, a ansiedade de sair de casa e o terror que é perder muitos pelo desconhecido.

 

Os 20 filmes de apocalipses zumbis pandêmicos com maiores avaliações no Internet Movie Database (IMDB)

Levantamento OP+ com base nos filmes listados pelo IMDB com as palavras-chave "apocalypse", "virus", "zombie" e "outbreak"

 

E como bem expõe o epidemiologista Neumar (interpretado por John Hannah) na série, a humanidade pode até estar preparada para enfrentar vírus, mas não fungos. Se nós já temos medo — e fascínio — por zumbis desde sempre, que dirá com a possibilidade de um fungo que já existe.

No caso, o fungo da série é do gênero Ophiocordyceps, dos quais cerca de 35 podem parasitar hospedeiros.

Foto vencedora de competição de fotografia BMC Ecology and Evolution 2022. Na foto, uma mosca parasitada por um fungo.(Foto: Roberto García-Roa / BMC Ecology and Evolution Image Competition)
Foto: Roberto García-Roa / BMC Ecology and Evolution Image Competition Foto vencedora de competição de fotografia BMC Ecology and Evolution 2022. Na foto, uma mosca parasitada por um fungo.

Essa é uma das mágicas da ficção científica: emprestar da Biologia conceitos e casos reais que, aplicados em condições muito improváveis, viram um verdadeiro caos.

 

 

Da realidade à ficção, nós temos medo das (remotas) possibilidades

“O horror se baseia muito na história do outro”, explica G. G. Diniz, escritora, editora e fundadora do movimento sertãopunk. No caso, o outro é o desconhecido, o incompreensível, até mesmo o simplesmente diferente. E como o conhecimento científico ainda é pouco acessível para a maioria das pessoas, pondera G. G., “as coisas científicas acabam sendo esse outro”.

Autora de obras de ficção especulativa e de horror, Diniz é formada em Química na Universidade Federal do Ceará (UFC) e aproveita desse conhecimento para criar histórias fascinantes e igualmente assustadoras.

O fato de zumbis pandêmicos nos amedrontarem tanto é justamente porque existe uma plausibilidade, um “poderia acontecer”, ou até um “já acontece”, mesmo que com outros organismos. “O interessante de The Last of Us é porque o fungo a gente pode ver. Passa mais a ideia de decomposição, é mais impactante”, analisa.

 

 

Curiosidade

O Cordyceps também inspirou G. G. Diniz a criar uma história de terror com fungos. Em O Colonizador, publicado em 2020 e disponível na Amazon, a autora descreve o trabalho da estudante de exobiologia Jandira em um laboratório afastado da sociedade. Lá, ela estuda micro organismos extraterrestres semelhantes aos fungos, enquanto lida com um coordenador assediador e um laboratório sucateado por falta de investimentos. O que poderia dar errado?

 

 

Mas toda inspiração vem com responsabilidade. Ainda que muitos entendam que a arte esteja isenta das consequências que ela pode trazer, G. G. Diniz reflete que os autores devem considerar os impactos de suas obras. O filme Tubarão, de Steven Spielberg, é um clássico cinematográfico responsável por transformar esses animais aquáticos em vilões cruéis na fantasia e, na vida real, em verdadeiras vítimas da perseguição humana. “É muito fácil para criar desinformação”, opina.

Ophiocordyceps oecophyllae(Foto: Figura 2 da pesquisa Zombie-ant fungi across continents: 15 new species and new combinations within Ophiocordyceps. I. Myrmecophilous hirsutelloid species)
Foto: Figura 2 da pesquisa Zombie-ant fungi across continents: 15 new species and new combinations within Ophiocordyceps. I. Myrmecophilous hirsutelloid species Ophiocordyceps oecophyllae

Por isso, vale sempre ressaltar: o Cordyceps existe, mas não faz mal aos humanos. E por mais que algumas imagens de fungos parasitando insetos sejam de arrepiar, não temos porque vê-los como organismos do mal.

 

 

O fungo real e a tranquilização: eles são de boas (para os humanos)

Ophiocordyceps albacongiuae(Foto: Figura 11 da pesquisa Zombie-ant fungi across continents: 15 new species and new combinations within Ophiocordyceps. I. Myrmecophilous hirsutelloid species)
Foto: Figura 11 da pesquisa Zombie-ant fungi across continents: 15 new species and new combinations within Ophiocordyceps. I. Myrmecophilous hirsutelloid species Ophiocordyceps albacongiuae

De acordo com o micologista João Araújo, doutor em Biologia pela Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), as espécies de fungos manipuladores estão dentro do gênero Ophiocordyceps, dos quais cerca de 35 podem parasitar hospedeiros. Apesar disso, ainda é difícil estimar quantos fungos parasitas realmente existem por aí. “Nossas estimativas projetam que haja mais de 600 desses fungos manipuladores que ainda serão descritos para ciência”, comenta.

João é o especialista brasileiro nesses fungos “zumbificadores” — com a permissão da palavra. Foi responsável pela descrição de mais de 30 espécies novas de fungos zumbis só no Brasil.

Primeiro, ele deixa claro: não, esses fungos não podem contaminar humanos. “O corpo e sistema imunológico do ser humano é muito diferente dos insetos, tornando essa infecção cruzada pouquíssimo provável, pelo menos nos próximos milhões de anos…”, afirma.

Além do mais, cada espécie de fungo parasita vai infectar apenas uma certa espécie de inseto; eles são super especializados e adaptados. Quem explica isso é o micologista Mateus Ribeiro, conhecido como Mateus dos Fungos, divulgador científico no @mateusdosfungos e pesquisador na Universidade Federal da Bahia (Ufba). 

 

  

Bom, mas como os fungos chegam a zumbificar os insetos?

Ophiocordyceps formicarum(Foto: Steve Axford / Wikicommons)
Foto: Steve Axford / Wikicommons Ophiocordyceps formicarum

Para tudo funcionar direitinho, o fungo faz questão de manter o cérebro intacto até o momento de realmente matar o inseto. Assim, o sistema nervoso do animal ainda funcionará, mas será influenciado pelo fungo, garantindo que o parasita force o animal a se locomover. “Ainda não sabemos quais são os mecanismos genéticos e moleculares envolvidos na manipulação”, reforça João.

A invasão começa pela cutícula do inseto (a estrutura análoga à pele humana), seguindo para a neutralização do sistema imunológico do infectado. Com defesas desabilitadas, o fungo agora pode se espalhar pelo corpo do hospedeiro e influenciar o cérebro dele a abandonar a colônia e encontrar um local adequado para o fungo se desenvolver.

Que tipo de lugar é esse vai variar de fungo para fungo, mas quando ele for encontrado, o inseto é forçado a morder a plantar e ficar preso a ela até o parasita completar o ciclo de vida. É nesse processo que criam-se as imagens arrepiantes de cogumelos saindo da cabeça das formigas, para que eles liberem esporos no chão da floresta e permitam a infecção de outros hospedeiros.

 

 

A beleza dos fungos

Mas calma lá! Se você ficou assustado com os fungos zumbis, você ainda pode se apaixonar pelo reino Fungi.

É, reino mesmo: sabia que fungos não são plantas e nem animais? E que na verdade eles estão mais próximos dos animais do que das plantas? É algo bem específico da classificação dos seres vivos, então… vamos nos contentar em saber que fungos são fungos e pronto.

Fato é que eles também são muito diversos e ainda existem muitas espécies para serem descobertas. De acordo com Mateus, a micologia brasileira ainda é uma área pouco estudada, garantindo ainda muitas novidades para o futuro.

 

 

Fungos podem ser pequenos ou enormes, de cores e formatos variados. Eles são tão incríveis que um dos maiores seres vivos do mundo é um único indivíduo de fungo Armillaria solidipes, que estende partes do seu corpo por quilômetros na Floresta Nacional de Malheur em Oregon, nos Estados Unidos da América (EUA).

Um dos sonhos do micologista Mateus é que as pessoas consigam admirar a beleza e a importância dos fungos, para além de sentirem medo ou nojo. “Porque se eu falar fungo, as pessoas vão pensar em mofo de parede, em micose… Poucas pessoas vão pensar, por exemplo, em penicilina, um antibiótico que mudou a medicina no mundo, salvou milhões… Ninguém pensa na faloidina, que é uma substância mortal (se consumida) que vem de um cogumelo, mas existem pesquisas que estudam esse composto como um aliado na luta contra o câncer”, comenta.

Na imagem, o fungo Penicillium notatum, de onde se produz a penicilina.  (Foto: Carlo Bevilacqua—SCALA/Art Resource, New York)
Foto: Carlo Bevilacqua—SCALA/Art Resource, New York Na imagem, o fungo Penicillium notatum, de onde se produz a penicilina.

Ele continua: “Eu queria que as pessoas soubessem que eles estão aqui e a gente não pode viver sem eles. Eles estão no nosso dia-a-dia: no pão, na cerveja, no antibiótico, no chocolate. Eles estão degradando matéria orgânica, fazendo um papel incrível que é pegar aquilo que está morto e inserir de volta ao ciclo da vida. A gente só tem floresta porque a gente tem fungo. E sem floresta, tudo desanda. Eles têm um papel crucial no andamento do planeta Terra.”

 

 

Nós temos outros fungos e organismos para nos preocupar

Se o Cordyceps não é um problema para os humanos, existem muitos outros que podem, sim, nos contaminar, ainda que não nos transformem em zumbis.

A cândida é uma das doenças humanas causadas por fungo.(Foto: Y tambe / Wikicommons)
Foto: Y tambe / Wikicommons A cândida é uma das doenças humanas causadas por fungo.

Os fungos Trichophyton, Microsporum ou Epidermophyton são responsáveis pela dermatofitose, também conhecida como Tinha ou Tínea. É uma infecção fúngica que pode afetar o couro cabeludo, a virilha, o corpo, as unhas e os pés. Nesse último caso, você conhece por outro nome: frieira ou pé-de-atleta.

Outra super comum é a candidíase, comumente provocada pelo Candida albicans, um fungo que vive naturalmente no nosso corpo, mas pode aparecer na boca (o famoso sapinho) ou na virilha quando o sistema imunológico humano está enfraquecido. Também pode ser sexualmente transmissível e coça demais. Em casos mais graves, chega a se disseminar pelo sistema sanguíneo e contaminar órgãos como os pulmões.

Em geral, explica a biomédica e neurocientista Mellanie Fontes-Dutra, essas infecções são especialmente arriscadas para pessoas imunodeprimidas. “Pessoas que tomam imunossupressor, fazem quimioterapia, estão internadas há muito tempo, precisam fazer acessos prolongados… Por terem sistema imunológico debilitado, essa infecção pode acabar sendo muito invasiva”, comenta.

É por isso que é importante focar no desenvolvimento de fármacos para evitar e combater essas doenças. Afinal, nós vivemos no mundo real, onde é inadmissível sugerir explodir uma cidade inteira pela inexistência de vacinas ou remédios para combater um fungo que zumbifica humanos (sim, estamos falando da micologista Ibu Ratna apresentada no segundo episódio da série!).

“Não podemos esperar uma pandemia para desenvolver vacinas”, comenta Mellanie. “Nenhuma infecção tem que ser subestimada. Não é natural ou normal a gente ter um grande número de infecções seja do agente infeccioso que for.”

O alerta se estende para verminoses, vírus, bactérias… Aliás, você tem medo de fungos zumbificadores? Que tal ter medo real de superbactérias resistentes a antibióticos, por culpa do uso inadequado e não supervisionado deste medicamento?

Aí está: talvez essa seja a próxima ficção de terror plausível a ser explorada.

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